De Bolle volta a atacar

Monica de Bolle volta a atacar com mais um artigo mistificador. Destaquei o trecho em que a colunista diz que o teto de gasto vai acabar com a saúde e a educação no país.

De Bolle fala como se as despesas com educação e saúde representassem 100% dos gastos do governo e não houvesse mais nada, nadinha, para cortar. Usa o espantalho da falta de recursos para áreas sensíveis para convenientemente esquecer-se de que 25% dos gastos da União dirigem-se ao pagamento do funcionalismo público. Claro, é mais fácil mandar pelos ares a única âncora fiscal do país do que mexer com a vaca sagrada.

A mistificação é tamanha que De Bolle não enrubesce ao citar a necessidade de recursos para o “treinamento de professores para dar aulas on-line” no orçamento de 2021, quando provavelmente as aulas presenciais já terão retornado. Vale tudo quando se trata de emocionar o leitor leigo.

Saudades do blog do Mansueto Almeida, em que ele desmontava a contabilidade criativa do Arno Augustin (secretário do Tesouro da Dilma) com meia dúzia de números. Tomara que volte, agora que ele saiu do governo. Estamos precisando de alguém com conhecimento para desmistificar esses “profetas do gasto público” que, com suas ideias, nos levaram ao buraco onde nos encontramos.

O moto-perpétuo, mais uma vez

Monica de Bolle volta a atacar o teto de gastos. Extraí os 3 primeiros parágrafos de sua coluna, que já dão uma boa ideia das ideias da moça.

Primeiro, e talvez principal, De Bolle deixa à mostra sua inclinação autoritária, ao dizer que os técnicos da equipe econômica não estão “pensando no País”. É típico de mentes autoritárias confundir suas ideias com verdades absolutas, ficando os seus opositores com o papel de “inimigos da Pátria” e não simplesmente pessoas honestas que têm ideias diferentes para o bem do País. Combina bem com o seu eterno candidato à presidência, Ciro Gomes. Em uma postura típica do coronel, De Bolle joga a afirmação falsa de que o teto prejudicou o repasse de verbas para o SUS, com uma frase que inicia com um “há quem argumente”. Ou seja, nem para assumir a autoria da inverdade.

Mas vamos à questão em si.

De Bolle se diz a favor da “ideia do teto”, mas não desse que está aí. É uma forma elegante de dizer que não é a favor de teto algum. O mesmo argumento que usavam os mais civilizados que eram contra a reforma da Previdência. E o que De Bolle mudaria no teto? A permissão para fazer investimentos. Bem, se for para isso, o teto já está furado. O governo Bolsonaro descobriu a brecha, ao capitalizar em R$7 bilhões a Emgepron, para que a Marinha pudesse construir seus brinquedos de guerra. Mas De Bolle quer uma permissão oficial, não chicanas.

Há dois problemas com essa ideia, um com relação ao teto em si e o outro com relação ao papel dos investimentos públicos.

Com relação ao teto em si, o problema é que não existe “meio-teto”, assim como não existe “meio-grávida”. Ou o teto existe e serve para tudo, ou não existe. Liberar “investimentos” é liberar tudo, no país do jeitinho. Por onde passa um boi, passa uma boiada, como diz o ditado. E o mercado sabe disso. Um teto furado não segura a chuva.

Em relação aos investimentos públicos, temos duas questões: a qualidade do investimento público e o seu papel no crescimento do país. Com relação à qualidade, é público e notório que o investimento público deveria se chamar “desperdício público”, pela sua incapacidade de seguir cronogramas e orçamentos. Isso, sem contar a roubalheira. Em relação ao seu papel no crescimento do País, acho que já tivemos exemplos suficientes de como isso não funciona. Sempre repito isso: fosse fácil assim, não existiria país pobre: bastaria se endividar até as tampas, investir o dinheiro, e depois recolher os impostos para pagar a dívida. Pena que ainda não inventaram o moto-perpétuo.

Não por outro motivo, De Bolle ficou indignada com as comparações que fizeram entre o programa Pró-Brasil e o PAC ou o PND. Esses programas demonstraram todos os pontos acima: desperdício de dinheiro público e incapacidade de fomentar o crescimento, com efeitos perversos sobre o endividamento. Mas, por alguma misteriosa razão, o Pró-Brasil seria diferente. É sempre aquela ilusão de que é possível construir um Estado nórdico no Brasil-sil-sil.

Dissonância

Segundo o título da matéria do Estadão, o governo estaria estudando mexer no teto de gastos, “em caráter excepcional”.

