Os medíocres também podem ser felizes

O exame internacional PIRLS, que mede compreensão de textos, foi aplicado pela primeira vez no Brasil. Ficamos na rabeira. Nenhuma surpresa, dados os resultados do PISA dos últimos 20 anos.

Não sou estudioso do assunto e nem trabalho na área. Portanto, não vou aqui chutar diagnósticos e soluções para o problema. Há muitos e bons especialistas por aí arrotando o que deveria ser feito. Meu particular ponto de vista é fruto da observação da realidade à minha volta em quase 6 décadas de vida. A respeito desse problema meu diagnóstico é o seguinte: a sociedade brasileira não está preparada para o sacrifício exigido para galgar o próximo nível. Minha solução: não há solução.

Para ilustrar meu ponto de vista, vou começar com um amigo meu, doutor em administração pela FEA, que foi fazer um posdoc na NYU. Isso faz mais de 20 anos, tanto que ele foi testemunha ocular do 9/11. Perguntei se ele pretendia continuar por lá. Sua resposta: nem a pau, não tem como competir com os caras aqui. Com isso ele queria dizer que o nível de exigência era acima daquilo que ele estava disposto a atingir.

Desde a mais tenra idade, somos condicionados a nos esforçar, mas não muito. Hoje é raro, raríssimo até, ver alunos repetindo de ano. A cultura da promoção automática impera, tanto no ensino público quanto no particular. Neste último, então, nem se fala. Experimente um colégio sugerir que vai repetir um aluno de ano, e verá pais furibundos indo até a escola para tirar satisfações. Se o aluno está indo mal, a culpa é do professor, da escola, do sistema, nunca do aluno.

Já contei esse caso aqui, mas vale a pena contar de novo dentro do contexto. Em uma viagem a trabalho para a Coreia, tive uma reunião em um grande banco internacional. Em determinado momento, nosso interlocutor fez um comentário lateral, dizendo que uma lei acabara de ser aprovada, proibindo que alunos ficassem nas escolas depois das 22:00. Eu pedi para ele repetir o horário, vai que o inglês coreano dele não tivesse caído bem nos meus ouvidos brasileiros. Sim, era isso mesmo, 22:00. Pouco exigente? Nessa mesma linha, lembro de um amigo que foi morar na China durante alguns anos pela empresa. Depois que eles voltaram, a esposa nos contou a experiência do filho em uma escolinha de natação, de como o professor era rude com os alunos, exigindo deles uma performance de atletas olímpicos, quando o objetivo era só que o filho aprendesse a nadar. Como eu disse, não estamos preparados para a exigência que o alto rendimento exige.

Isso não acontece somente na área acadêmica. Quando se tem clientes estrangeiros, nota-se o nível de exigência nos detalhes, vários degraus acima da dos clientes locais. Não se trata de preguiça ou de pouca formação. Trata-se de um estado de espírito: nós, como sociedade, simplesmente achamos que o sacrifico não vale a pena. Contentamo-nos em não sermos os últimos da turma. Acho que De Gaulle se referia a isso quando afirmou que o Brasil não era um país sério.

Seria esta uma visão pessimista da realidade? Não necessariamente. Quando se tem metas baixas, ou até mesmo não se as tem, é mais fácil alcançá-las. Os medíocres também podem ser felizes.

A realidade por trás do Pisa

Esse é a lista dos 20 primeiros “países” no ranking de leitura do Pisa. Tá vendo aquele asterisco do lado da China? Significa que não é, de fato, a China. Essa nota refere-se às 4 principais e mais ricas cidades chinesas. Seria como se pegássemos apenas as notas das cidades de São Paulo, Rio e Brasília. Não representa a China, né? Ok que a soma das populações dessas cidades é quase metade da população brasileira, mas o ponto é que não representa o país como um todo.

Faz-me lembrar do ranking do ENEM, em que colégios como Objetivo e Etapa destacam os melhores alunos e os separam em um “colégio” à parte só para aparecerem bem no ranking. Fake.

Os próximos da lista são também “cidades-Estado”: Cingapura, Hong Kong, Macau. O primeiro país “de verdade” é a Estônia. A rede privada de elite brasileira tem, portanto, nota igual ao melhor país da amostra. É a nossa “cidade-estado” incrustada na miséria geral.

A solução simples para uma educação de qualidade

Nada de teorias mirabolantes. Nada de técnicas pedagógicas revolucionárias, adotadas em países como a Finlândia. O problema do ensino público brasileiro é muito mais básico, segundo o diretor do Bandeirantes: os professores simplesmente não trabalham.

Segundo Mauro Aguiar, os professores da rede pública faltam ao trabalho sem justificativa e são promovidos por critérios sem relação com seu desempenho em sala de aula. E eu acrescentaria: se aposentam com 50 anos de idade, e absorvem mais da metade da folha de pagamento do Estado depois de aposentados, condição em que se manterão mais tempo do que na ativa, considerando a expectativa de vida do brasileiro.

É lugar comum dizer que o investimento no professor é chave para melhorar a educação. No entanto, como investir no professor se os critérios são injustos para com aqueles que trabalham e grande parte da folha é usada para pagar inativos?

Como qualquer reforma que vise mudar esse estado de coisas é recebida com paus e pedras pelos sindicatos da catchiguria, muitas vezes sendo apoiados por “estudantes conscientizados” dispostos a sair às ruas para defender “nenhum direito a menos”, infelizmente estaremos discutindo esse mesmo assunto no PISA 2050.

Ensino eficiente

A “especialista em educação” da Unicamp crítica as escolas “conteudísticas” e pede que sejam “formadoras de cidadãos” para evitar novas tragédias.

Fala como se estivéssemos na Coreia do Sul, com notas altíssimas no Pisa, e não no reino de Paulo Freire, onde a “cidadania” é a única coisa ensinada com eficiência nas escolas.

Correndo atrás do rabo

Chegou-me às mãos um estudo do Santander sobre o potencial impacto da melhoria da educação na produtividade do país. A principal conclusão é a seguinte:

“Se o Brasil conseguisse sair das últimas posições (onde se localiza atualmente, junto com Peru e Indonésia) no ranking do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes em um período de 10 anos e conseguisse alcançar o mesmo patamar de Chile e Bulgária (que estão em uma situação melhor, porém entre os 25% piores), poderia aumentar a produtividade do trabalho em 50%. Isso significaria, no período de 10 anos, uma expansão da produtividade a um ritmo de 4% por ano, o que poderia elevar o crescimento potencial dos atuais 2%-2,5% para um nível próximo de 5%.”

Repetindo: atingir o nível da Bulgária no PISA nos faria dobrar o crescimento potencial do PIB.

Sim, combate à corrupção é importante.

Sim, equilíbrio fiscal é importante.

Sim, combate à criminalidade é importante.

Mas enquanto não fizermos um esforço sério, não ideológico, para incluir uma fatia importante da população brasileira nesta cidadania chamada “alfabetização funcional”, continuaremos correndo atrás do rabo.