Asas de Ícaro

Causa-me arrepios esse tipo de notícia.

As famílias estão endividadas por causa de uma inflação que pegou muitos desprevenidos. Conceder crédito para resolver o problema não resolve nada se as pessoas não revirem os seus gastos. Usar o dinheiro do empréstimo para “abrir um negócio” é pior ainda. É promessa de mais problemas à frente.

Todo mundo se acha um empreendedor. Coachs e livros de auto-ajuda nos convencem que basta ter uma “mente milionária” para ter sucesso. Mas o triste fato da natureza humana é que poucos de nossa espécie estão talhados para a tarefa de tocar um empreendimento para frente.

O indiano Muhammad Yunus ganhou o Nobel da Paz em 2006 com a sua ideia de microcrédito para mulheres indianas tocarem seus empreendimentos. Apesar de muito celebrado, o fato é que o banco criado por Yunus (e seus muitos clones no Sudeste Asiático) não sobrevivem sem pesados subsídios estatais. Mais recentemente, uma onda de suicídios no Sri Lanka chamou a atenção para o problema da inadimplência dos tomadores de microempréstimos.

Enfim, trata-se, no final do dia, de atividade arriscada, que, na maioria das vezes, dará ruim.

A lógica do capitalismo é a mesma da fecundação: são milhões de espermatozoides que tentam, mas somente um tem sucesso. Para que o capitalismo funcione, é preciso que muitos tenham a pretensão de ser o escolhido pelo destino para formar uma empresa viável. A batalha pelo financiamento é a primeira etapa desse processo, um filtro inicial que impede uma parcela de espermatozoides inviáveis de morrerem tentando empreender.

O reality show Shark Tank é uma caricatura de uma realidade muito concreta: o empreendedor precisa convencer potenciais financiadores de que sua ideia tem viabilidade comercial, e que ele, o empreendedor, tem capacidade gerencial para tocar a empresa. Passar neste teste inicial não é garantia de nada, mas já é um começo.

Agora, imagine que esse dinheiro para o empreendimento estivesse disponível tão facilmente quanto um consignado com lastro no Auxílio Brasil. Quantos “empreendedores” não estariam, na verdade, contratando a sua própria desgraça, ao financiar ideias que passaram pelo crivo apenas de sua própria imaginação. As “asas” do crédito consignado para empreender normalmente se transformam em asas de Ícaro.

Consertando o capitalismo

Entrevista com Muhammad Yunus, o “banqueiro dos pobres”. Fez um negócio na Índia de micro-crédito, sem garantias. Não sei da saúde financeira da empresa, mas suspeito que viva de doações da parte da economia que “dá lucro”.

Aliás, esse é o projeto de Yunus: dois tipos de empresas, aquelas que “dão lucro” e aquelas que têm “preocupação social”. É a velha filantropia, com roupagem revolucionária.

Yunus defende que a máquina capitalista precisa ser concertada, pois é geradora de desigualdades. Propõe em seu lugar “empresas sociais”, que não distribuiriam lucros. Fica a dúvida de quem financiaria essas empresas, se as empresas que “dão lucro” desaparecessem.

As críticas ao capitalismo são fáceis. Suas mazelas estão aí para quem tem olhos para ver. Mas ainda não inventaram uma forma de coordenar a produção de bilhões de itens produzidos ao redor do mundo inteiro de modo a que cheguem às bilhões de pessoas que deles necessitam, gerando mais riqueza do que poderiam sequer imaginar nossos ancestrais cinco ou seis gerações atrás. Um favelado hoje vive mais e melhor do que um nobre da idade média. Isso é fato.

Aliás, essa coisa de “máquina” é bem típico de pessoas com mente totalitária, em que um “planejador central” sabe o que é melhor para todos, e projeta a “máquina” que vai “resolver os problemas”. O capitalismo tem essa vantagem: nasce da livre iniciativa de pessoas, e se adapta ao que as pessoas querem, através do capital de risco, do livre comércio e de um sistema de preços livres.

Desculpem-me se vou ser repetitivo, mas adoro parafrasear este pensamento de Churchill (ele se referia à democracia): o capitalismo é o pior sistema econômico, com exceção de todos os outros.