Aí, pra não variar, você vai ler a matéria e é o justo oposto. Há estudos de todas as naturezas, MENOS sobre o teto de gastos.

Para mim, continua sendo um mistério os motivos que levam um jornalista ou o próprio editor a dar um título que não corresponde ao que vai na reportagem, o que é facilmente verificável por quem a lê. É falta de atenção, analfabetismo funcional ou desonestidade intelectual mesmo?

O repórter ainda afirma que economistas “de diferentes espectros ideológicos” passaram a defender uma flexibilização do teto de gastos. Em primeiro lugar, não li um único economista mainstream que defendesse isso. Pelo contrário. A reportagem entrevista a indefectível Monica de Bolle, eleita pelos heterodoxos como “a economista liberal com bom senso”, supostamente representando a ala liberal que defende flexibilizar o teto.

Mas o que a repórter revela nesta frase é mais do que isso. Para ela, a questão não passa de “ideologia”, não tem nada a ver com expectativas dos agentes e restrições financeiras. Para quem viu a reação do mercado de títulos públicos ontem após a derrubada do veto à ampliação do BPC, ficou claro que a coisa é muito mais do que “ranço ideológico”. Mas a ideologia da jornalista explica a dissonância entre título e matéria.

As pessoas precisam entender

“As pessoas precisam entender que…”, e então vem aquilo no qual eu acredito e assumo como verdade universal.

Só que “as pessoas” entendem coisas diversas e reagem de acordo com o que elas próprias entendem, não com o que um luminar entende. Por exemplo, se o teto de gastos for eliminado, as pessoas não vão entender que a economia vai crescer porque o governo, como num passe de mágica, se tornou eficiente no investimento em infraestrutura. É mais provável que as pessoas entendam que a dívida do governo vai voltar a uma trajetória insustentável e vai ficar impagável.

Gostaria de ver a Monica como ministra da Economia, dando entrevista em dia de pânico nos mercados, dizendo que “as pessoas precisam entender que…”. O mercado não entende nada, só reage para salvar sua própria pele. E antes que perguntem quem é o mercado, respondo: somos todos nós. É isto que Monica de Bolle precisa entender.

A “verdadeira” Venezuela

De Boulle ataca novamente. Seu bode agora é a postura anti-Maduro do novo governo. Em artigo de hoje no Estadão, de Boulle afirma que “o uso constante do colapso venezuelano como arma ideológica é não apenas um equívoco, mas demonstração de profunda ignorância.”

De Boulle se propõe, então, a iluminar o dia com seu profundo conhecimento da Venezuela. Em suas próprias palavras, “são poucos os que realmente sabem alguma coisa da história da Venezuela”. Da forma como se apresenta, de Boulle se considera entre esses poucos.

Então, continuei a ler o artigo, de coração sinceramente aberto, para tentar compreender um pouco mais da história desse país tão pouco conhecido, e como o regime bolivariano tem pouco a ver com a atual situação de descalabro em que se encontra. Sim, porque, na visão de de Boulle, culpar o atual governo não é mais do que usar “espantalhos ideológicos”, sem um “entendimento sério de como o país chegou ao atual descalabro”.

Colei o artigo aqui para que vocês julguem com seu próprio discernimento se estou exagerando. O que se tem é um amontoado de fatos que parecem ter sido tirados da Wikipedia. Nada que possa sugerir alguma causa remota para a situação desesperadora atual.

No entanto, e foi isso o que me deixou perplexo com o artigo, a autora termina o seu amontoado de informações desconexas com um “portanto”: “Portanto, para entender e opinar sobre a Venezuela, é preciso compreender o arco histórico”. Como se esse amontoado de informações de seu artigo fosse suficiente para provar alguma coisa. Qualquer coisa.

Mônica de Boulle não esconde de ninguém sua ojeriza pelo novo governo. Está no seu direito. O que não dá é falsear a realidade para conformá-la aos seus desejos. Esse artigo foi uma tentativa tosca de dissociar o “socialismo do século XXI” do descalabro que se tornou o nosso país vizinho, ao procurar encontrar raízes remotas no tal “arco histórico”. Sem dúvida, qualquer país é fruto de sua história e isso não é diferente para a Venezuela. Mas também não resta dúvida de que as decisões econômicas de Chávez/Maduro pioraram muito a situação do país. Isso é claro como a luz do dia para qualquer economista que não veja o governo Bolsonaro como um “espantalho ideológico”.

