A nova PDVSA?

Muitos não entendem porque a Petrobras precisa praticar preços internacionais, quando somos autossuficientes em petróleo e o nosso custo de extração é menor do que a média mundial.

Digamos que essas premissas sejam verdadeiras (autossuficiência e preços de extração menores). Mesmo assim, os preços praticados deveriam ser os internacionais. Vejamos.

Em primeiro lugar, não consumimos petróleo, mas sim, derivados de petróleo. E nossas refinarias não são capazes de produzir todo o diesel que consumimos. Sendo assim, precisamos importar diesel. Hoje, com um prejuízo de R$0,14 por litro, conforme a associação dos pequenos importadores. Esse prejuízo está sendo bancado pela Petrobras.

Ah, então seria o caso de construir capacidade de refino, para poder atender o mercado interno sem precisar recorrer a importações.

Só que não. Aqui entra o conceito de “commodity”. Digamos que o Brasil praticasse consistentemente preços de diesel abaixo da paridade internacional. Parece óbvio que tradings iriam se aproveitar dessa distorção, exportando diesel para o mercado global. O Brasil se tornaria o maior exportador de diesel do mundo, enquanto faltaria diesel para o mercado interno. Claro que se poderia proibir a exportação de diesel, mas aí estaríamos empilhando uma intervenção sobre a outra, aumentando a ineficiência do sistema.

A Venezuela fez isso durante anos. O estado lastimável da PDVSA, hoje, é fruto desse tipo de política. Um país que produzia 3,5 milhões de barris/dia, hoje produz menos de 1 milhão. Os venezuelanos também acham que “o petróleo é nosso”. Só que as maiores reservas de petróleo do mundo continuarão debaixo da terra enquanto não se respeitar regras básicas da teoria econômica. Queremos ser uma nova Venezuela?

Só um gole

Um gole de pinga pode ser apenas uma diversão ou uma tragédia. Depende da pessoa.

Para uma pessoa que sempre teve comportamento sóbrio, um gole de pinga é apenas uma diversão inofensiva. Para um ex-alcoólatra, é uma tragédia.

O Brasil é um ex-alcoólatra da intervenção. E não foi só o governo Dilma não. Getúlio Vargas era um grande intervencionista (leiam Lanterna na Popa, de Roberto Campos). Os generais eram intervencionistas. A Nova República de Sarney era o supra-sumo do intervencionismo. Dilma foi apenas a continuidade de uma tradição.

Paulo Guedes é o rehab da nossa última aventura intervencionista, que destruiu a economia brasileira.

Mas aí, Bolsonaro resolveu tomar um gole de pinga.

A única solução viável

Já disse aqui e vou repetir: não faz sentido uma empresa ser estatal e não servir para implementar políticas de governo.

Só faz sentido o Estado ser empresário se for para suprir “falhas do mercado”. “Falhas”, bem entendido, do ponto de vista das “necessidades do povo”.

Bolsonaro (assim como Dilma) está pensando no povo, ao determinar à Petrobras que volte atrás no aumento dos preços do diesel.

Há uma falha clara do mercado, que não entende que o transporte é um gênero de primeira necessidade. E, além disso, coloca em risco o humor daquela categoria de trabalhadores que pode tomar o povo como refém num piscar de faróis.

Se manter o preço do diesel mais baixo é uma política de governo, nada melhor do que uma estatal para implementa-la. Porque esse subsídio fica lá escondidinho no balanço da empresa, não afeta as contas nacionais. No final do dia, que se danem os credores e acionistas minoritários, que pagarão a conta. Ou não.

Os credores e acionistas minoritários exigirão prêmios cada vez mais altos para financiar “políticas de governo”. Isso se reflete no custo do crédito e nos preços das ações. No limite, não haverá mais quem empreste ou quem se disponha a ser sócio do governo. Quando chega neste ponto, resta ao governo cobrir o rombo do balanço da empresa com recursos orçamentários. Nesse momento, aqueles custos escondidinhos no balanço da empresa aparecem. E não é uma visão muito bonita.

Vivemos esse processo durante o governo Dilma. Muitos acham que o quebrou a Petrobras foi a roubalheira. Apesar de monstruosa, o prejuízo devido à corrupção foi troco de pinga perto do impacto causado pelos subsídios patrocinados pela empresa nos preços dos combustíveis, com o objetivo de controlar a inflação. Mas, como afirmei acima, a existência de estatais não se justifica se não for para isso mesmo: implementar políticas de governo. A ideia de ter estatais que funcionem segundo as “regras de mercado” é uma contradição em termos. A decisão de Bolsonaro ontem foi apenas a confirmação (mais uma vez) dessa tese.

