Bolsonaro e os partidos

Bolsonaro finalmente escolheu o partido pelo qual vai disputar as eleições no ano que vem. Com isso, cumpre uma obrigação da lei eleitoral brasileira, que não permite candidaturas avulsas. Não fosse essa exigência, meu palpite é que o presidente se lançaria como candidato avulso.

Para Bolsonaro, essa coisa de partido político só serve para atrapalhar. A maior prova foi o “fracasso” na fundação do Aliança pelo Brasil. Coloco fracasso entre aspas porque é simplesmente inverossímil que o presidente das motociatas multitudinárias, que conseguiu juntar multidões no 7 de setembro, que ainda tem um apoio orgânico não desprezível no Congresso, não tenha conseguido míseras 500 mil assinaturas para fundar um partido. Eduardo Bolsonaro foi o deputado federal mais votado da história, com 1,8 milhão de votos. Bastariam que pouco mais de um quarto desses eleitores se dispusessem a assinar um papel de apoio. Isso só em São Paulo. Fica difícil acreditar que tenham se empenhado de verdade, a não ser que admitamos que esse apoio popular ao presidente é de mentirinha, coisa em que não acredito. Portanto, parece que Bolsonaro se esforçou para NÃO FUNDAR o seu próprio partido.

Bolsonaro nunca foi um político de partido. Passou por 7 diferentes legendas antes de ingressar no PSL. Quando filiou-se, em março de 2018, estava, como hoje, sem partido, pois havia saído do PSC em outubro do ano anterior. Foi candidato avulso à presidência da Câmara duas vezes, sempre recebendo número ínfimo de votos. Sua postura foi sempre anti-establishment, e não tem nada mais establishment do que partido político. Bolsonaro sempre foi um lobo solitário.

As grandes democracias do mundo, e também as grandes ditaduras, se fazem com partidos fortes. Ninguém que queira realmente dominar as decisões políticas no seu país o faz solitariamente. Portanto, fiquem tranquilos os que têm receio de que a democracia brasileira esteja ameaçada. Para isso, seria necessário que Bolsonaro estivesse organizando um partido de verdade e arregimentando forças. Nada mais distante da realidade.

O que vemos é um presidente mais preocupado com seus interesses paroquiais, procurando um partido qualquer que abrigue políticos igualmente interessados em interesses paroquiais. Com PT e PSDB no poder, tínhamos o Centrão como linha auxiliar de um determinado projeto partidário. Com Bolsonaro, temos a geleia real do Centrão alçada ao núcleo mesmo da política nacional. O Brasil virou definitivamente uma grande federação de interesses paroquiais, com o presidente interessado nos seus próprios.

Os mais céticos dirão que sempre foi assim no Brasil, uma situação que agora só está sendo explicitada. Os mais cínicos dirão que é melhor assim do que sermos governados por PT ou PSDB. Eu diria que o Brasil somente será uma nação digna do nome quando tivermos partidos fortes. Infelizmente, estamos caminhando na direção oposta.

Política e oportunismo

É simplesmente muito difícil acreditar que um presidente eleito com mais de 57 milhões de votos, razoavelmente popular, com uma legião de fãs capazes de comprar brigas nos mais diversos fóruns e arenas, aliado de uma penca de igrejas neopentecostais, não tenha conseguido arrumar 500 mil brasileiros dispostos a apoiá-lo na formação de um partido. Muito improvável. Esse partido não saiu porque Bolsonaro não quis. Fez corpo mole. A questão é: por que?

Ter um partido dá muito trabalho. A vida partidária dá muito trabalho. Precisa coordenar, conversar, convencer, juntar pontos de vista diferentes. Não é a praia de Bolsonaro. Ele é um lobo solitário.

Poucos se lembram, mas na eleição de Maia para a presidência da Câmara em 2017, Bolsonaro concorreu e levou míseros 4 votos, ficando em último lugar. Perdeu para os votos em branco (5) e para Luiza Erundina (10 votos), a candidata com a segunda pior votação. Não fazia questão de ser muito popular entre seus pares.

