Os grupos de renovação política e os partidos

Já tive oportunidade de escrever sobre este assunto por ocasião da expulsão de Tabata Amaral e Felipe Rigoni do PDT e do PSB na época. Minha opinião era de que a democracia no modelo ocidental é representativa e gira em torno de partidos. Outros países até admitem candidaturas avulsas, mas estas não costumam ir muito longe. Eleições são empreendimentos grandes e custosos, e é difícil alguém sozinho ter sucesso. O caso de Bolsonaro em 2018, que foi praticamente um candidato avulso, foi uma exceção à regra.

Pois bem. Os tais “movimentos de renovação política” criaram uma jabuticaba: o parlamentar avulso dentro de um partido. O truque foi a assinatura de uma tal “carta compromisso”, que libera o congressista para ter suas próprias posições sem ser punido pelo partido. Foi esta carta compromisso que livrou Tabata Amaral e Felipe Rigoni de perderem seus mandatos ao saírem de seus partidos.

PDT e PSB são partidos ideológicos (mais o primeiro do que o segundo). Ambos fecharam questão contra a reforma da Previdência. Isso não deveria ser surpresa para ninguém, mas Tabata e Felipe se filiaram a esses partidos assim mesmo. Provavelmente procuravam partidos de esquerda (afinal, quem não é esquerda no Brasil é porque não tem coração) mas queriam manter uma visão moderna dos problemas econômicos. Uma contradição em termos.

Os caciques do PDT e do PSB avisaram que não vão mais aceitar “cartas compromisso”, no que estão muito certos. Costumamos reclamar que ao Brasil faltam partidos fortes, definidos ideologicamente. Então, PDT e PSB avisaram que não têm mais espaço para parlamentares com suas próprias ideias. Quer dizer, pode debater à vontade, mas a votação é definida pelo partido nos temas que importam.

Isso favorece os caciques? Sim. Não está satisfeito? Funde o seu próprio partido. Marina Silva, por exemplo, se indispôs com o cacique do PV e tentou fundar o seu próprio partido. A Rede hoje corre o risco de morrer de inanição. Em 2018 elegeu 14 parlamentares no Brasil inteiro, contra 31 do PV.

Há também a possibilidade de se filiar a um partido-ônibus, onde cabem todas as opiniões. PMDB, PSD e o novo União Brasil são exemplos. Felipe Rigoni entendeu a mensagem e vai se filiar ao União. Já Tabata Amaral se filiou ao PSB, o mesmo PSB que puniu Rigoni pelo mesmo motivo que ela, Tabata, foi punida pelo PDT. Pode parecer uma contradição, mas o coração tem razões que a razão desconhece.

Os movimentos supra-partidários e os partidos

O TSE reconheceu o direito de Tabata Amaral se desfiliar do PDT sem perder o seu mandato. O mesmo já havia ocorrido com Filipe Rigone, ex-PSB, no mês passado. O que há de comum nos dois casos? Ambos votaram a favor da Reforma da Previdência contra a orientação de seus respectivos partidos e ambos foram punidos pelas direções partidárias. E, o mais importante, ambos fazem parte do movimento Agora!, cujo membro mais reluzente é Luciano Huck.

O movimento Agora! forma lideranças políticas para implementar a sua agenda. Como não é um partido político, as lideranças formadas precisam se aninhar em partidos políticos já existentes. Para tanto, exigem a assinatura de uma carta-compromisso que promete a autonomia do parlamentar eleito. Ou seja, o parlamentar segue as diretrizes do Agora!, não as do partido a que está filiado. PDT e PSB (além da Rede e Cidadania) assinaram essa carta-compromisso com o movimento. E é com base nessa carta que o TSE reconheceu o direito de desfiliação desses parlamentares sem perda de mandato.

O que é um partido político? Duas coisas: 1) um agrupamento de pessoas com ideias comuns sobre como resolver os problemas da sociedade e 2) uma máquina para disputar eleições. No Brasil existe uma terceira definição, que é a de um business para enriquecer seu fundador, mas essa não nos interessa neste momento.

Tabata e Rigoni entraram para o PDT e o PSB com base em uma carta-compromisso que lhes livrava de obedecer à primeira definição acima, segundo interpretação do TSE. No entanto, usaram a máquina partidária para se elegerem. Os partidos gastaram dinheiro, tempo e recursos humanos para que eles conquistassem os seus mandatos. O mandato não é somente deles, é também dos seus partidos. Um mandato não se conquista somente com ideias, mas também com dinheiro.

