O falso paralelo que une petismo e bolsonarismo

O jornalista Breno Altman, do site Opera Mundi, é para o petismo aquilo que foi o jornalista Allan dos Santos para o bolsonarismo, uma espécie de propagandista e porta-voz informal. Portanto, ler Breno Altman é ler o verdadeiro pensamento petista em seu estado bruto, antes de ser lapidado pela realidade.

Sobre a Nicarágua, Altman nos propõe o seguinte paralelo: quem é a favor da investigação e prisão dos golpistas de 08/01 não pode ser contra a repressão de Daniel Ortega na Nicarágua, que também está agindo contra golpistas.

Segundo o “raciocínio” de Altman, há somente dois atores consistentes nessa história: os petistas, que defendem a ação dos governos contra os golpistas, e os bolsonaristas, que criticam a ação dos governos contra os seus críticos. Aqueles que criticam Ortega mas apoiam a ação do Estado brasileiro contra os bardeneiros de 08/01 estariam sendo contraditórios.

Esse paralelo de Altman é da mesma natureza daquele feito por Lula, quando comparou a longevidade de Ortega no poder com a mesma longevidade de Angela Merkel na Alemanha. A longevidade é a mesma, mas o processo para se chegar lá é completamente diferente em uma democracia e em uma ditadura. Basicamente, quem fazia campanha contra Merkel não corria o risco de ser preso. Não se trata de uma diferença semântica.

Essa é a diferença fundamental entre a repressão de Ortega e os processos contra os baderneiros de 08/01 na forma da lei de um estado democrático. Comparar os dois eventos só serve para legitimar o regime nicaraguense (como fazem os petistas) ou para deslegitimar o regime brasileiro (como fazem os bolsonaristas). Não há termos de comparação entre uma ditadura e uma democracia, por mais falha que seja.

A natureza do discurso político

“Sem provas, Michele diz que governos de esquerda vão ‘perseguir os cristãos’ no País”.

É muito curioso o uso da expressão “sem provas” nesse contexto. “Provas” se exigem de coisas que aconteceram no passado. Por exemplo, quando Bolsonaro afirma que “houve fraude nas eleições de 2018”, é mais do que legítimo exigir provas da afirmação.

Mesmo em relação a planos futuros frustrados, as provas referem-se aos preparativos antecedentes. Por exemplo, um plano para soltar o líder do PCC foi frustrado, e os envolvidos, presos. O plano não foi executado, mas foram encontradas provas concretas de sua execução.

Exige-se de Michele “provas” de que há um plano concreto de “perseguição de cristãos”. Como se esse tipo de coisa contasse com um “plano de execução”. A “prova”, no discurso político, é de outra natureza. Trata-se de dedução lógica: se o governo da Nicarágua está fechando igrejas e prendendo religiosos, e se Lula simpatiza com o regime de Daniel Ortega, então, deduz-se que, se as condições se repetirem aqui, um governo do PT faria a mesma coisa. Pouco importa se se trata de um possibilidade mais do que remota, pois o Brasil não é a Nicarágua. O que importa é que a “prova” existe para fins de discurso político.

O jornalista, que deve ser colaborador da agência Lupa, exige do discurso político as mesmas regras da justiça penal. Não, meu caro jornalista, não é assim que funciona. A verossimilhança já serve como “prova” do discurso político. Michele não está mentindo, como quer fazer supor a expressão “sem provas”. Michele está apenas dizendo o que acha que vai acontecer. E isso é perfeitamente legítimo. Lula e o PT é que precisam explicar a sua proximidade com o governo nicaraguense.

A inutilidade das sanções econômicas

O Estadão traz hoje artigo da ex-chanceler da Costa Rica entre 2014 e 2019, condenando as “eleições” na Nicarágua, os recorrentes ataques do regime de Daniel Ortega aos direitos humanos e à democracia e clamando por sanções internacionais.

Bem, em primeiro lugar, já vimos que sanções econômicas são absolutamente ineficazes na remoção de ditadoras de plantão, principalmente quando podem contar com amigos desinteressados, como China e Rússia. Venezuela e Cuba estão aí para provar a tese.

Mas gostaria de chamar a atenção para um segundo ponto. Em junho último, a Assembleia Geral da ONU levou à votação, pela 29a vez, uma declaração de condenação do embargo econômico norte-americano à Cuba. Como vem acontecendo nas últimas votações, apenas EUA e Israel votaram contra. Brasil, ao lado de Colômbia e Ucrânia, se absteve. 184 países votaram a favor, incluindo a Costa Rica da ex-chanceler autora do artigo.

Ou seja, temos o seguinte roteiro: uma ditadura se instala, os EUA patrocinam sanções e, depois de alguns anos, tendo o ditador se mantido firme em sua posição, os EUA são demonizados. É questão de tempo para que a Venezuela leve à votação da ONU uma resolução de condenação das sanções que está sofrendo.

Realmente não entendo porque os americanos ainda perdem tempo tentando derrubar ditadores latino-americanos por meio de sanções econômicas. Além de não funcionarem, são o álibi perfeito para explicar a miséria da população. Além, claro, de dar pasto para China e Rússia.

Entendo que levantar o embargo a Cuba, hoje, envolve mais do que questões econômicas. Trata-se de uma simbologia importante e, portanto, não é fácil voltar atrás. Mas nos casos de Venezuela e Nicarágua, ainda dá tempo de fazer ouvidos moucos a quem exige sanções, como a ex-chanceler da Costa Rica. Pois, daqui a alguns anos, estes mesmos que pedem sanções estarão condenando os EUA pelo mesmo motivo.