Como nos saímos nas Olimpíadas?

Antes de começar as olímpiadas, escrevi aqui um post fazendo uma análise do histórico das Olimpíadas e prevendo o número de medalhas do Brasil com base nesse histórico. Minha previsão era de 3 a 5 medalhas de ouro e de 15 a 20 medalhas no total. No final, foram 7 medalhas de ouro e 21 medalhas no total. O Brasil se saiu bem melhor do que o seu histórico em medalhas de ouro e um pouco melhor no total de medalhas. Vamos ver o que ocorreu no gráfico a seguir:

Como o número de medalhas em jogo aumentou em 10%, o mesmo número de medalhas de ouro significou proporcionalmente menos medalhas em 2020 em relação a 2016, assim como o número recorde de medalhas no total (21 contra 20 em 2016) representou um pouco menos do ponto de vista proporcional. Mas, de qualquer forma, foi um resultado extraordinário para um Olimpíada disputada fora de casa, a melhor do Brasil. Por isso, o erro na minha previsão: eu havia assumido que voltaríamos ao nível anterior, entre 1% e 1,8% do número de medalhas, mas, nos dois casos, ficamos por volta de 2%. Ou seja, conseguimos manter o nível dos Jogos do Rio.

Vamos ver o que ocorreu com o anfitrião:

Podemos observar que a tradição foi mantida: jogando em casa, mesmo sem torcida, o Japão teve a sua segunda melhor marca tanto em medalhas de ouro quanto no total. A marca fica mais visível em termos de medalhas de ouro.

A rivalidade entre EUA e China continuou nesta olimpíada, em uma tradição que vem desde 2004, quando a China tomou o 2º lugar no quadro de medalhas da Rússia e, desde então, não largou mais. Podemos ver nos dois gráficos abaixo, que os Jogos de Tóquio marcaram um certo declínio dos EUA e uma ascensão da China, com as medalhas de ouro ficando virtualmente empatadas nesta edição dos Jogos.

No entanto, olhando de um ponto de vista um pouco mais amplo, podemos observar que a China tem mostrado estabilidade de 9% a 12% das medalhas de ouro e de 7% a 8% das medalhas totais desde os Jogos de 2004, sendo a Olimpíada de Pequim uma exceção que o país está ainda longe de repetir. Já os EUA estão estáveis desde os Jogos de 1988, sempre acima de 10% em medalhas totais e podendo chegar a 15% das medalhas de ouro, como ocorreu nos Jogos de 2012 e 2016. A China precisará se esforçar mais para ultrapassar os EUA com consistência.

Vamos ver como se comportaram os países do 2º bloco, aqueles que normalmente se colocam abaixo de EUA, China e Rússia: Austrália, Grã-Bretanha, Alemanha, Itália, França e, nestes Jogos, a Holanda. Coloquei os gráficos somente a partir do pós-guerra para não ficar muito poluído.

Comecemos pela Grã-Bretanha, a melhor deste bloco. Depois de atingir o pico nos Jogos de Londres, a Grã-Bretanha vem declinando, mas ainda mantendo números melhores do que os obtidos antes da Olimpíada naquele país, o que mostra que o investimento realizado ainda tem efeito vários anos depois.

A Alemanha teve a sua pior Olimpíada desde 1948, tanto em termos de medalhas de ouro quanto no total de medalhas (os números de antes de 1992 refletem a soma das Alemanhas Ocidental e Oriental). A Alemanha precisa urgente de uma Olimpíada em seu país para recuperar o nível.

A Itália fez uma Olimpíada razoável, mantendo praticamente o mesmo nível de medalhas de ouro desde 2008, mas lembrando que este nível é metade do observado em 1996. No total de medalhas, no entanto, a Itália progrediu, e atingiu o mesmo nível do ano 2000, só um pouco abaixo de 1996.

A França vem oscilando entre 2,5% e 4% das medalhas de ouro desde 1980, com a notável exceção de 1996, em Atlanta. Os Jogos de Paris certamente farão o país voltar para cima dos 5%.

A Austrália voltou ao nível dos 5% das medalhas dos Jogos Olímpicos, marca que não havia alcançado desde a edição de 2004. Em total de medalhas, no entanto, apesar de ter alcançado a sua melhor marca desde 2008, não ultrapassou aquele nível.