A única solução viável para a Petrobras é a privatização.

Governo virtual

Antes da atual performance como autoproclamado presidente da República, Zé de Abreu aventurou-se no mercado de ações.

A diferença é que, na época, a performance da então presidente da República, ao contrário da agora inofensiva performance do ator-presidente, causava gigantescos estragos na economia.

No dia em que Zé de Abreu patrioticamente comprou Petro, a ação valia 10,30. Quando Dilma assumiu o governo, em janeiro de 2011, a Petro valia 26,70. Fez um excelente trabalho para que Zé de Abreu pudesse comprar a ação na baixa.

Mas o autoproclamado presidente errou o timing. Dilma continuava lá. A ação continuou caindo, atingindo 8,20 em abril/2016, quando ocorreu o impeachment. Zé de Abreu perdeu 20% de seu investimento. Mas foi por uma boa causa.

Depois do impeachment, o dublê de presidente deve ter vendido as ações, pois seria uma traição à causa ficar patrocinando governo golpista. Hoje, Petro vale 26,70, o mesmo valor do início do governo Dilma. Vale notar que, após o impeachment, Dilma se apresentava no Twitter como “presidenta legitimamente eleita”. Mais ou menos como Zé de Abreu se apresenta hoje.

Moral da história: governo de esquerda bom é governo virtual. Podem fazer discurso à vontade sem causar estragos.

Privatização envergonhada

Ontem, a liminar do fim do mundo captou corações e mentes dos brasileiros, e passou despercebida outra decisão do ministro Marco Aurelio: a suspensão de um decreto de Temer que permitia à Petrobras vender ativos sem licitação.

O ministro acatou pedido do PT, que via no decreto uma forma do governo continuar a “devastação” da empresa.

Querem saber? Tanto o PT quanto o ministro Marco Aurélio estão absolutamente certos neste caso.

O governo Temer vem tentando recuperar a maior estatal brasileira do desastre lulopetista. Para tanto, nomeou uma gerência profissional e deu início a um programa de saneamento, o que incluiu a prática de preços de mercado para os combustíveis e a venda de ativos para a desalavancagem do balanço da empresa.

O que o decreto de Temer pretendia era, na prática, equiparar a Petrobras a uma empresa privada, no que concerne à compra de equipamentos e venda de ativos. Trata-se, obviamente, de uma gambiarra.

Na falta da vontade/capacidade política de privatizar a empresa, procura-se torná-la, para todos os efeitos práticos, uma empresa privada, mas permanecendo estatal.

Ora, ou a empresa é estatal ou é privada. Não dá pra ser as duas coisas ao mesmo tempo. Pra que serve uma empresa estatal, senão para cumprir políticas de governo? Que sentido tem o Estado poder tirar petróleo do subsolo se não for para usá-lo como subsídio para suas políticas?

Nesse sentido, Dilma estava absolutamente correta ao usar a Petrobras para controlar a inflação, congelando os preços dos combustíveis. Se a Petrobras não serve para isso, vai servir para o que mais? Também o PT/PMDB/PP estavam absolutamente corretos em usar a Petrobras para obter “fundos partidários” a partir de contratos fraudados. Afinal, se uma estatal não serve pra isso, pra que ela existe mesmo?

O PT acusa o governo Temer de “devastar” a empresa ao equipara-la a uma empresa privada. Certíssimo! Uma estatal que não serve aos interesses do governo de plantão perde a sua razão de existir.

Existem pessoas que genuinamente creem que uma empresa estatal pode ser tão bem gerida quanto qualquer empresa privada. O que o PT e o ministro Marco Aurélio vieram nos recordar é que isso não é possível. Uma estatal deve estar amarrada por uma série de regras que a deixam muito mais ineficiente, mas que, ao mesmo tempo, não impedem a rapinagem, como exaustivamente provado pelo Petrolão.

Temer quis dar um “jeitinho” de privatizar a Petrobras mantendo-a estatal. O PT e o ministro Marco Aurélio corretamente disseram não.

A privatização sem subterfúgios, pra valer, da Petrobras é a única solução definitiva que tirará essa estrovenga das costas dos brasileiros.

Protejam a rede de proteção

Um dos argumentos utilizados por apoiadores do PT é de que essa história de transformar o Brasil em uma Venezuela é completamente fora de propósito. O PT esteve 13 anos no poder e, aí vai o “argumento”, “não nos transformamos em uma Venezuela”.

Parece aquela piada do cara que cai do 10o andar de um prédio e, ao passar pelo 5o andar, alguém na janela lhe pergunta se está tudo bem. Ao que o homem responde: “tirando o vento na cara, por enquanto está tudo bem”.

