Matemática financeira

Você vai a um banco e toma um empréstimo. Para tanto, assina um contrato onde estão definidos o montante emprestado, a taxa de juros cobrada e o prazo para a devolução. A partir daí, é só matemática financeira básica: PMT, dados PV, i e n. Atrasou? Não pagou? Não tem problema matemático, basta calcular os juros sobre as parcelas vencidas, além de eventuais multas previstas no contrato.

Mas na Venezuela não é assim. No maravilhoso mundo do socialismo moreno, a matemática financeira tem outras leis, ditada por uma Comissão da Verdade, que estabelecerá o real montante devido. Note que não estamos falando de simples negociações de desconto de dívida, uma espécie de Desenrola para Maduro. Não. Trata-se de estabelecer a “verdade” sobre a dívida, uma espécie de “auditoria cidadã”. O objetivo é que, no fim do processo, quando e se a Venezuela pagar, que pareça que não houve calote algum. Afinal, o montante pago era exatamente o devido.

Mas o ponto mais divertido desse imbróglio todo é o ar de festa de quatrocentões decadentes, como se os personagens ainda contassem com a riqueza de outrora. Em sua primeira passagem pelo Planalto, Lula podia se dar ao luxo de fazer política chinesa para conquistar e manter aliados, financiando obras de infraestrutura em países amigos. A Venezuela, por sua vez, surfava nos preços altos do petróleo, um período em que tudo parecia possível. 15 anos depois, Maduro depende do escambo com Cuba, enquanto Lula cata moedinhas onde pode para fechar as contas. Alberto Fernández que o diga.

O encontro de Lula com Maduro e a ressurreição da Unasul fazem parte de um teatro ideológico que arranca suspiros dos intelectuais da Vila Madalena, mas tem pouco efeito prático. A região ainda vive a ressaca da esbórnia dos loucos anos 2000, e não tem dinheiro nem para as necessidades básicas, quanto mais para grandes projetos megalomaníacos. Lamento apenas a perda de tempo com tudo isso.

A segunda alma mais honesta do mundo

Agora é que não estou entendendo mais nada.

Eu já estava convencido de que a Venezuela não tinha dado calote. Pelo menos, foi isso que disse o ministro da Secon, Paulo Pimenta, que explicou direitinho que o BNDES não financia países, financia as empresas brasileiras. E, se o país não paga a dívida com a empresa, “o seguro cobre”, tudo certo.

Agora, vem o Maduro e diz que vai pagar a dívida! Que é isso, Maduro, não se preocupa não amigo, o “seguro já cobriu”, a dívida já foi quitada, você não deve mais nada não, fica tranquilo, pode se dedicar a criar as suas narrativas em paz, sem stress.

E o Maduro ainda vai criar uma “comissão” pra determinar o tamanho da dívida. É muito boa vontade, olha, se todo mundo fosse igual ao Maduro, assim, honesto, o mundo seria muito melhor. Bem fez o Lula de trazê-lo aqui para o Brasil, é de exemplos assim que precisamos.

A vantagem de estar morto

Hoje, mais uma reportagem sobre as péssimas condições de vida na Venezuela.

No entanto, ontem, uma pequena nota nos trouxe a informação de que Chávez ainda tem 56% de aprovação pelo povo venezuelano, muito mais do que qualquer outro líder atual. Como se explica? Fácil: Chávez está morto.

Poucos se lembram, mas no último dia 5 de março completaram-se 10 anos da morte do comandante. Chávez saiu prematuramente do mundo da luta política para o plano dos mitos. Sua morte foi anterior à debacle dos preços do petróleo, que acabou com a fonte do bem-estar para todos os venezuelanos. Sobrou uma carcaça oca de economia, que os abutres do regime disputam sofregamente.

Na mesma pesquisa, Maduro aparece com apenas 22% de aprovação. Poderíamos questionar como Maduro consegue se reeleger com tão reduzida taxa de aprovação. A resposta, além da conhecida falta de lisura nas eleições, pode ser encontrada em uma pesquisa de um ano atrás, feita pelo mesmo instituto. Naquela pesquisa, Maduro também aparecia com uma avaliação péssima, mas não significativamente pior do que a de outros políticos venezuelanos de oposição. Ou seja, a situação é tão ruim, que basta estar vivo para ser mal avaliado. Chávez leva uma grande vantagem sobre seus concorrentes: está morto.

A cerca de 3 meses de sua morte, já em estado terminal, o ditador venezuelano disse: “Chávez não é um ser humano somente. Chávez é um grande coletivo. Chávez é o coração do povo, e o povo está no coração de Chávez”. Quem não se lembra das palavras de Lula em seu discurso no dia de sua prisão, em São Bernardo, também em terceira pessoa? “Eu não sou mais um ser humano. Eu sou uma ideia, misturada com as ideias de vocês”. Lula proferiu essas palavras às vésperas de sua morte política.

A vantagem de Chávez, como dissemos, é estar morto. Lula, por outro lado, ressuscitou, como afirmou a um mesmerizado Reinaldo Azevedo. Portanto, voltou ao mundo dos vivos, e isso faz toda a diferença. Chávez, assim como Lula, navegou o grande ciclo das commodities da primeira década do século, e morreu antes de ver o seu castelo de cartas ruir. Lula saiu da presidência como uma quase unanimidade. Se tivesse acompanhado seu companheiro venezuelano em sua viagem ao além, teríamos hoje um mito lulista imbatível. Mas Lula voltou do mundo dos mortos, e terá que lidar com a realidade dos recursos escassos e da falta de margem de manobra. Aquela mesma realidade que faz com que todos os políticos sejam mal avaliados. Nesse mundo, é bem mais difícil a construção de mitos. A longevidade de Lula, afinal, talvez seja uma benção para o país.

Natal antecipado

Eu sabia que já tinha visto isso em algum lugar…

Covas tem se esforçado, com tenacidade e denodo, para não ser reeleito.

Maduro decreta Natal antecipado na Venezuela

Qual a diferença entre Evo e Maduro?

Por que Evo aceitou renunciar após somente alguns dias de protestos, enquanto Maduro continua firme e forte à frente do governo venezuelano?

A resposta parece simples: Evo perdeu o apoio do exército, enquanto Maduro não só tem o apoio das Forças Armadas como controla forças paramilitares. Estas são até piores, pela sua capilaridade.

Evo está pagando o preço de não ter montado um Estado policial. A tecnologia, típica de Estados totalitários, foi importada de Cuba, e tem como objetivo tocar o terror naqueles que são contra o regime. Precisa ter coragem para se juntar a manifestações contra o governo, sabendo que seu vizinho pode denunciá-lo à polícia do regime.

Maduro não seguirá o rumo de Evo, a não ser que a Venezuela receba uma “ajudinha” externa.

O “verdadeiro” socialismo

Mujica condenando mais um regime de esquerda (no caso, o de Maduro) por não ter implementado o “verdadeiro socialismo”.

Gostaria sinceramente de saber a receita de como “socializar” sem antes “estatizar”. Mujica não nos brinda com nenhum exemplo de onde esse “socialismo utópico“ foi implantado com sucesso.

Mujica parece conhecer a diferença entre “socialismo utópico” e “socialismo na prática”. Por isso, ele continua sendo um utópico inofensivo. Porque enquanto o socialismo permanece preso aos livros, não faz mal a ninguém. O problema ocorre quando salta da teoria para a prática. A Venezuela é somente mais um exemplo.