Por fim, a Holanda teve a sua melhor Olimpíada da história, só perdendo para o ano 2000, na Austrália. Em total de medalhas, foi a sua melhor Olimpíada. Em Paris vamos ver se se trata de uma tendência ou somente um ponto fora da curva.

Para encerrar, gostaria de mostrar um pequeno e despretensioso estudo que fiz, para testar uma hipótese. Sabemos que o quadro de medalhas é dominado pelos países mais ricos e que mais investem no esporte. Além disso, é necessário que a população do país seja suficientemente grande para que haja massa crítica suficiente de modo a permitir o surgimento de atletas diferenciados.

Então, fiz o seguinte experimento: levantei a renda per capita dos países e suas populações e rodei uma regressão do número de medalhas contra a multiplicação das duas grandezas. Por que a multiplicação? Para que países com populações muito pequenas não aparecessem como candidatas a figurar no quadro de medalhas. Luxemburgo, por exemplo, tem uma das maiores rendas per capita do mundo, mas a sua população é muito pequena para permitir o surgimento de atletas diferenciados de modo a figurar com destaque no quadro de medalhas. Além disso, obtive resultados melhores quando usei a renda per capita em dólares ao invés do conceito PPP (Purchase Power Parity). Normalmente, para medir o bem-estar de um país em relação aos outros, o conceito PPP é o mais adequado, pois reflete o verdadeiro custo de vida de cada país. No entanto, estamos tratando de algo muito específico, o treinamento dos atletas. Em grande parte dos casos, os materiais usados são importados, quando não é necessário que o próprio atleta vá treinar em países de ponta em seu respectivo esporte. Então, a medida da renda em moeda forte parece fazer mais sentido.

Em primeiro lugar, podemos observar que o coeficiente de determinação (R2) é suficientemente alto para apontar uma correlação válida em ambos os casos (medalhas de ouro e total de medalhas).

Os pontos acima da linha de tendência indicam países que ganharam mais medalhas do que aquilo que poderia ser previsto simplesmente observando a renda e o tamanho da população de cada país. Já os pontos abaixo da linha de tendência indicam países que ganharam menos medalhas do que poderiam, dados a sua renda per capita e o tamanho da sua população.

Nos gráficos a seguir, mostramos um ranking dos países que ganharam mais ou menos medalhas em relação à tendência:

A Rússia, por exemplo, ganhou 16 medalhas de ouro e 59 medalhas no total a mais do que poderia sugerir sua renda per capita e sua população. Em outras palavras, a Rússia ganhou 20 medalhas de ouro e 71 no total, mas deveria ter ganho 4 de ouro e 12 no total se considerássemos apenas a sua renda per capita e a sua população. Já os EUA, que tem uma renda per capita 6 vezes maior que a Rússia e mais que o dobro da população, ganhou 10 medalhas de ouro e 21 medalhas no total a menos do que poderia ter ganho usando esses dois critérios.

Esse simples experimento mostra que medalha olímpica é muito mais do que dinheiro disponível e população grande. Trata-se de foco. A Rússia (assim como Cuba) vem de uma tradição de décadas. Pode não ter o brilho do passado, mas ainda é um competidor de respeito.

Vejamos o caso do Brasil. O país ganhou 3 medalhas de ouro e 9 medalhas no total a mais do que o previsto por esses dois critérios. Com exceção de Cuba, é o único país da América Latina que aparece no campo positivo. Ou seja, é o único país da região que tem focado nas Olimpíadas, obtendo resultados bastante positivos, se considerarmos as nossas limitações. Talvez a Olimpíada do Rio tenha dado esse impulso, que permaneceu nos Jogos de Tóquio. Tomara que continuemos seguindo por esse caminho e comemoremos muitas medalhas nos Jogos de Paris!

