O governo que terminou antes de começar

Estava tudo combinado: o STF aprovaria a constitucionalidade das emendas de relator e a Câmara votaria a PEC da transição. Tudo muito institucional, assim como os nomes que usei para denominar o orçamento secreto e a PEC da gastança.

Alguma coisa, no entanto, saiu errado. Lewandowski saiu do roteiro e votou contra o orçamento secreto. A identificação entre Lula e o ministro pode sugerir que foi de caso pensado. O cientista político Carlos Pereira viu nisso uma oportunidade para que Lula estabeleça sua base no Congresso em termos mais “institucionais”. É o que Lula deve estar pensando também.

Só tem um problema: o gigantesco déficit de credibilidade de Lula e do PT. Para montar uma coalização nos moldes canônicos, é preciso compartilhar poder de verdade. Alguém imagina o PT fazendo isso? Mensalão e Petrolão foram os modelos institucionais de coalização escolhidos pelo PT quando teve oportunidade de exercer o poder. Será diferente agora?

Onde o cientista político vê uma “mãozinha” para Lula, eu vejo como fogo no parquinho. Na área econômica, Lula, com suas declarações e nomeações, condenou o seu governo antes de começar. Não contente com isso, Lula decidiu acabar com o seu governo também na seara política, ao comprar uma briga que não tem condições de ganhar, pois o PT de Lula não é o PMDB de Temer.

Posso estar enganado, claro, mas acho que esse governo Lula será avaliado, no futuro, como o governo que terminou antes de começar.

A democracia deles

Vários parlamentares se mostraram ofendidos ao verem as emendas RP9 serem chamadas de “orçamento secreto”. O que descobrimos agora é que o orçamento é tão secreto, mas tão secreto, que nem os próprios parlamentares conseguem saber onde e em que o dinheiro foi gasto. É um verdadeiro espanto! Me faz lembrar a piada do espião português que, ao entrar em um taxi, respondeu à pergunta do motorista sobre o seu destino: “jamais saberás!”

Na página 2 do mesmo jornal, Fernando Gabeira repercute relatório de um think tank internacional apontando o declínio da democracia brasileira, e identificando esse declínio a partir de 2016, com o impeachment de Dilma. Claro, Bolsonaro é o ator principal desse declínio, mas Gabeira reconhece que o presidente apenas surfou uma onda.

Acho que o tal “think tank” poderia colocar o início do declínio democrático brasileiro um pouco antes, em 1808, quando cá aportaram a família real e sua corte. Desde então, a população brasileira se divide entre corte (aqueles que têm acesso às benesses do reino) e povo, que é quem paga pelas benesses. A partir daí, o que vemos são arranjos diferentes para manter o mesmo status quo. O único fato relevante nesse longo período foi a proclamação da República, em que o povo passou a eleger os membros da corte. No entanto, o modus operandi continua o mesmo.

Mas, talvez eu esteja sendo um pouco injusto. Em seu arrazoado a respeito da impossibilidade de abrir o orçamento secreto, os parlamentares dizem que são milhares de pedidos atendidos pelas emendas RP9, incluindo de cidadãos!

Isso é novidade para mim. Eu não sabia que, como “cidadão”, poderia chegar no relator do orçamento e pedir uma verba. Faria bem o presidente da Câmara dar publicidade ao e-mail ou telefone através do qual cidadãos podem pleitear diretamente verbas ao Congresso. Isso sim, é democracia!