Ocorre que um partido político é uma reunião de… políticos! Se a pessoa não se dá bem com políticos, não vai conseguir ter vida partidária. Essa foi sempre a vida de Bolsonaro.

Por isso, formar um partido nunca foi, de fato, a prioridade do presidente. Ele prefere encontrar outro hospedeiro, quer dizer, outro partido, para poder se candidatar à reeleição em 2022. Se fosse possível concorrer sem ter filiação partidária, Bolsonaro provavelmente nem faria questão de se filiar.

E o pior é que, a essa altura do campeonato, não dá nem para vender a imagem do paladino anti-politica, aquele que veio inaugurar uma nova era de decência contra o sistema podre e corrupto. Bolsonaro deve se filiar a um dos partidos do chamado Centrão, aquele que, se gritar, não fica um mermão.

Claro, sempre se pode pensar que tudo isso não passa de mais um lance genial do grande estrategista, em um xadrez 4D a que poucos têm acesso com suas mentes medíocres. Como não consigo alcançar o significado desses movimentos, tudo isso me parece não mais do que oportunismo.

PS.: antes que me perguntem, sim, prefiro políticos que fazem política. Em uma sociedade democrática, não há saída fora da política. O resto é autoritarismo.

A onda acabou

Pra não variar, artigo perfeito de William Waack. Em resumo, o fenômeno de 2018 foi único, voltamos à normalidade da política tradicional, onde quem comanda são os políticos profissionais e suas máquinas partidárias.

Não que Bolsonaro não seja um político profissional. Ninguém passa três décadas no Congresso sem sê-lo. Mas o capitão nunca teve apreço pela vida partidária, sempre agiu como um lobo solitário. Basta dar uma olhada na lista de agremiações às quais pertenceu durante sua vida parlamentar. Para concorrer à presidência, alugou uma sigla, para dela sair na primeira oportunidade.

Você já ouviu falar na Unidade Popular? Trata-se de (mais) um partido de esquerda radical, aprovado pelo TSE em 10/12/2019. Pois bem, se um troço desses consegue 500 mil assinaturas para ser aprovado, como um fenômeno popular como Jair Bolsonaro não consegue as assinaturas para fundar o Aliança Pelo Brasil? Só tem uma explicação: ele não quer a aporrinhação de ter um partido. Ele é um lobo solitário. Mesmo que, eventualmente, o Aliança pelo Brasil seja criado, provavelmente ele vai arrumar uma treta para sair do próprio partido.

2022 repetirá 2018? Muito difícil. A onda anti-PT, que coroou o mais anti-petista de todos, acabou, como disse Waack. Não que o PT tenha alguma chance nas próximas eleições. É justamente o inverso: como o PT claramente perdeu-se no caminho e está desaparecendo a olhos vistos como força política, o anti-petismo também perde o seu sentido. E, em uma eleição onde as narrativas perdem força, ganha o tradicional: os políticos tradicionais e suas máquinas partidárias. Foi o que demonstrou essas eleições municipais e o que, provavelmente, vai demonstrar as eleições de 2022.

Bolsonaro pode até ganhar a disputa pela reeleição. Mas, se ganhar, não será mais como um outsider, mas como um legítimo representante do sistema.

A importância dos partidos políticos

Um total de 1.216 candidatos concorreram nas eleições presidenciais norte-americanas: Joe Biden, Donald Trump e mais 1.214 candidatos independentes.

Surpreso com essa informação? Pois é. Quem está acostumado a ver apenas dois candidatos disputarem as eleições nos EUA, não imagina a quantidade de maluco que acha que pode ser presidente fora das máquinas partidárias dos partidos Democrata e Republicano.