As chances de medalha do Brasil em Tóquio

Sou daqueles que acompanham esportes olímpicos somente durante as Olimpíadas. E, mesmo assim, apenas as finais de alguns esportes, quando participam os atletas mais famosos. Seria muita pretensão de minha parte fazer uma análise bottom-up, esporte por esporte, para inferir as chances de medalhas do Brasil nestes Jogos Olímpicos de Tóquio. Por isso, resolvi fazer uma análise top-down, com base no número de medalhas obtidas pelos atletas nacionais ao longo do tempo. Ao contrário da Copa do Mundo, em que a análise estatística do passado diz pouco sobre o que acontecerá na próxima edição, as Olimpíadas, por envolverem um grande número de esportes e atletas, guarda uma regularidade que permite fazer inferências estatísticas de maneira relativamente simples.

A metodologia

A metodologia utilizada é simples: observaremos o percentual de medalhas obtidas pelos diversos países ao longo do tempo em relação ao total de medalhas disputadas.

Como sabemos, a primeira edição dos Jogos Olímpicos modernos aconteceu em Atenas, em 1896. De lá para cá, foram 28 edições, somente interrompidas pelas duas Guerras Mundiais. O número de modalidades esportivas também aumentou de maneira relevante ao longo do tempo, como podemos observar no gráfico a seguir, o que permite inferências estatísticas mais precisas quanto mais recente for o evento.

Podemos observar que os jogos de Tóquio baterão o recorde de modalidades esportivas: depois de ficar em torno de 300 desde os jogos de 2000, o número dá um salto para 339 nesta edição.

Como dissemos, para tornar os números comparáveis ao longo do tempo, vou sempre me referir ao percentual de medalhas conquistadas em cada edição em relação ao total em disputas.

Antes de partir para a previsão de medalhas do Brasil, vamos ver algumas curiosidades olímpicas.

Os EUA, o grande bicho-papão dos Jogos Olímpicos

Desde o início, os EUA se destacaram como a grande potência dos esportes olímpicos, tendo poucos desafiantes à altura ao longo do tempo. No entanto, como podemos ver no gráfico a seguir, esta superioridade vem decaindo ao longo do tempo, com a diversificação do número de países competitivos.

Podemos observar que, até 1968, os EUA sempre ganhavam entre 20% e 30% das medalhas de ouro em disputa. O número da Olimpíada de 1904, 85%, está distorcido pelo fato de que cerca de 90% dos atletas eram norte-americanos, pelas dificuldades de locomoção da época. Em 1924 e 1932, o número passou de 30%. A partir de 1972, no entanto, este número baixou de 20%, ficando próximo de 15% até os dias de hoje. O número zero de 1980 se deveu ao boicote à Olimpíada de Moscou por parte dos norte-americanos, enquanto o número acima de 30% em 1984 se deveu ao boicote promovido pela URSS. Vemos, portanto, uma regularidade que deve se manter nestes Jogos Olímpicos. Considerando que serão 339 medalhas de ouro em jogo, podemos prever que os EUA devem ganhar entre 41 e 51 medalhas de ouro.

Os EUA foram (e ainda são) o bicho-papão das Olimpíadas. Mas não foram os únicos.

O grande duelo do século XX

Durante o período da Guerra Fria, EUA e URSS rivalizaram durante muitos anos. Mais especificamente, desde 1952 até 1992, ano em que as antigas repúblicas soviéticas ainda disputaram os Jogos sob a mesma bandeira, ainda que a URSS tivesse já se desfeito. Dessas onze edições, a URSS chegou na frente dos EUA em nada menos do que sete, só perdendo em 1964, 1968 e 1984, quando boicotou os Jogos de Los Angeles.

A partir de 1996, no entanto, a Rússia, sem a ajuda da Ucrânia, Cazaquistão e das outras antigas repúblicas da URSS, não conseguiu ganhar mais do que 10% das medalhas em nenhuma das edições, tendo vencido apenas 6% nos Jogos do Rio.

Aliás, os esportes olímpicos sempre foram a grande vitrine das virtudes do comunismo. Havia um investimento brutal (e, dizem as más línguas, métodos não ortodoxos) com o objetivo de ganhar medalhas e demonstrar a superioridade do comunismo sobre o capitalismo. A história das medalhas olímpicas mostra, portanto, a ascensão e a queda do comunismo, como podemos ver no gráfico a seguir.

