Bola na marca do pênalti

Era o dia 16/03/2016, uma quarta-feira qualquer. Final de expediente, já arrumando as coisas para ir para casa, um colega de trabalho me chama a atenção para a TV. A Globo News havia interrompido a programação para dar a bomba: o juiz Sérgio Moro havia levantado o sigilo sobre as gravações do telefone do ex-presidente Lula. Lendo a transcrição ao vivo, o repórter Marcelo Cosme tropeçava nas palavras, porque o conteúdo era uma bomba: Dilma armava para que Lula assumisse um ministério a fim de escapar da Lava-Jato. Era o famoso “termo de posse para ser usado ‘só em caso de necessidade’”, e que seria levado pelo notório “Bessias”.

Saí do escritório e, no meio do caminho, decidi me dirigir para a Paulista. Eu sabia que haveria uma manifestação espontânea lá, depois dessa divulgação. No domingo anterior a Paulista havia visto a maior manifestação popular de todos os tempos no Brasil e o ambiente político estava fervendo.

Chegando lá, já havia uma multidão, cantando “Moro, Moro” e “Lula ladrão, teu lugar é na prisão”. Bons tempos. Mas trago essas reminiscências por outro motivo.

Aquele dia me veio à lembrança quando li que a FIESP voltou atrás no tal “manifesto pela harmonia entre os poderes”. Naquela noite memorável, a fachada em neon da FIESP estampava os dizeres “impeachment já!”. Aquilo me chamou muito a atenção. As ruas já ferviam há um ano, mas somente naquele momento a FIESP assumia uma posição. Como entidade empresarial que depende de Brasília, comandada por um ser político como Paulo Skaf, aquela mensagem na fachada significava que os dias de Dilma haviam se encerrado. A FIESP, assim como o centrão, só vai na bola quando é para bater o pênalti sem goleiro.

O adiamento do tal manifesto significa que ainda tem um goleiro para defender a meta, no caso, Arthur Lira. Mas também significa que a bola está na marca do pênalti. A FIESP não patrocina esse tipo de manifesto à toa.

Alianças improváveis

Andrea Matarazzo quer ser prefeito de São Paulo de qualquer jeito.

Andrea Matarazzo foi filiado ao PSDB de 1991 a 2016. Quase um fundador, portanto. Saiu do partido quando Alckmin bancou a candidatura de Doria à prefeitura, contra todos os tucanos da velha guarda, incluindo FHC. Alckmin já pressentia a necessidade de sangue novo no partido, desgastado depois de anos de parceria Caracu com o PT. Pôs a máquina do partido para trabalhar pela candidatura Doria, e Andrea sentiu que o velho PSDB havia morrido em São Paulo. Foi para o PSD de Gilberto Kassab, que, como sabemos, tem altos ideais e alma pura.

Agora, junto com outro grande campeão da ética, Paulo Skaf, pretende ser o candidato bolsonarista em São Paulo. Objetivo dos três (incluindo Bolsonaro): ferrar Doria em sua cidade.

Resta saber se o bolsonarismo-raiz vai tampar o nariz e votar em um ex-tucano de alta plumagem, amigo pessoal de FHC e que está agora no partido de Kassab, só para atrapalhar o projeto presidencial de Doria. Vou dar muita risada ao ler os altos raciocínios estratégicos para justificar esse voto.

Skaf abraça novamente o governo da vez

Bolsonaro sela aliança com o corporativismo industrial brasileiro, aquele que quer proteção eterna para a indústria nascente. Guedes deve estar bem satisfeito.

O que me chamou a atenção foi a afirmação da reportagem de que Skaf fez oposição sistemática ao governo Dilma Rousseff.

Sim, em 2014, quando candidato ao governo do Estado, Skaf recusou-se a subir no palanque de Dilma. Não que fosse contra Dilma, mas ele sabia o estorvo que o PT significava para uma eleição em São Paulo. E, depois, pulou no barco do impeachment, quando este já singrava o alto mar.

Mas antes a coisa não era bem assim.