Mas nem acho que seja esse o principal ponto. A questão de fundo é: se o Agora! quer manter sua autonomia política, por que não funda o seu próprio partido? Sim, eu sei, fundar partido dá trabalho. Muito melhor ficar ca… ditando regra sem precisar colocar a mão na massa. E aqui, massa não é exatamente feita de farinha de trigo. Nesse sentido, respeito o pessoal que fundou o Novo, jogando o jogo na arena, não na arquibancada.

Mas haveria uma alternativa para essas lideranças políticas: entrar em “partidos-ônibus”, onde todas as posições são aceitas. Não vai aqui um juízo de valor, pelo contrário. As grandes democracias do Ocidente são dominadas por partidos-ônibus. Para ficar em um só exemplo, Republicanos e Democratas dominam a política americana há mais de um século, e são partidos-ônibus que mantém em pé a maior e mais longeva democracia do mundo. Existem várias correntes dentro desses partidos, mais à esquerda ou mais à direita, e ninguém é expulso ou punido por votar contra uma orientação partidária. Aliás, nem existe isso de “orientação partidária”, pois seria impossível.

O mesmo ocorre no Brasil com partidos como MDB, PSDB, PSD, PP. São partidos-ônibus, que podem abrigar diversas tendências. Esses partidos nunca fecham questão em torno de matérias a serem votadas. Já partidos mais ideológicos, como PSOL ou Novo, não admitem qualquer tipo de desvio em relação aos seus programas. Talvez o grande engano de Tabata e Filipe foi achar que PDT e PSB eram partidos-ônibus puros. São, mas até certo ponto. No caso da reforma da previdência, agiram como partidos ideológicos, assim como o PT. (Aliás, no caso deste último, a ideologia é “siga o chefe”. Que o digam os parlamentares que fundaram o PSOL).

Ocorre que partidos à esquerda do espectro tendem a ser mais ideológicos nas votações fundamentais. E, por algum motivo, a agenda do Agora! casa melhor com a agenda desses partidos. Não à toa, a tal carta-compromisso só foi assinada com partidos do lado à sinistra da força, e os parlamentares do movimento se filiaram a esses partidos.

Portanto, houve uma incompatibilidade de agendas, e o TSE reconheceu o direito de a agenda do Agora! se sobrepor à agenda dos partidos, mesmo não sendo um partido. Tabata Amaral comemorou, dizendo ser uma vitória sobre os “caciques partidários”. Não foi. Foi uma vitória de sua vontade pessoal sobre a vontade da estrutura partidária a que ela pertencia. Quase a vejo falando de “Nova Política”, aquela em que os partidos são dispensáveis, restando a ligação direta entre o povo e o poder.

O marqueteiro volta à ativa

João Santana foi contratado por Ciro Gomes.

João Santana foi o marqueteiro do PT nas campanhas de 2006, 2010 e 2014. É um gênio. Logo após um dos debates entre Dilma e Aécio, em que Dilma foi tratorada pelo adversário, a presidente passou mal. Dizem que simulou a mando do marqueteiro, mas isso é difícil de provar. De qualquer forma, Santana viu ali a oportunidade para reposicionar a candidata: sai a mulher forte, entra a mulher frágil, maltratada por um homem. Dali em diante, Aécio precisou se defender a respeito da questão. Também foi dele a peça que destruiu Marina Silva, aquela em que a comida desaparece da mesa do pobre. Um soco abaixo da linha da cintura e, por isso mesmo, muito eficaz.

João Santana e sua esposa foram condenados por Sérgio Moro. Lavagem de dinheiro, foi o crime. Santana recebeu dinheiro de corrupção para prestar os seus serviços, tendo consciência de sua origem, segundo o suspeitíssimo juiz.

Obviamente nada daquilo aconteceu, foi tudo perseguição de um juiz suspeito. Ciro fica, assim, livre para contratar o marqueteiro e ainda posar de 2o ser humano mais honesto do planeta (o 1o todos sabem quem é). Tudo isso graças à máquina de lavagem de reputações que funciona em uma das pontas da praça dos 3 poderes.

O anúncio de Ciro se deu no mesmo dia em que o pleno do Supremo confirmou a suspeição de Moro. Mas foi só uma coincidência.