Este gráfico mostra o total de medalhas de ouro obtidas pelos países da antiga Cortina de Ferro mais Cuba. Vamos tirar os pontos de 1980 e 1984, distorcidos pelos boicotes de americanos e soviéticos. Podemos observar que o ponto alto dos países comunistas ocorreu em 1976, com a conquista de nada menos do que 60% das medalhas em jogo. Depois disso, vemos uma tendência de deterioração constante, chegando a menos de 20% nos Jogos do Rio. Tratava-se, obviamente, de algo artificial, que não se manteve em pé.

Mas, se a antiga União Soviética não existe mais, e a Rússia não é mais páreo para os EUA, surge um outro rival para os americanos: a China.

O grande duelo do século XXI

Como podemos observar no gráfico a seguir, a China era um zero à esquerda em termos de Jogos Olímpicos até 1980. A partir de 1984, os chineses começam sua ascensão, atingindo o pico em 2008, nos Jogos de Pequim.

Depois de 2008, a performance chinesa decaiu, voltando ao nível de 2000/2004. Mas é provável que seja o único país com potencial para desafiar os norte-americanos nos próximos anos.

E o Brasil?

Antes de falar das chances do Brasil, vamos esclarecer mais um ponto importante: o fator “casa”.

Todos os países, quando sediam uma Olimpíadas, têm performance superior à sua média histórica. É o que podemos observar nos gráficos a seguir.

Com as raras exceções do Canadá (Montreal 1976), Finlândia (Helsinque 1952) e Grã-Bretanha (Londres 1948), em todos os outros casos a equipe da casa obteve o seu melhor resultado em olimpíadas.

Por que esta constatação é importante? Porque, no caso do Brasil, a última Olimpíada foi em casa. Então, o último resultado precisa ser visto com cautela. Vejamos o gráfico abaixo.

Podemos observar que os Jogos do Rio foram os melhores para o Brasil desde o início da série histórica. Será difícil repetir. É mais provável que voltemos para o nível anterior, entre 1% e 1,5% das medalhas de ouro, o que significaria entre 3 e 5 medalhas. Seria um resultado em linha com o que temos produzido nos últimos 20 anos. Repetir a performance do Rio significaria obter 8 medalhas de ouro. Muito difícil.

Como se trata de um número muito pequeno de medalhas, os erros de amostra são maiores. Por isso, também coloquei o número total de medalhas. No rio, obtivemos quase 2% de todas as medalhas em disputa, o que significaria, em Tóquio, um total de 20 medalhas. Mais provável ficarmos entre 1,5% e 2%, ou 15 a 20 medalhas no total, que é o número obtido nas duas Olimpíadas anteriores.

Guardem estes números, e vamos torcer para os brasileiros nos Jogos de Tóquio!

O índice de Gini dos Jogos Olímpicos

Antes de encerrar, vamos ver o gráfico a seguir:

Este gráfico mostra a distribuição das medalhas de ouro olímpicas entre os países que participaram de cada Olimpíada, medida pelo índice de Gini. Considerei, para fazer o cálculo, o número total de participantes em cada edição.

O índice de Gini mede quanto uma determinada distribuição se afasta de uma distribuição linear. Gini zero significa que a distribuição é perfeita, Gini igual a 1 significa que a distribuição é completamente imperfeita, ou seja, apenas uma pessoa recebe tudo. O índice de Gini do Brasil é próxima de 0,55, o que significa que a distribuição de renda brasileira é muito desigual. Países mais igualitários têm Gini abaixo de 0,4.

Pois bem. O índice de Gini da distribuição de medalhas é próxima de 0,9 desde o final da 2ª Guerra. O que demonstra que os Jogos Olímpicos são uma festa para a qual todos são convidados (foram 207 países na última edição), mas somente alguns poucos se servem no bufê.

Pobre Japão

O Japão é um país pobre, com muitos problemas sociais. Por isso, se preocupam em economizar cada centavo na construção de instalações para as Olimpíadas, atentos ao que chamam de questão do “elefante branco”.

O Japão não é como o Brasil, um país rico, onde os problemas sociais são marginais. Aqui, pudemos gastar muito dinheiro público na construção de estádios padrão FIFA em Manaus, Maceió e Brasília, onde o futebol é inexistente, ou na Vila Olímpica do Rio, sub-utilizado e com problemas graves de manutenção.

Um dia, quem sabe, o Brasil será tão pobre como o Japão, e terá que usar os recursos públicos com mais responsabilidade.