Araguainha, o retrato da tragédia brasileira

Araguainha, no Mato Grosso, vive a experiência socialista perfeita: todos os empregados da cidade trabalham para o Estado. Quer dizer, “todos” é modo de dizer. Certamente deve haver uma vendinha ou outra na cidade de 1.000 habitantes, dos quais 300 trabalham na prefeitura. Mas eventual empregado dessas vendinhas não tem carteira assinada. Não espere sindicatos ou o governo Lula se mobilizando para defender seus direitos.

A reportagem nos informa que somente 5% da população conta com tratamento de esgoto, o que certamente deve incluir o prefeito e os 9 vereadores da cidade. No portal da Câmara Municipal de Araguainha, destaque para o deputado federal Juarez Costa, que garantiu quase R$ 300 mil de recursos de emenda parlamentar para a saúde dos araguainhenses. O que deve ser alocado integralmente para o pagamento dos enfermeiros lotados na prefeitura.

Obviamente, uma cidade de 1.000 habitantes não precisa de prefeito, vice-prefeito, 9 vereadores e 300 funcionários públicos. Boa parte dessa máquina está a serviço de deputados federais, que pagam com a moeda das emendas. A cidade em si é claramente inviável economicamente, não sendo capaz de produzir um único emprego formal fora do Estado.

A solução óbvia é fundir este município com outro maior, enxugar a máquina e passar os funcionários públicos demitidos para o Bolsa Família (ao menos o salário que recebem seria contabilizado na rubrica correta). Qual a chance?

Um município é uma agência bancária?

O Itaú anunciou seus planos para o ano que vem: vai fechar cerca de 450 agências deficitárias, o que equivale a 10% de sua rede. É assim que funciona na iniciativa privada.

O Brasil anunciou seus planos para os próximos anos: vai fechar cerca de 1.200 municípios deficitários, ou 21% de sua base de municípios. Alguns perguntarão: é assim que deveria funcionar no setor público?

Obviamente, o raciocínio que vale para a iniciativa privada não deveria valer automaticamente para a esfera pública. Afinal, os objetivos são bem diferentes: enquanto a iniciativa privada busca o lucro, a administração pública busca o bem-estar das pessoas.

A criação de municípios sempre foi justificada como a única forma de dar atenção a populações marginalizadas pelo poder central de um município maior. Ao ter seu próprio orçamento, o novo município teria como atender às necessidades daquela população local. Isso mais do que compensaria o custo adicional da nova máquina administrativa.

Bem, essa é a história oficial. A verdadeira, na maior parte das vezes, é bem outra: permitir que determinado grupo político tenha uma prefeitura para chamar de sua. São cargos de prefeito, secretários, vereadores, cada um com seus gabinetes, vivendo das verbas do fundo de participação dos municípios, dos repasses do ICMS e de outros programas federais e estatuais. É o que mostra a reportagem acima.

A questão política é sempre complexa: como garantir que uma determinada parcela da população seja beneficiada pela administração pública? Há duas soluções para esse problema: a primeira é a população da localidade reforçar sua participação política, elegendo seus representantes na esfera legislativa. A segunda, é criando um novo município. Esta segunda tem a óbvia desvantagem de ser muito mais cara, o que provavelmente anula qualquer vantagem de ter um centro decisório descentralizado. Mas esse é o cálculo econômico, o cálculo que um Itaú faria. O cálculo político é outro. Por isso o Itaú dá lucro enquanto o Brasil está quebrado.

Extinção de municípios: finalmente?

A regra é até generosa demais. O município arrecada somente 10% do total de receitas que recebe (portanto, os outros 90% vem da União) e já tem o direito de existir.

Mesmo assim, hoje seriam extintos 1.200 municípios, mais de 20% do total. Ou seja, 1.200 municípios não conseguem sequer arrecadar 10% de sua receita! Uma insanidade!

Olha, se essa PEC for aprovada, vou começar a acreditar.

Municípios que não deveriam existir

Tive uma ideia de projeto de lei: e se o município que não prestasse contas fosse incorporado à algum outro que tivesse prestado contas? Só neste ano, teríamos o enxugamento de 1.029 municípios, claramente incapazes de andar com as próprias pernas. Seriam 1.029 prefeitos e câmaras municipais a menos, além de menos gastos com eleições.

Alguém conhece algum deputado para encampar essa ideia?

Trabalho perseverante

Saitama é uma cidade-dormitório que fica a cerca de 20km ao norte de Tóquio. Tem cerca de 1,2 milhão de habitantes.

Saitama seria apenas mais uma cidade japonesa, não fosse por um detalhe: a cidade foi criada em 2001, a partir da fusão das cidades de Omiya, Urawa e Yono. Ou seja, para racionalizar os custos de administração, os japoneses criaram uma nova cidade no lugar de outras três.

No Brasil, foram criados 1.423 novos municípios desde a promulgação da Constituição de 1988, um crescimento de 34,3% sobre a base daquele ano. Ou seja, para cada 3 municípios existentes, um novo foi criado. O exato oposto do que aconteceu com os municípios japoneses de Omiya, Urawa e Yono.

A riqueza do Japão é obra de um trabalho perseverante. O mesmo se pode dizer da pobreza do Brasil.