Trade offs

Pesquisa da Ipsos publicada hoje no Valor mostra aquilo que pesquisas anteriores já mostraram: a população brasileira é majoritariamente contrária à privatização da Petrobras e do Banco do Brasil e também contrária à reforma da Previdência.

Sou capaz de apostar que, se a mesma pesquisa fosse feita no início da década de 90, os brasileiros também seriam majoritariamente contrários à privatização da Vale, Telebras, Embraer e CSN. E, no entanto, essas empresas foram privatizadas. Não por boniteza, mas por precisão. O mesmo caso de hoje.

Um estadista, assim como um bom empresário, percebe as necessidades das pessoas antes mesmo que as pessoas tenham consciência dessas necessidades. Steve Jobs criou o iPhone antes que as pessoas sentissem necessidade do aparelho que se tornou onipresente na vida cotidiana. Da mesma forma, a agenda da privatização é desejada pela maioria dos brasileiros, mesmo que não tenham consciência disso.

Para colocar esta minha convicção à prova, seria necessário fazer um outro tipo de pesquisa. Perguntar simplesmente se a Petrobras deveria ser privatizada não resolve, porque a resposta “não custa nada” para o entrevistado. É fácil ser contra a privatização, por um sentimento nacionalista difuso. Mas não é assim que a economia funciona. A economia é feita de trade offs. Portanto, qualquer pesquisa deveria apresentar trade offs para os pesquisados, e não perguntas secas, como “você apoia a privatização da Petrobras?”. As perguntas deveriam ser do seguinte tipo:

– O que você prefere: uma escola básica de qualidade ou manter a Petrobras estatal?

– O que você prefere: hospitais públicos de qualidade ou manter o Banco do Brasil estatal?

– O que você prefere: uma segurança pública melhor ou pagar aposentadorias especiais para os funcionários públicos?

Claro, sempre haverá alguém a dizer que esses são “falsos trade offs”, porque dá para fazer tudo, basta deixar de roubar. Mas o estadista sabe que não basta deixar de roubar. Ele sabe que o orçamento é limitado, e se eu invisto para achar petróleo, faltará dinheiro para investir em escolas públicas.

A prova de que o brasileiro não entende os trade offs está em outro resultado da mesma pesquisa: o brasileiro quer, majoritariamente, a redução dos gastos públicos, o que é incompatível com manter a Petrobras estatal e não reformar a Previdência. Ao ser apresentado ao trade off em uma única pergunta, o brasileiro seria apresentado à realidade das coisas.

Claro, sempre há a alternativa avestruz: enfiar a cabeça na terra e fazer de conta que os trade offs não existem. A pessoa comum pode fazer isso. O governante, não. Mas, para isso, precisa ser um estadista, produto em falta no mercado hoje.

Contradição em termos

“O problema não é que a empresa seja estatal. O problema é que ela seja mal gerida. É importante termos empresas estatais bem geridas em setores estratégicos da economia.”

Este é o argumento fundamental de quem defende a existência de empresas estatais. Sempre que alguém disser isso, lembre-se que Pedro Parente tentou gerir bem a Petrobras e não sobreviveu à primeira crise.

Empresa estatal bem gerida é uma contradição em termos.

Não menospreze o PT

Só assista se você tiver estômago forte. Uma coleção interminável de mentiras e mistificações.

Mas é de se tirar o chapéu a capacidade do PT de montar uma narrativa com começo, meio e fim, animado com infográficos e um discurso vibrante. Cadê o filminho do Alckmin? Ok, foi só uma pergunta retórica.

Não menospreze o PT. Nunca.

A lógica do preço da gasolina

Mauro Benevides, responsável pelo programa econômico de Ciro Gomes deu entrevista hoje no Valor.

Na primeira pergunta, já mostrou toda a sua ignorância de como funciona a microeconomia. Perguntado sobre a politica de preços da Petrobras, Benevides solta a pérola: “qualquer empresa no mundo fixa os preços por custo de produção”.

Não, Benevides, os preços não são definidos pelos custos de produção. Os preços são definidos por oferta e demanda. Os custos vão definir somente se a empresa vai sobreviver ou não em um determinado ambiente de oferta/demanda.

