Uma discussão mais pé-no-chão faria bem

Abaixo vai a entrevista concedida por Luis Braido, relator do caso da Oi no Cade e voto vencido contra a venda da operação móvel da empresa para as suas três concorrentes. Se a qualidade de seu voto foi a mesma da dessa entrevista, não causa surpresa que tenha saído derrotado. Vejamos.

O relator começa dizendo que a margem de lucro das outras empresas gira ao redor de 40%. Este é um fact checking simples. Nos seus últimos balanços completos disponíveis (2020), observamos que a Vivo e Tim tiveram lucro líquido de 11%. A Claro não tem capital aberto no Brasil, então não achei o seu balanço.

E mesmo que tivesse sido de 40%? Qual o critério para definir a margem de lucro “razoável” para o negócio? Se é com base nessa “margem de lucro razoável” que as decisões são tomadas, seria mandatório definir o critério.

Em seguida, o conselheiro afirma que a Oi praticava uma política de descontos em suas tarifas, e que esta política provavelmente não terá continuidade. Bem, em primeiro lugar, talvez tenha sido por precisar dar descontos que a Oi foi à falência. Em segundo lugar, se a Oi realmente oferecesse preços menores ajustados pela qualidade do serviço, terminaria levando seus concorrentes à falência, monopolizando o mercado. Se, mesmo com tarifas mais baixas, a Oi não conseguiu atrair clientes em número suficiente para evitar a bancarrota, provavelmente a qualidade de seus serviços não compensava os preços mais baixos. Não existe almoço de graça.

O relator reclama que “as empresas estavam pouquíssimo dispostas a ceder”. Sério? O que ele esperava? Que as empresas assinassem um papel em branco apresentado pelo Cade? É muita ingenuidade para um membro sênior da administração pública. As empresas sabiam que tinham uma carta na manga, que era a falência da Oi, o que as deixaria virtualmente na mesma posição sem precisar conceder nada.

Aliás, o conselheiro chama de “terrorismo” a ameaça da falência da Oi. Segundo o bravo relator, somente os credores perderiam com a falência da empresa, não os consumidores. Oi? (sem trocadilho). É o mesmo que dizer que a morte do pai de família endividado é um problema só dos seus credores, não dos seus filhos menores. Um processo de falência descontinua, de uma hora para a outra, os serviços da empresa falida. Os usuários ficam na mão do dia para a noite. No processo de compra, pelo menos há uma transição ordenada, dando tempo para os usuários decidirem o que querem da vida. Fora que dizer “só os credores sairiam prejudicados” mostra uma incrível insensibilidade com os efeitos nefastos de um calote na economia das empresas e das famílias.

O relator tem uma bagagem acadêmica respeitável, é PhD por Chicago e professor da GV. Para o Cade, no entanto, talvez o perfil ideal de conselheiro, sem prejuízo de sua formação acadêmica, seja o requisito de ter encostado a barriga do balcão em um negócio de verdade, nem que fosse uma padaria. As discussões poderiam ser mais pé no chão, sem ideologias acadêmicas abstratas.

O fim de uma aventura

Em 1997, o governo FHC realizou a maior privatização da história do Brasil: a do setor de telecomunicações. A telefonia fixa, na época o filé mignon, foi dividida em 4 grandes áreas: Embratel, comprada por uma empresa americana e depois vendida para a Telmex mexicana, a Telesp, adquirida pela Telefónica espanhola, o conjunto de empresas da Região Sul, arrematada pelo consórcio liderado pela Telcom Itália (TIM) e, por fim, todo o restante, do RJ ao Amazonas, vendida para o único grupo nacional concorrente, liderado pela construtora Andrade Gutierrez. Este grupo chamava-se Tele Norte Leste, mudando de nome para Telemar e, por fim, para Oi.

O leilão da parte Norte do país foi o único sem concorrência, e saiu sem ágio algum. Grampos que vieram à tona posteriormente revelaram que o então ministro das Telecomunicações, Luís Carlos Mendonça de Barros, chegou a combinar com a Previ a formação de um consórcio concorrente para que houvesse alguma disputa. O ministro caiu por conta do escândalo, mas a história se encarregaria de mostrar que ele estava certo.

A grande preocupação do governo e do mercado era a falta de um operador de telefonia no consórcio vencedor, além de problemas de, digamos, governança, no grupo carinhosamente apelidado pelo mercado de Telegangue.

De todas as operações de telefonia no país, a Oi sempre foi a mais problemática. Mas o fato de constituir um grupo nacional próximo aos círculos do poder foi lhe dando sobrevida. Em 2009, o governo Lula mudou a Lei Geral de Telecomunicações para permitir que grupos pudessem controlar a telefonia em diferentes regiões geográficas. Foi uma mudança sob medida para que a Oi comprasse a Brasil Telecom, operadora da região Sul que havia sido vendida para a TIM na privatização. Era a época da política de “campeões nacionais”, regada a muito dinheiro do BNDES. O custo para a Oi foi relativamente baixo: a instalação de uma antena vizinha ao famoso sítio de Atibaia. Bem mais barato que um triplex, por exemplo.

Mas a verdade econômica acaba se impondo, mais cedo ou mais tarde. Com a migração da tecnologia para a telefonia móvel e a briga de foice no escuro nesse mercado, que deixou de contar com exclusividade geográfica, prevaleceram as empresas mais bem administradas. E não há dinheiro do BNDES que dê jeito em uma má administração.

O leilão de ontem representa o melancólico fim da aventura brasileira no ramo das telecomunicações.