A resposta é tão idiota quanto o “argumento” usado pelos petistas. O vento estava batendo nas nossas caras até o impeachment, mas para os petistas estava “tudo bem”.

Quais as evidências de que nos aproximávamos do solo?

– Assim como a PDVSA, a Petrobras foi usada para implementar políticas desenvolvimentistas e para fazer populismo tarifário. Claro, a PSVSA é muito mais importante para a economia da Venezuela do que a Petrobras é para o Brasil, mas mesmo assim o impacto foi relevante.

– Assim como na Venezuela, o governo Dilma adotou política econômica intervencionista, mexendo profundamente com o sistema de preços relativos e a confiança dos agentes econômicos. Eu diria que este é o fator, tomado isoladamente, mais importante para explicar a pior recessão da história brasileira.

– Assim como na Venezuela, as estatais e outros órgãos do governo foram aparelhados até a medula, tornando-se instrumentos do partido para a manutenção do poder.

– Assim como na PDVSA, a Petrobras foi usada para manter um esquema gigantesco de corrupção do sistema político.

– Assim como fez o chavismo na Venezuela, o PT tentou emplacar uma “constituinte” por meio de um plebiscito. Isso aconteceu como resposta às manifestações de 2013, uma das 5 medidas propostas pelo governo para “dar uma resposta às ruas”. Não custa lembrar que esta mesma ideia voltou no programa de governo do PT deste ano e foi espertamente retirada por Haddad.

– O governo Dilma tentou emplacar uns tais “conselhos populares”, em que decisões importantes de governo passariam pelo crivo popular. Uma forma de driblar o Congresso.

– A exemplo da Venezuela, está ainda no programa do PT uma tal “regulação econômica da mídia”. Juram que é só para acabar com os monopólios. Ok, acreditamos.

Sim, é verdade que não nos transformamos em uma Venezuela nos 13 anos do PT. Mas isso só não aconteceu porque as instituições brasileiras, a imprensa livre e o povo nas ruas estendeu uma rede de proteção, impedindo a continuidade da queda.

Não se engane: o que o PT quer fazer agora é retirar a rede de proteção.

Não vai ter estelionato eleitoral

“Você não pode ter uma política predatória no preço combustível para salvar a Petrobras e matar a economia brasileira. Qualquer coisa no combustível reflete no preço da mercadoria que tá lá na ponta. Ninguém quer a Petrobras com prejuízo, mas também não pode ser uma empresa que usa do monopólio para tirar o lucro que bem entende.”

Ciro não teria dito melhor.

Dilma não teria dito melhor.

Um mérito Bolsonaro tem: ninguém vai poder acusá-lo de estelionato eleitoral.

O Brasil continua o mesmo

Publiquei o post abaixo há um ano.

Não, a Eletrobrás não foi privatizada.

Sim, o Brasil continua o mesmo.


O anúncio da privatização da Eletrobrás, além de todos os méritos óbvios, tem mais um ainda pouco percebido, mas muito importante: começa a tornar plausível, imaginável, um cenário em que a Petrobras possa ser privatizada.

Antes do anúncio da privatização da Eletrobrás, a privatização das vacas sagradas do Estado brasileiro (Petro, Eletro, Banco do Brasil e Caixa) era apenas um delírio de liberais insanos, que não tinha a mínima, a mais remota chance de acontecer.

Sem querer comparar a Eletro com a Petro (são empresas que estão em patamares diferentes no imaginário do perfeito idiota latino-americano), somente o fato de a privatização da Eletrobrás ter sido anunciada move a privatização da Petrobras do campo dos unicórnios e duendes para o campo da viagem para a Lua. Muito difícil, mas possível, afinal.

Não é nada, mas é muito, em um país ainda preso a fetiches do século XX.

O símbolo do Brasil

Trecho da entrevista de André Lara Rezende, principal formulador econômico da campanha de Marina Silva, hoje, no Estadão.

Concordo com ele. A Petrobras é um símbolo. Símbolo de um país atrasado, preso a mitos do passado. Sujamos nossas mãos de óleo enquanto a Apple ultrapassa um trilhão de dólares em valor de mercado. E o pior é que Marina e André Lara não estão sozinhos. Com exceção do Amoêdo (Paulo Guedes não conta, o candidato é o Bolsonaro), todos os outros candidatos pensam da mesma maneira.

A Petrobras é um símbolo. Enquanto a Petrobras não for privatizada, não conseguirei acreditar em nenhum discurso de modernização e eficiência do país.