A verdadeira liberal

Abaixo vai o trecho final do artigo de Mônica de Boule hoje, no Estadão.

Em primeiro lugar, Mônica não aceita que alguém seja liberal na economia e conservador nos costumes. Ela diz que este não seria o “verdadeiro liberalismo”. Na verdade, Mônica é “ultraortodoxa” em seu liberalismo dos costumes e uma “social-democrata” quando se trata do liberalismo econômico. Nada contra. Só não venha querer dar lições do que seja o “verdadeiro liberalismo”, como se houvesse apenas uma ideologia “correta”.

Mas vamos focar no que me interessa aqui: a tal “primazia dos mercados sobre a sociedade”, espécie de mantra supostamente entoado pelos que a economista pejorativamente chama de “ultraortodoxos”.

Do ponto de vista conceitual, não consigo entender o que significa essa “primazia dos mercados sobre a sociedade”. Essa frase só faria sentido em se considerando uma visão estreita dos “mercados”, que seriam somente as mesas de operações dos bancos e, talvez estendendo um pouco mais o conceito, as gerências das grandes empresas. Não concebo que uma economista com a formação de Mônica de Boule tenha esse entendimento estreito do que sejam os mercados.

Os “mercados” somos todos nós. Toda vez que um indivíduo toma uma decisão de consumo ou de investimento (e não tomar uma decisão também é uma decisão) está movendo os preços da economia. Os operadores do mercado financeiro são apenas isso: operadores, que procuram maximizar os ganhos dos verdadeiros senhores do mercado, os indivíduos e as empresas. Quando dizemos “a bolsa subiu”, é porque subiu o sentimento de confiança de que as empresas gerarão lucro no futuro. Lucro esse, adivinha, que depende dos consumidores, que são, no final do dia, aqueles que decretam o sucesso ou o fracasso das empresas.

Portanto, podemos definir os mercados como a sociedade tomando suas decisões de consumo e investimento. É apenas mais um aspecto da sociedade, uma das muitas formas de ver a sociedade, assim como há muitas formas de ver um ser humano. Dizer que existe uma “primazia dos mercados sobre a sociedade” é colocar os mercados fora da sociedade, como um alienígena que nada tem a ver com nossas vidas. Um agente a mais, que suga os recursos da “sociedade”.

Claro, assim como um indivíduo não se reduz às suas condições materiais, a sociedade não se reduz aos mercados. Isso é coisa de marxistas, para os quais não existe nada além da dimensão material da vida. Para um liberal, os mercados são apenas e tão somente a base material da sociedade. Cuidar para que a sociedade tenha uma base material sólida é condição sine qua non para que consiga desenvolver todas as suas potencialidades. Como diz o ditado, “em casa que falta pão, todo mundo grita e ninguém tem razão”.

Mônica de Boule se esconde atrás desses rótulos (ultraortodoxos, primazia dos mercados sobre a sociedade) para não colocar claramente o que pensa sobre os diversos desafios práticos que qualquer governo precisa enfrentar:

1) Se Mônica fosse presidente da República, de que forma enfrentaria o déficit fiscal? Procuraria ajustar como preconiza o atual e o futuro governo? Ou seria adepta do “déficit é vida” do governo Dilma? Um “verdadeiro liberal” ajustaria ou não as contas públicas?

2) Se Mônica fosse presidente da República, procuraria ajustar o déficit de maneira rápida ou lenta? O futuro governo quer ajustar de maneira rápida. Seria esta uma visão “ultraortodoxa”? Macri tentou um ajuste lento na Argentina e foi parar no colo do FMI. É isso o que preconiza o “verdadeiro liberalismo”? Não seria mais razoável deixar os adjetivos de lado e focar naquilo que importa, no caso, a paciência dos credores?

3) Se Mônica fosse presidente da República, que tipo de reforma de Previdência faria? Uma que colocasse o sistema em equilíbrio atuarial de longo prazo, ou outra, que preservasse os privilégios do funcionalismo público e da classe média? O atual e o futuro governo defendem a primeira hipótese. Isso é “ultraortodoxia”?

4) Se Mônica fosse presidente da República, manteria o Bolsa Família, como preconiza o futuro governo? Essa posição do presidente eleito é a “primazia dos mercados sobre a sociedade”?

5) Se Mônica fosse presidente da República, privatizaria todas as estatais, ou manteria as que têm “valor estratégico”, como defende o presidente eleito? Onde está a “ultraortodoxia”? De que lado Mônica está neste quesito?