Quem quer concorrer de verdade à cadeira no Salão Oval, submete-se ao escrutínio interno de um desses dois partidos, para, assim, poder contar com a máquina partidária trabalhando a seu favor. Uma campanha eleitoral do tamanho da americana envolve centenas de milhões de dólares, sem os quais não dá nem para começar a pensar em concorrer.

Pensei nisso quando vi as articulações entre Huck e Moro com vistas às eleições de 2022. Nenhum dos dois pertence a qualquer partido. E, mesmo assim, não são vistos como um dos 1.214 malucos que querem chegar à Casa Branca de forma independente. Pelo contrário: suas pretensões são levadas à sério pelos políticos e pela mídia.

Bolsonaro chegou ao poder em um partido de aluguel, ao qual não está mais afiliado. Nunca teve vida partidária, sempre foi um lobo solitário. A operação Lava-Jato desnudou um esquema de corrupção de tal envergadura, entranhada de tal forma nas máquinas partidárias e no financiamento eleitoral, que a ideia mesma de partido político tornou-se sinônimo de falcatrua. Bolsonaro surfou essa onda.

A questão de fundo, no entanto, é a seguinte: existe democracia sem partidos políticos fortes? Observando-se a experiência das maiores e mais estáveis democracias ocidentais, a resposta é um rotundo não. Ou, por outra: não temos experiência de democracias estáveis sem partidos políticos fortes.

O que é um partido? Um partido é um agrupamento de pessoas com ideias semelhantes e que trabalham de forma mais ou menos unida para chegar ao poder e implementar essas ideias. Um sistema de poder sem partidos fica refém de personalismos: o líder carismático, cuja palavra se torna lei.

No Brasil, temos dezenas de partidos políticos, assim como nos EUA, onde existem 52 partidos além dos democratas e republicanos. Apesar dessa miríade de partidos, somente alguns poucos realmente podem ter a pretensão de chegar ao poder máximo da República.

Um partido político não serve apenas para eleger o presidente. Há um sem número de cargos executivos e legislativos que formam a teia de sustentação de uma candidatura presidencial. Quer dizer, além do dinheiro, estamos falando também de apoio político para a campanha.

O fenômeno Bolsonaro foi único, em um momento particular da história brasileira. Pode até ser reeleito em 2022, com base em seus atributos pessoais, mas dificilmente fará o seu sucessor se não montar uma máquina partidária digna do nome. As dificuldades em montar o Aliança não autorizam muito otimismo nesse campo.

Achar que a democracia brasileira será uma exceção à regra das democracias ocidentais é uma ilusão. Aqui os partidos políticos continuarão a formar a infraestrutura do poder político. Bolsonaro já reconheceu esse fato implicitamente, ao liberar espaços para o Centrão em seu governo.

Huck e Moro, portanto, antes de pretenderem alguma coisa, precisarão encontrar partidos políticos que lhes deem base para a sua pretensão. Como disse acima, o fenômeno Bolsonaro foi único em um momento muito particular da história brasileira. Muito difícil se repetir, a não ser que outro fenômeno do porte da Lava-Jato ocorra novamente.

Onde estão os ‘partidos verdes’?

Existe uma “demanda” pela preservação ambiental. Mas, pasmem, essa demanda não se traduz na eleição de deputados ligados à “pauta verde”.

Bem, talvez a tal “demanda” só exista, de fato, na imaginação daqueles que tentam pautar o país.

Não vou aqui entrar no mérito da discussão, se é ou não importante cuidar do meio-ambiente, da floresta, da água, do ar, etc etc etc. Isso parece meio óbvio. Afinal, ninguém em sã consciência quer viver em um planeta inabitável. Meu ponto é outro: em um país pobre e desigual como o nosso, falar de preservação do meio-ambiente é quase como recomendar alimentação orgânica pra morador de rua. A mensagem simplesmente não faz sentido.