Veja a seguir quatro vídeos. O primeiro é o apoio que Skaf deu à malfadada MP 579, que bagunçou o coreto do setor elétrico brasileiro com a promessa de diminuir a conta de luz. Até hoje estamos pagando os esqueletos criados pelo voluntarismo de Dilma, tão ao agrado do corporativismo industrial brasileiro. O segundo é o apoio à MP dos Portos, em que Skaf chama Dilma de “presidenta”. Acho que não há sinal maior de alinhamento do que este. Os outros dois são emocionantes homenagens de Skaf, com patrocínio da FIESP, ao então ex-presidente Lula, um de 2011 e o outro de 2012. Muito tocantes, vale a pena ver de novo.

Parabéns Bolsonaro, você é o governante da vez a receber o apoio de Skaf.

Velha Política com o seu bolso

Não costumo dar muito peso a essas “notinhas políticas”. Além de não passarem de fofocas irrelevantes de bastidores, já vi algumas vezes serem desmentidas logo em seguida. Mas chamou-me a atenção que Paulo Skaf tenha ligado (três vezes!) para Bolsonaro, a fim de convencê-lo a manter o limite para a Lei Rouanet. O que tem a ver Skaf com os artistas? E mais, o que tem Skaf a ver com Bolsonaro?

A resposta à segunda questão está na mesma página: Skaf é o novo aliado de Bolsonaro em São Paulo para enfrentar João Doria.

Paulo Skaf é o Paulinho da Força dos empresários, defensor número 1 das meias-entradas para a catchiguria. Tem alguma mamat… quer dizer, incentivo para alguma indústria nascente, como a automobilística? Paulo Skaf está lá, articulando. Se Paulo Guedes tinha alguma esperança de tirar o dinheiro do Sistema S, com essa aproximação pode tirar o cavalinho da chuva.

O que nos remete à primeira questão: por que Paulo Skaf teria tanto interesse em manter um limite alto para a Lei Rouanet? Simples: as empresas teriam mais espaço para “incentivar as artes”, colocando os seus logos em filmes e peças teatrais e posando de mecenas sem tirar um tostão do bolso, só usando o dinheiro dos impostos não pagos. É um ganha-ganha, onde quem perde você sabe quem é.

Bolsonaro tem o direito de se aliar com quem quiser. Só não me venham dizer que isso é a Nova Política.

A natureza do escorpião

Ontem, tanto Márcio França quanto Paulo Skaf ligaram para João Doria para cumprimenta-lo pela vitória. Não tenho dúvida de que Doria teria feito o mesmo caso o vencedor do pleito fosse qualquer um dos outros dois.

Aécio ligou para Dilma em 2014, assim como todos os candidatos derrotados nas últimas eleições presidenciais ligaram para os vitoriosos.

O derrotado parabenizar o vitorioso faz parte da liturgia de um processo eleitoral democrático. É sinal de uma oposição que pode ser forte, mas não será desleal.

Haddad não ligou ontem para Bolsonaro. Segundo ele, “porque não sabia como sua ligação seria recebida”. Parece coisa de adolescente, mas é só o cacoete de um partido hegemônico, que não aceita a derrota.

Se Bolsonaro iria ligar para Haddad em caso de derrota? A julgar pelo seu discurso da fraude nas urnas, provavelmente não. Mas isso seria apenas a confirmação de sua imagem anti-democrática.

Haddad, ao contrário, ganhou muitos votos de última hora por representar pessoalmente a imagem da “resistência democrática” ao avanço autoritário. Muitos votaram em Haddad apesar do PT, pois o seu bom-mocismo e seu ar intelectual sempre lhe deram esse ar meio PSDB.

Haddad, ao não parabenizar Bolsonaro, perdeu a chance de ouro de distender o ambiente e se mostrar um verdadeiro democrata. Perdeu a chance de se tornar um líder relevante da oposição. Vai desaparecer no meio da gritaria antidemocrática do PT.

Haddad demonstrou ontem a verdade da velha máxima, a de que o escorpião não perde a sua natureza.