Por exemplo, o custo dos caminhoneiros cresceu com o aumento dos combustíveis. Segundo Mauro Benevides, então, o preço do frete deveria aumentar. Sim, deveria, se a demanda pelo serviço se mantiver constante no novo preço. Se a demanda cair, alguns caminhoneiros deverão sair do mercado no novo preço. Ou o preço não sobe, e ficarão no mercado apenas aqueles caminhoneiros que conseguirem trabalhar com margem mais baixa.

O caso da Petrobras é um pouco diferente, por ser uma empresa, na prática, monopolista. A competição vem apenas dos combustíveis importados. Por que, então, a Petrobras não pode simplesmente vender combustíveis com base no seu preço de custo, adicionando apenas uma “margem de lucro cidadã”?

Temos dois cenários possíveis: no primeiro, o custo está maior do que o preço internacional. Neste caso, o preço praticado pela Petrobras seria maior do que o do produto importado. Então, seria uma questão de tempo para a Petrobras perder todo o mercado de comercialização de combustíveis, quebrando a empresa.

Mas é o segundo cenário que nos interessa, quando o custo está bem menor do que os preços internacionais. Neste caso, por que a Petrobras, sendo monopolista, simplesmente não vende mais barato o combustível no mercado doméstico, beneficiando o cidadão brasileiro? Esse é o brilhante raciocínio de Mauro Benevides e, com certeza, da maioria dos brasileiros.

Para entender porque este raciocínio leva, no longo prazo, à inviabilidade da empresa, é preciso entender que o petróleo é uma commodity global, cujo preço é determinado, ao longo do tempo, por um tênue equilíbrio de oferta e demanda. Este preço, em tese, paga o risco de extração do petróleo do produtor marginal mais caro. Se há um excesso de oferta (ou falta de demanda), o preço cai, inviabilizando o produtor com maior custo de produção e, portanto, diminuindo a oferta e aumentando a demanda até se encontrar um novo equilíbrio. E vice-versa.

Claro que, neste processo, os produtores com menor custo de produção acabam por auferir maiores lucros. Mas não há modo de ser diferente pois, por ser um mercado aberto, o preço é global, e cada produtor, do mais barato ao mais caro, tem o seu papel no tênue equilíbrio entre oferta e demanda.

Agora, suponhamos que a Petrobras oferecesse aos brasileiros a bênção de uma gasolina mais barata do que aquele preço ditado pelo mercado internacional, baseando-se apenas nos seus custos. Ocorreriam duas coisas: 1) haveria uma pressão exportadora de combustíveis. Traders poderiam comprar o combustível para revender com lucro no mercado global. Claro, isso poderia ser proibido, mas sabe como é o tráfico clandestino em um país como o Brasil, né? E 2) o combustível mais barato daria um sinal de abundância para o consumidor, o que aumentaria a demanda, forçando a Petrobras a importar o produto mais caro e subsidiá-lo para o consumidor local. Foi basicamente isso que aconteceu em 2012-2013, provocando prejuízos bilionários para a empresa.

Além disso, sempre resta a discussão de qual seria a tal “margem de lucro cidadã” a ser praticada pela Petrobras. A margem de lucro deve cobrir as despesas operacionais, os investimentos a serem feitos para manter e, eventualmente, aumentar a produção, e o custo do capital, que deve ser proporcional ao risco da atividade. E, convenhamos, o risco de explorar petróleo não é baixo. No final, o preço internacional do petróleo, ao longo do tempo, procura remunerar estes três componentes. Não tem muita mágica em um mercado extremamente competitivo como o do petróleo.

Por fim, se nada disso foi convincente, então dá uma olhada na Venezuela. A PDVSA está quebrada e a produção de petróleo está despencando, mas você enche o tanque com poucos centavos. Claro, vão lhe dizer, não queremos chegar neste ponto. Sim, ninguém quer. Mas quando ideias brilhantes como a de Mauro Benevides são postas em prática, os preços passam a ser apenas um detalhe na mão de populistas. Aí, o inferno é o limite.

Melhor destino para o meu dinheiro

Sempre pensei na Petrobras como uma empresa que poderia dar bom retorno para o acionista se fosse bem gerida. Dependeria apenas do governante de plantão.