A imensa maioria da população brasileira tem problemas mais urgentes para resolver, tipo comer três refeições por dia, beber água potável e dormir sob um teto. Cuidar da Amazônia e desenvolver fontes limpas de energia certamente estão distantes de serem prioridades. E isso se traduz na hora do voto. Aliás, a coisa é ainda pior: o nó górdio de toda essa questão é que preservar o meio-ambiente custa dinheiro. Energias renováveis são mais caras no curto prazo (se fossem mais baratas não precisariam de incentivos governamentais), ainda que possam ser mais baratas em uma análise de custo-benefício de longo prazo. Para um país pobre e endividado, que vive da mão para a boca, investir na preservação do meio-ambiente é um luxo.

Além disso, a pauta ecologista muitas vezes se confunde com uma pauta anticapitalista. A busca pelo lucro seria incompatível com a preservação do meio-ambiente, o que cria um ranço contra esses movimentos. Fica, assim, difícil a eleição de representantes políticos identificados com a causa, a não ser com votos de nichos específicos. O atual movimento do mercado financeiro de privilegiar investimentos ESG (socialmente responsáveis) pode quebrar um pouco essa identificação. Mas, no final do dia, o que vai mandar é a lógica capitalista, aquela que ergue e destrói coisas belas: se esses investimentos “socialmente responsáveis” não gerarem lucros, serão abandonados pelos investidores, assim como os deputados verdes foram abandonados pelos eleitores.

A “pauta verde” é importante, não se discute isso. O que talvez falte é um pouco de sensibilidade para sacar as reais necessidades do povo que vota. A discussão precisa sair do Leblon e da Vila Madalena e ganhar o país. Mas, para isso, a estratégia precisa ser outra. Esse discurso do “fim do mundo” pode ganhar manchetes, mas pouco toca quem precisa batalhar pelo sustento cotidiano. Fica o desafio.

Diagrama dos Partidos Políticos Brasileiros

Você fica muitas vezes confuso com a profusão de siglas partidárias no Brasil? Eu também.

Por isso, elaborei um diagrama com os Partidos Políticos Brasileiros.

Não sou o rei do layout, pelo contrário. O esquema está bem tosco. Mas foi o melhor que pude fazer dentro das minhas limitações.

O diagrama contém todos os partidos que pude encontrar desde o Império, passando por todas as fases da República. Na última fase, chamada de Nova República, só coloquei os partidos que tiveram alguma relevância.

Os partidos em azul já foram extintos, enquanto os partidos em cinza são os que existem atualmente.

As linhas cheias indicam fusão ou sucessão de partidos, enquanto as linhas pontilhadas indicam migração de integrantes de um partido para fundar outro. Caixinhas com mais de um nome de partido significa simplesmente mudança de nome do partido.

A distribuição espacial é mais ou menos por espectro ideológico, sendo que os partidos de esquerda ficam à direita (?!, sorry, só depois que comecei vi a burrada, mas aí ficou difícil consertar). Mas não levem essa distribuição muito a série, pois a geleia ideológica às vezes é difícil de definir.

Em cada caixinha coloquei a sigla do partido, o nome, uma ou duas lideranças de relevo (em itálico) e os anos de existência.

A fonte utilizada foi a confiável Wikipedia. Portanto, se encontrarem algum erro, por favor me avisem.

O arquivo está em um folder público do One Drive. Recomendo baixar e carregar em um leitor de PDF. Como está em um papel A4, as letras ficaram muito pequenas, então precisa aumentar bem para ver.

Espero que vocês se divirtam ao ler tanto quanto eu me diverti ao fazer esse diagrama.

Novos Partidos

É curioso como o TSE, que defende a segurança do voto eletrônico nas eleições, descarte um sistema eletrônico de assinaturas para reconhecer um novo partido.

Igualmente curioso é Bolsonaro, que não perde oportunidade de criticar a segurança da urna eletrônica, propor que se aceitem assinaturas eletrônicas para criar o seu partido.

