A natureza do perigo

Alguns dias atrás, Osmar Terra afirmou que haveria menos mortes no Brasil de Coronavírus do que de pessoas que morreriam no Rio Grande do Sul de gripe sazonal (950, segundo ele). Bem, não tenho a fonte que ele usou para esse número, se foi no ano passado ou é uma média de vários anos. O fato é que estamos ainda longe do pico, e o número de mortes já ultrapassou 1.000 no país.

Mas isso tudo (a previsão do deputado e o fato dessa previsão já estar velha) é irrelevante. O problema é conceitual.

Como o próprio deputado diz, os casos e mortes de gripe são sazonais. Ou seja, acontece todo ano, com um pouco mais ou um pouco menos de virulência. Por isso, o sistema de saúde já está preparado e dimensionado para isso. E, não menos importante, há vacina para gripe sazonal. Ou seja, o número de casos e mortes é bem menor do que seria sem a vacina.

O coronavírus, por outro lado, é algo novo. Portanto, não é sazonal, e o sistema de saúde não está devidamente preparado. Às doenças normais, se ADICIONAM os casos de coronavírus. E o pior, não há vacina, a coisa pega a população sem nenhuma proteção.

Pode ser até que o deputado esteja certo, e haja menos casos e mortes de coronavírus do que as provocadas pela gripe sazonal. Mas não é este o ponto. A questão é que, em um balde cheio de água, um copo a mais o fará transbordar. E, com o sistema de saúde transbordando, haverá não somente mais mortes por coronavírus, mas também por outras doenças ou acidentes que não poderão ser tratados adequadamente. Mais uma vez: os casos de coronavírus serão ADICIONADOS às outras doenças que já abarrotam o nosso sistema hospitalar. O problema não é o número em si de casos e mortes, o problema é adiciona-los ao sistema.

Causa-me espécie que um suposto especialista em saúde pública cometa um erro tão básico. A não ser que não seja um erro.

Covid-19 vs. H1N1

O deputado Osmar Terra fez um pronunciamento há poucos dias minimizando os efeitos da pandemia de coronavírus. Colocou-se como especialista no assunto, por ter sido secretário de Estado no RS na época da pandemia de H1N1, em 2009.

De fato, não lembro de todo esse frenesi a respeito do H1N1. Daquela época, só o que ficou foi a presença de um dispenser de álcool gel no hall de elevadores no escritório onde trabalho. Mas realmente, puxando pela memória, nada mais me ocorre. Fui pesquisar.

O H1N1 é um tipo de influenza. Daí já começa a diferença, segundo um médico amigo meu. Na época, já existia vacina para outros tipos de influenza, de modo que foi mais fácil desenvolver uma vacina para o H1N1. Tanto foi assim, que, entre o surgimento da epidemia, em abril de 2009, até o desenvolvimento da vacina, em setembro do mesmo ano, passaram-se apenas 5 meses. Seria como termos uma vacina para o coronavírus agora em maio, um sonho de uma noite de verão.

E porque isso? Porque o coronavírus é um bicho completamente diferente. Não é um vírus de influenza. É outra coisa. E essa outra coisa ainda está sendo estudada pelos cientistas. E vai levar bem mais tempo para desenvolver uma vacina.

Outra característica foi o público-alvo da doença. Era uma doença de jovens, o que tornava as complicações decorrentes menos prováveis.

O que o report no qual me baseei deixa claro é que tudo isso são estimativas, pois não há obrigatoriedade de report de influenza. Por isso temos uma contagem tão mais precisa com o Covid-19, por não se tratar de uma variante de influenza.

Então, comparar esta epidemia com a H1N1 não me parece adequado. Sim, continuam morrendo pessoas de H1N1 até hoje. Pessoas que não tomam a vacina, que já existe. Trata-se de uma escolha. Escolha esta que não existe, por enquanto, para o caso da Covid-19.