Esta crise me fez abrir os olhos (ainda que tardiamente) e descobrir que não tem jeito da Petrobras ser bem gerida. Porque o problema não é o governante de plantão. O problema é o povo brasileiro.

Tenho participado de várias discussões com pessoas esclarecidas e inteligentes, que estão convencidas de que a Petrobras deveria servir os “interesses da nação”, no caso, subsidiar os combustíveis, nem que seja “temporariamente”. Afinal, nas palavras de Ciro Gomes, se não é pra isso que serve uma estatal, pra que serve então?

Assim, o problema não é o governo, mas a mentalidade do povo. A Petrobras nunca vai dar um retorno decente para o acionista em prazos mais longos, pois seu objetivo é ser uma “empresa estatal”.

Se é para ajudar o País, tenho destino melhor para o meu dinheiro. A Petrobras nunca mais vai ver um tostão meu.

Ciro tem razão

Nunca pensei que um dia iria dizer isso, mas Ciro tem razão.

Se não for para subsidiar combustível quando necessário, pra que serve a Petrobras?

Só faz sentido o governo controlar uma empresa se puder usá-la para seus interesses. Inclusive, dar prejuízo “quando necessário”. Se esse prejuízo terá que ser pago mais cedo ou mais tarde pelo povo, não vem ao caso. O que importa é a política populista de curto prazo, para enganar os trouxas.

A Petrobras não será privatizada nunca.

Canalhas populistas

“Se o Pedro Parente não aceitar rever a política de reajuste, que ele saia da Petrobrás ou o presidente da República exerça o mínimo de autoridade. Um governo minimamente sólido já o teria demitido. Com todo respeito a ele, a Petrobrás não é maior do que o Brasil, nem o Pedro Parente é maior do que a Petrobrás.”

Cunha Lima, Cássio. Senador pelo PSDB.

Pedro Parente certamente não é maior do que a Petrobras nem muito menos do que o Brasil. Mas com certeza é maior do que Cássio Cunha Lima e todos esses canalhas populistas que não hesitam em quebrar a Petrobras e o Brasil para sair bem na foto.

Como funciona uma empresa?

O presidente do Senado, Eunicio Oliveira, disse que, entre “Parentes” e consumidores, ele fica com os consumidores. É sua forma de dizer que a Petrobras deveria vender combustíveis subsidiados, incorrendo em prejuízo.

Eunício Oliveira é empresário. Suas empresas lhe permitem ostentar o título de 2o senador mais rico da República, em uma competição nada fácil. Não lhe ocorre certamente que o governo possa ter ingerência sobre os preços que pratica em suas empresas (muitas das quais, inclusive, com polpudos contratos com o governo, mas não é este o tema deste post).

Mas a Petrobras é diferente. A Petrobras é do povo. Então o povo, na figura de seus representantes eleitos, deveria ter poder para influenciar os preços praticados pela estatal.

Este raciocínio, que parece lógico, tem, no entanto, duas falhas importantes: a remuneração do capital e a explicitação do conflito distributivo pelas vias corretas.

Sobre a remuneração do capital: toda empresa compete por capitais escassos para viabilizar suas atividades. Para atrair esses capitais, a empresa deve remunerá-los proporcionalmente ao risco de sua atividade. Senão, como sabe qualquer empresário, é melhor deixar o dinheiro aplicado em títulos públicos.

Esta remuneração é o lucro da empresa. Sem lucro, não há financiamento para as atividades da empresa. E não é qualquer lucro. Precisa ser um lucro que remunere o risco. Inclusive o risco de que entre uma nova diretoria e se submeta ao arbítrio do dono da empresa. No caso da Petrobrás, o governante de plantão.

A Petrobrás precisa de sócios. O Estado brasileiro não tem recursos suficientes para bancar todo o capital necessário para financiar as atividades da empresa. E, não custa lembrar, perfurar poços em busca de petróleo está longe de ser uma atividade isenta de riscos. Para atrair estes sócios, é necessário que a empresa remunere adequadamente o capital. Caso contrário, será obrigada a diminuir seu ritmo de atividades ou até, no limite, fechar suas portas.