O que não é nada curioso nessa história é o TSE vetar assinaturas eletrônicas com o objetivo de dificultar o processo de criação de novos partidos. Ora, ao TSE não cabe julgar se existem partidos demais e, muito menos, dificultar a criação de novos partidos. O excesso de partidos é um problema do legislativo, que já foi endereçado com a cláusula de barreira e a proibição de coligações em eleições proporcionais.

Se existem comprovadamente 500 mil eleitores que querem a criação de um novo partido, o TSE não tem nada a ver com isso. Não cabe ao TSE, interpondo barreiras burocráticas, barrar a vontade de 500 mil eleitores que, segundo a lei, têm o direito de criar um novo partido.

Fidelidade partidária

O PSB expulsou um deputado que votou a favor da reforma da previdência e suspendeu outros nove de suas funções partidárias. O deputado expulso é reincidente, pois havia votado a favor da reforma trabalhista, também contra o fechamento de questão do partido.

Querem saber? O partido está absolutamente correto.

As democracias ocidentais são partidárias. Os políticos se reúnem em partidos que comungam de certas ideias centrais. É como em um restaurante: um cozinheiro especializado na culinária francesa não pode, em nome de sua liberdade de consciência, servir crepe suzette em restaurante baiano. Cada qual no seu quadrado.

Com todo respeito à Tabata Amaral ou ao Filipe Rigonni, para ficar nos dois novos queridinhos da mídia, eles usaram a estrutura partidária do PDT e do PSB para se elegerem, e deveriam ter consciência de seus respectivos programas de governo antes de se filiarem.

No limite, se não houvesse disciplina partidária, os partidos seriam dispensáveis. Teríamos 513 “partidos políticos” na Câmara, cada um com sua respectiva “liberdade de consciência”. Se já achamos que o atual número de partidos é deletério para a governabilidade, imagine um ambiente sem partidos!

Fechar questão é algo raro na vida de um partido, e só acontece quando o tema da votação é nevrálgico, faz parte da própria essência do partido, é o motivo do partido existir. Se Tabata, Filipe e os outros deputados não identificaram essa essência antes de se filiarem, então erraram feio.

Em 2003, 3 deputados foram expulsos do PT por terem votado contra a reforma da previdência dos funcionários públicos, patrocinada pelo então governo Lula. Estes 3 deputados, que viriam a fundar o PSOL, não identificaram a essência do PT: obedecer Lula acima de qualquer coisa. Isso é assim até hoje.

São raros os partidos que têm uma essência clara. A do PT, é obedecer Lula. A do PSL, é obedecer Bolsonaro. A do Novo, é ser liberal raiz e obedecer aos estatutos bem restritos do partido. O deputado quer poder exercer a sua “liberdade de consciência”? Existem muitos partidos disponíveis que formam a “geleia real” da política brasileira, onde a consciência é livre. O que não significa que seja de graça.

A voz do povo

Um dos argumentos mais utilizados pelos apoiadores de Bolsonaro é o número de votos que recebeu. O Congresso estaria obrigado a obedecer a “voz do povo”, traduzido em mais de 58 milhões de votos no 2o turno.

Pois bem, fiz um levantamento da “voz do povo” traduzido no número de votos recebidos pelos congressistas. Para tanto, dividi o Congresso grosseiramente em 4 grandes blocos: Governo (PSL), Centrão (PSD, PP, MDB, PL, PRB, DEM, PTB e SD), Oposição (PT, PSB, PDT, PSOL, PCdoB, Rede, PCB, PSTU e PCO) e Independentes (todo o restante).

