“Paz”, palavra fácil

“Paz”, assim como “democracia” e “amor”, é uma palavra fácil. Todos queremos paz, democracia, amor. Quem seria contra?

Lula acha que não. Lula acredita (e fala) que somente ele quer a paz no mundo. E como todos os problemas brasileiros já foram resolvidos, Lula gasta seu tempo e energia para alcançar justamente isso, a paz no mundo.

O problema, meus amigos, é que, assim como democracia e amor, paz não é um termo unívoco. Lula age como se paz significasse apenas e tão somente “ausência de bombardeios”. Trata-se, obviamente, de uma simplificação tosca de quem alçou papo de botequim ao nível de diplomacia internacional. Ou, rebaixou diplomacia internacional a papo de botequim, como queiram.

Mas se fosse somente isso, seria apenas folclórico. O problema é que Lula, de fato, aprova o modus operandi de Putin, e o adota internamente. O governo Lula, por exemplo, quer a “paz no campo”, mas passa a mão na cabeça do MST, inclusive levando Stédile a tiracolo para a China. Até reconhece que as invasões a propriedades não deveriam acontecer, mas “o erro aconteceu, não adianta ficar falando quem está certo e quem está errado”. E negocia com MST e proprietários de terras como se fossem duas forças simétricas. No fundo, Lula pensa que o MST e a Rússia têm a razão ao seu lado, e faz contorcionismo retórico para parecer neutro.

Lula, em sua megalomania insuflada por um ego nunca visto na história desse país (para usar expressão consagrada em suas falas), tem a pretensão de ser visto como um Mahatma Ghandi do século XXI, o mensageiro da paz. Como falta-lhe a grandeza do indiano e sobra-lhe a malandragem de Macunaíma, o máximo que consegue é ser visto como um anão diplomático, que serve de pet para Xi Jiping. Poderíamos ser poupados dessa vergonha.

Uma luta ultrapassada

A manchete explora o sensacionalismo, mas a entrevista de Xico Graziano, ex-presidente do INCRA na gestão FHC, ele mesmo agricultor, vai muito além. Segue um resumo em quatro pontos:

– Reforma agrária é uma pauta do século XX. Hoje não faz mais sentido, pois não há mais latifúndio improdutivo no Brasil.

– Reforma agrária também não faz sentido do ponto de vista social, pois é muito caro comprar terras para distribui-las. Sem contar que 70% a 80% dessas terras são vendidas pelos sem-terra em dois anos após a posse.

– Na falta de terras improdutivas, o MST se transmutou de uma organização para a reforma agrária em uma organização com o objetivo de mudar o regime agrário capitalista em um cooperativismo camponês.

– O principal fator de produção no campo, hoje, não é a terra, mas a tecnologia. Um grande programa educacional para o homem do campo faria muito mais diferença do que a distribuição de terras.

O PT, formado pela combinação de sindicalismo de porta de fábrica da década de 70 com intelectuais formados nas discussões econômicas da década de 60, como sempre está lutando uma luta ultrapassada.

O presidente do diálogo

Lula é, sem dúvida, o presidente do diálogo. Na guerra da Ucrânia, por exemplo, ele propõe o diálogo como forma de encerrar o conflito. Pouco importa se há um agressor e um agredido na história, ou se houve trangrsssão de leis internacionais. O que vai “solucionar” o problema é colocar as partes em uma mesa de negociações “sem pré-condições”.

O padrão se repete com a invasão de uma fazenda de eucaliptos da Suzano por parte do MST. Pouco importa se existe um agressor e um agredido, se houve transgressão de leis. O que vai “solucionar” o conflito é colocar as partes em uma mesa de negociações ”sem pré-condições”.

Esse modus operandi, digamos, construtivo, poderia ser adotado em outras situações de “conflito”. Por exemplo, em um assalto, a polícia deveria servir como mediadora, promovendo o diálogo entre as partes, “sem pré-condições”. E assim por diante, todos os “conflitos” seriam resolvidos na base do “diálogo”. Quem seria contra essa abordagem de “paz”?

A Suzano, assim como a Ucrânia, não aceita qualquer diálogo antes que suas terras sejam devolvidas. Lula certamente acha que intransigências desse tipo são obstáculos para uma resolução pacífica dos conflitos. Da próxima vez em que você for assaltado, não seja intransigente: sente-se à mesa com o assaltante e com um árbitro acima de qualquer suspeita, como um petista, por exemplo. E o mais importante: sem pré-condições.

O dinheiro é do contribuinte

Este é um trecho de uma entrevista com o novo secretário para assuntos fundiários, Luiz Antônio Nabhan Garcia.

Que esse novo governo é contra o MST não é novidade. O que me chamou a atenção, no entanto, foi o foco no “dinheiro do contribuinte”.

Estamos acostumados a pensar no Estado como um ente divino, que sempre existiu e existirá para sempre, e que tem o poder de dominar nossas vidas. O governo, que representa o Estado, atua em nome deste para ditar as regras sob as quais vivem os cidadãos. Daí vem o complexo de “otoridade”, em que os representantes do governo, tais quais sacerdotes do Deus-Estado, não admitem desafios à sua “otoridade”. Você, que não faz parte da casta sacerdotal, que fique aí na sua irrelevância, pagando o dízimo para sustentar o governo. Daí também nasce o complexo da “dependência”. O cidadão espera que seus problemas sejam resolvidos pelo Deus-Estado. Sempre e em tudo, o governo “precisa fazer alguma coisa”.

O novo secretário, ao reduzir o problema do MST a um “deboche com o dinheiro do contribuinte”, vira de ponta cabeça essa lógica. Somos os cidadãos os chefes do governo. O Estado é uma construção humana a serviço da sociedade, não o inverso. Somos nós, os contribuintes, que somos os patrões. O MST não é um interlocutor legítimo não porque eu, sacerdote do Estado, tenho essa opinião, uma espécie de dogma. Não vamos conversar com o MST porque sequer tem um CNPJ, e isso é um deboche com o dinheiro público.

Somente quando os representantes eleitos, os funcionários públicos e os cidadãos tiverem essa mentalidade, o Brasil começará a mudar de verdade.

A democracia segundo o PT

Em azul, declaração de dirigente do MST em janeiro, defendendo o bloqueio de estradas como forma de protesto pela condenação de Lula.

Em verde, declaração do deputado Pepe Vargas, do PT, atacando um suposto plano dos agricultores de Bagé de bloquear o acesso de Lula à cidade, onde iniciará a sua caravana.

Para os petistas, democracia é o nome que se dá ao sistema político que leva o PT ao poder.