6) Se Mônica fosse presidente da República, defenderia que uma carga tributária de 37% do PIB é razoável? É esse o tamanho do Estado que um “verdadeiro liberal” preconiza? Ou seria ainda maior, para que “a sociedade tenha primazia sobre os mercados”?

7) Se Mônica fosse presidente da República, estaria satisfeita com o atual sistema tributário? Ou procuraria simplifica-lo, como defende o “ultraortodoxo” ministro da Fazenda do presidente eleito?

Enfim, poderíamos continuar indefinidamente. Adoraria ler um artigo onde Mônica de Boule e outros economistas “verdadeiramente liberais” descrevessem suas soluções para os problemas práticos de qualquer governo, ao invés de simplesmente enfileirar adjetivos e frases de efeitos sem sentido, só para marcar uma posição. Seria muito mais útil para a sociedade que tanto dizem defender.

Concerned economists

Eduardo Giannetti, assim como Mônica de Boule e outros economistas liberais de fachada estão preocupados. Afinal, como será um governo neoliberal selvagem sem um mínimo de “preocupação social”, sem “combater as desigualdades”?

Bem, imagino que não será pior do que aquilo que tivemos nos últimos mais de 30 anos, a partir do advento da Nova República. Desde o “tudo pelo social” do governo Sarney, passando pela socialdemocracia de FHC e terminando pelos “governos populares” de Lula e Dilma, não tivemos outra coisa que não governos com “preocupação social” e dedicados a “combater as desigualdades”.

A julgar pela multiplicação de favelas, pelo aumento desbragado da criminalidade, pelos 13 milhões de desempregados e pelo número de pessoas dormindo nas ruas das grandes cidades, parece que a fórmula não deu muito certo, não é mesmo? Que tal tentar outra?

Economistas como Giannetti e De Boule acreditam que o Estado deve ajudar a diminuir a desigualdade. Economistas liberais de verdade acreditam que o Estado deve ajudar a aumentar a riqueza. A ênfase da socialdemocracia é a igualdade. A ênfase do liberalismo é o crescimento econômico. Como bem lembrou Amoêdo durante a campanha, o Afeganistão é um país com menor desigualdade do que o Japão. Onde você preferiria viver?

Mas isso tudo não passa de uma falsa dicotomia, muito útil para etiquetar Bolsonaro como “ultra-direita” e Guedes como “ultra-liberal”, colocando-se, os “concerned economists”, como monopolistas do bem e da virtude, tática muito utilizada pelas esquerdas. Guedes nada mais prega do que o equilíbrio fiscal, a privatização como vetor do aumento da produtividade e reformas institucionais que induzam o crescimento do investimento privado. Tudo isso seria assinado embaixo por Giannetti e De Boule. Mas dar o braço a torcer nisso significaria endossar um “fascista”, coisa inadmissível para quem tem um nome a zelar.

– Ah, mas é preciso também haver políticas de mitigação das desigualdades! Não é possível esperar o bolo crescer para depois dividir, como já dizia o czar da economia nos governos militares, Delfim Netto.

Sim, e Bolsonaro já disse que vai manter o Bolsa Família, que é um programa com um bom custo-benefício. Mas me surpreenderia se o governo voltasse a programas como o FIES, que tem um custo fiscal gigantesco e eficácia duvidosa, a não ser encher os cofres das faculdades privadas. Se somarmos o montante de impostos gastos em “programas sociais” destinados a “mitigar a desigualdade” nos últimos 30 anos, provavelmente chegaríamos a um valor que explicaria boa parte da nossa dívida. Com que resultado? Esta seria uma boa auditoria da dívida.

Mas fiquem sossegados Eduardo e Mônica e todos os economistas mais sensíveis, genuinamente preocupados com as desigualdades. Daqui a 4 anos haverá nova eleição e, se esse governo for do mal, o povo o substituirá. Mas intuo que a grande preocupação desse pessoal não é de que esse governo dê errado. É de que dê certo.

Muito preocupado

De minha parte, estou muito mais preocupado com um país governado de dentro de um presídio.

Nesta hora, a “paranoia” parece estar mais do lado de quem teme um golpe militar.

Aliás, se tem uma coisa que a história mostra, é que os golpes servem para tirar opositores do poder. Nesse sentido, a eleição do PT tornaria a tese de um golpe militar mais verossímil.

O único que aplicou um “auto-golpe” foi Getúlio Vargas, em 1937. Sim, Getúlio, o queridinho do Lula e das esquerdas.