Os votos recebidos pelos deputados (considerando todos os votos, mesmo daqueles que não foram eleitos), foram os seguintes:

  • Centrão: 35.443.197 (36,0%)
  • Independentes: 26.346.424 (26,8%)
  • Oposição: 25.069.407 (25,5%)
  • Governo: 11.458.238 (11,7%)

Considerando-se apenas os votos daqueles que foram eleitos, o resultado seria:

  • Centrão: 21.819.375 (41,7%)
  • Oposição: 13.916.617 (26,6%)
  • Independentes: 9.023.974 (17,2%)
  • Governo: 7.517.669 (14,4%)

Ou seja, o partido do governo (PSL) recebeu apenas 11,5 milhões de votos. Todo o restante foi para outros partidos. A “voz do povo”, que se fez ouvir com muito vigor na eleição majoritária, foi apenas um sussurro quando se tratou de eleger os deputados. Mesmo considerando-se somente os deputados que estão no Congresso, os votos dados ao partido do governo representam apenas 14,4% do total.

Cada congressista deve satisfação ao seu próprio eleitor, não ao eleitor de Bolsonaro. Os partidos do chamado Centrão, por sinal, receberam o maior número de votos. Portanto, “a voz do povo” foi muito clara: Bolsonaro presidente, mas Congresso diversificado e sem apoio automático.

Nas próximas eleições, se quiserem um Congresso que apoie sem condições as iniciativas do presidente, é necessário votar nos candidatos do partido do presidente. Caso contrário, a negociação para formar uma base de apoio é condição sine qua non para governar.

A perseverança no caminho democrático

O que vai abaixo é um trecho do editorial do Valor de hoje.

O editorialista nem se deu conta de quão próxima está a sua posição da de Bolsonaro. O candidato do PSL investe em uma ligação direta com o povo por conta do “apodrecimento do sistema partidário”. Não por outro motivo, Bolsonaro não conseguiu se coligar a ninguém (não que não tivesse tentado). Tanto um quanto o outro menosprezam o sistema de partidos. Ou, antes, gostariam de ver partidos “limpinhos”, “puros”, que é a semente do pensamento autoritário.

O sistema de partidos é um dos pilares (ao lado da separação de poderes e de uma imprensa livre) de qualquer regime democrático. Fazer coligações com vistas a implementar programas de governo é a regra do jogo em qualquer sistema com mais de dois partidos. Basta ver as idas e vindas de Angela Merckel na Alemanha para montar um governo.

“Ah, mas aqui os deputados só querem se locupletar”. Não é verdade. Basta ver a ginástica retórica que Ciro Gomes está sendo obrigado a fazer para tentar se coligar ao Centrão. Se fossem só cargos, ele poderia continuar com seu discurso incendiário muito ao gosto das esquerdas e mesmo assim se coligar com o DEM. Não vai acontecer.

É muito fácil ficar sentado na poltrona e apontar o dedo para os políticos de um “sistema partidário apodrecido”. Esquecemos que esses mesmos políticos não sugiram de geração expontânea nem vieram de Marte. Estão lá porque os brasileiros, nós, os colocamos lá. E se, por um milagre da natureza, houvesse 100% de renovação do Congresso, os novos deputados se mostrariam tão ruins como os que foram substituídos. E pode mudar sistema, de proporcional para distrital ou mesmo sorteio: a coisa não vai mudar, porque de massa podre não sai bolo bom. O Congresso reflete o Brasil e os brasileiros, com suas ideias, defeitos e contradições.

Lula foi o último a apostar na “ligação direta com o povo”. Como tinha que lidar com o Congresso, comprou-o. Esta sensação de que “nenhum político presta” é a consequência lógica de um sistema autoritário, onde a “ligação direta com o povo” substitui os partidos. Lula e Bolsonaro têm mais em comum do que seus seguidores estão dispostos a admitir. A diferença é que Bolsonaro ainda não chegou ao poder, está ainda na fase dos “300 picaretas no Congresso”.

Mas não sou pessimista. Se perseverarmos no caminho da democracia, não cedendo à tentação da “ligação direta com o povo” (que é o caminho de todo autoritarismo), criaremos com o tempo uma cultura política no país, através dos canais regulamentares, dentre os quais se incluem os partidos. Sim, estes mesmos que estão aí, com esses políticos que estão aí. Não há atalhos.