Claro, sempre alguém poderá dizer: basta que o governo feche o capital da empresa e banque sozinho os investimentos necessários. Desta forma, ficaria sozinho com os lucros, e poderia decidir mais livremente qual o seu nível adequado. Poderia, inclusive, decidir por não ter lucro em situações como a que estamos vivendo, em que a combinação explosiva de dólar valorizado e preço do petróleo nas alturas está levando os preços dos combustíveis a níveis insuportáveis. Este é o modelo de empresa que Eunício Oliveira e boa parte dos brasileiros quer. Afinal, se não é para isto, para que serve então uma estatal?

Aqui entra o problema dos canais adequados para resolver conflitos distributivos, a segunda falha grave no raciocínio inicial.

Produzir lucros abaixo do custo de capital em estatais significa, no longo prazo, alocar recursos do orçamento público para determinados fins sem necessariamente vota-los no Congresso. Aquele dinheiro, mais cedo ou mais tarde, terá que ser reposto, e sairá do bolso dos contribuintes. Ou seja, os balanços das empresas estatais funcionam como “orçamentos paralelos”, em que as decisões de alocação de recursos passam ao largo dos debates no Congresso.

Ao exigir que a Petrobras subsidie os combustíveis, Eunício Oliveira está fazendo uma escolha orçamentária: aquele dinheiro usado para tornar os combustíveis mais baratos deverá ser subtraído de outras necessidades. Mas isto não fica claro para todos os envolvidos, pois fica lá escondido no balanço da Petrobras até que a necessidade de nova capitalização torna clara a escolha que foi feita lá atrás. Estamos vendo este fenômeno agora, nas várias subsidiárias quebradas da Eletrobrás.

Hoje, sob o comando de Pedro Parente, a Petrobras está procurando recuperar sua capacidade de investimento, detonada por pessoas como Eunício Oliveira, que não adotaria em suas empresas os mesmos princípios que quer impor à Petrobras.

Distorções

Dólar e petróleo em alta são uma mistura explosiva para os preços dos combustíveis.

O que os caminhoneiros querem é que o governo “faça alguma coisa” para segurar os preços. Há somente duas coisas “a fazer”: diminuir impostos que incidem sobre os combustíveis ou obrigar a Petrobras a ter prejuízo na venda de combustíveis. Ambas as “soluções” implicam subsídios da sociedade brasileira em prol da margem de lucro dos caminhoneiros.

Imagine o caos se cada segmento econômico que tivesse aumento de preço de seus insumos se achasse no direito de bloquear uma estrada. A vida ficaria um pouco mais difícil do que já é.

Vivemos, durante o governo Dilma (e, para ser justo, em vários outros governos) a experiência de tabelar preços de combustíveis em níveis não compatíveis com as condições internacionais. A Petrobras reconheceu em seus balanços R$6 bilhões de prejuízo causado pela corrupção. Pois bem: as perdas com o tabelamento de combustíveis foram da ordem de dezenas de bilhões de reais. Várias dezenas. O que quebrou a Petrobras não foi a corrupção, foi o tabelamento de preços.

Na Venezuela, o dinheiro para comprar um pote de sorvete é suficiente para encher várias dezenas de tanques de combustível. Obviamente, trata-se de uma economia disfuncional. E sabemos como começa esse processo: tabelando preços em nome da “justiça”, do “bem-estar social”, ou de qualquer balela do gênero. Vivemos isso na década de 80 e início da década de 90, com os vários “planos econômicos” que congelaram preços.

Baixar impostos é outra “solução”. Mas por que baixar impostos dos combustíveis e não, por exemplo, dos remédios, dos alimentos, das escolas?

“Ah, mas o aumento dos combustíveis afeta toda a logística, encarecendo todos os produtos”. E daí? Os produtos vão ficar mais caros porque o petróleo ficou mais caro, é assim em qualquer lugar do mundo que funciona. Baixar impostos é bom, desde que haja superávit nas contas públicas, e desde que seja horizontal, e não para preservar as margens de lucro de um punhado de empresários.

Os caminhoneiros têm três saídas possíveis para o aumento do preço dos combustíveis: aumentar o preço do frete ou diminuir suas margens de lucro ou uma combinação das duas. Qualquer “solução” fora disso não soluciona nada, apenas introduz uma distorção adicional na economia, que cobra o seu preço em menor crescimento potencial.