Há alguns dias, ficamos sabendo que o Departamento de Justiça dos EUA estaria preparando uma ação antitruste contra o Google, que seria forçado a vender o seu navegador Chrome. Lembrei-me de outra aplicação famosa da lei antitruste.
Em 1984, a então gigante e quase monopolista AT&T foi obrigada a se desmembrar em 7 companhias regionais, as chamadas “Baby Bells”, em homenagem ao fundador da AT&T, Alexander Graham Bell, o inventor do telefone.
Esta lembrança só reforça a minha percepção de que esta lei foi feita para uma economia que está, aos poucos, perdendo relevância. Dividir a AT&T fazia todo sentido: afinal, oferecer infraestrutura telefônica envolvia investimentos massivos em capital e localização geográfica, fazendo com que a barreira de entrada fosse não só gigantesca, mas, em alguns casos, impossível de ultrapassar. Basta lembrar que a AT&T também controlava a Western Electric, a maior fabricante de equipamentos de telefonia do país. Então, não havia por onde entrar, dado que a companhia era, ao mesmo tempo, a maior vendedora e a maior compradora de infraestrutura de telecomunicações. Vale lembrar que as 7 companhias são hoje 3. A lógica econômica acaba falando mais alto.
O que temos no caso do Google? Um software. Não há barreiras físicas. O mercado está aberto para qualquer empresa que queira encarar os investimentos necessários para fazer um bom motor de buscas ou um bom navegador. Quem manda é o clique do usuário.
O interessante é que o Google desenvolveu o Chrome do zero e conquistou o mercado do então dominante Explorer, da Microsoft. Quando o Chrome foi criado, em 2008, a Microsoft estava sob supervisão antitruste desde 1998 por parte do governo norte-americano, pois o Windows trazia como navegador-padrão o Explorer. Esta ação antitruste acusava a gigante do software de monopolizar a indústria de navegadores, prejudicando concorrentes menores, notadamente o Netscape. Como se o usuário não pudesse trocar o seu navegador com um clique, como atualmente o faz para mudar do Edge (o novo navegador da Microsoft) para o Chrome. Aliás, até hoje o Windows traz o navegador da Microsoft como default, mas é o Google que está sendo acusado de monopolista. A ação antitruste contra a Microsoft terminou em 2013, pois perdeu o sentido.
Essa discussão toda chama-me a atenção para outro ponto que tem causado o furor dos defensores da concorrência com base nos parâmetros do século XX: a compra, pelo Facebook, do Instagram e do WhatsApp. Seria uma forma nada sutil de acabar com a concorrência em nichos nascentes. Interessante que o Google construiu o Chrome do zero, mas é acusado da mesma forma, o que me leva a concluir que dá na mesma comprar concorrentes ou desenvolver soluções do zero.
Alguns dirão que comprar concorrentes elimina uma concorrência futura indesejável. Quem disse? Quem pode afirmar que aquelas empresas nascentes seriam concorrentes de peso se o Facebook resolvesse desenvolver suas próprias soluções internas? Quem disse que as decisões empresariais de Instagram e WhatsApp lhes garantiriam o sucesso que têm hoje, e não a lata do lixo da história reservada a milhares de empresas que tentaram ser o “próximo Facebook”? Sinceramente, acho mais provável que Instagram e WhatsApp sejam o que são hoje justamente porque foram comprados pelo Facebook.
Enfim, tudo isso me parece uma discussão paleozoica, em um mundo onde o usuário tem total domínio e liberdade sobre o serviço que quer usar ou deixar de usar. Ações antitruste são inócuas em um mundo onde o clique é soberano.