Da mão para a boca

Um artigo e uma notícia na mesma página. O artigo é de Adriana Fernandes, que escreve sobre a situação dos governos regionais, protegidos por decisões do STF que os desobrigam a fazer ajustes para receber recursos da União. A notícia nos informa que 25% dos municípios brasileiros não têm dinheiro para pagar o 13o salário e pretendem usar o dinheiro do pré-sal para esse fim.

O artigo chama a atenção para a leniência do STF, o que levou os governos regionais a não realizarem os ajustes necessários em suas finanças. Segundo a jornalista, a única forma de a União defender-se é negar aval para novos empréstimos dos governos regionais. Com isso, o único banco que ainda se disporia a emprestar seria a Caixa, que aceita como garantia o dinheiro do Fundo de Participações dos Municípios. Agora, imagine a Caixa tentando reaver o seu dinheiro no STF… O que teremos, na prática, é a criação de um rombo na Caixa, que deverá posteriormente ser coberto por uma capitalização por parte da União. Ou seja, todos nós.

Em suas decisões, o STF argumenta pela “urgência social”. Sim, com certeza o Brasil tem muitas “urgências sociais”. Cabe ao Legislativo, não ao Judiciário, definir quais urgências serão atendidas. É óbvio que nem todas podem ser.

A visão de mundo de alguns ministros do STF é compartilhada por grande parte da população brasileira. Segundo essa visão, as pessoas têm o direito de verem atendidas todas as suas necessidades e o Estado tem o dever de atendê-las todas. Nesta equação, pouco importa se o país cria riqueza suficiente para atender a todas as demandas. O Brasil é um país rico, onde se plantando tudo dá. Deste trecho da carta de Pero Vaz, ficamos com a parte do “tudo dá” e esquecemos da parte “em se plantando”.

Ainda bem que neste ano temos os recursos do pré-sal. Ano que vem, veremos o que mais podemos vender para pagar as contas. E ainda bem também que temos um governo que vende coisas sem muito peso na consciência. Fosse um outro governo, cioso das “nossas riquezas”, a única saída, como bem demonstram Argentina e Venezuela, seria a inflação, o mais letal destruidor de riquezas conhecido.

A diferença entre a Noruega e o Brasil

A Noruega encontrou petróleo no mar do Norte. Foi um bilhete de loteria. Então, estabeleceram um Fundo Soberano, onde guardam as receitas geradas pela exploração do petróleo, e gastam apenas os rendimentos financeiros gerados pelo Fundo. Resultado: o capital fica lá, intacto, para as próximas gerações usufruírem.

O Brasil encontrou petróleo na camada do pré-sal. Foi um bilhete de loteria. Então, a União fez uma capitalização da Petrobras que reforçou o caixa do governo com uma contabilidade criativa, o RJ entrou em uma orgia de gastos públicos antes que o primeiro real dos royalties entrasse no seu caixa, usaram a Petrobras como vaca leiteira da corrupção do sistema político e dividiram as receitas da concessão de exploração da área antes mesmo do leilão. Resultado: as gerações futuras já nascem endividadas.

O problema de fundo é que na Noruega nascem noruegueses, enquanto no Brasil nascem brasileiros. Se pudéssemos dar um jeito nisso, haveria esperança.

O que aconteceu com o leilão da cessão onerosa?

O leilão da cessão onerosa deu água. Somente a Petrobras ofereceu lance em duas áreas, com uma participação de 10% dos chineses, que não costumam ter, digamos, disciplina de capital. As outras duas áreas sequer tiveram lances.

O que aconteceu?

Quando uma empresa analisa um investimento, ela faz uma avaliação do retorno potencial vis a vis o risco do empreendimento. O que aconteceu foi que, na visão das empresas que não participaram do leilão, o retorno não compensava o risco. E isso em uma área com petróleo já provado, sem risco de prospecção.

Somente a Petrobras deu lance. Das duas uma: ou a Petro tinha informações que foram sonegadas aos outros players, ou decidiu assumir mais riscos no empreendimento. Inclusive, colocando em dúvida sua trajetória de redução de dívida.

O fato é que o leilão foi mal precificado pelo governo. O lance mínimo mostrou-se muito alto, dados os riscos percebidos pelos potenciais compradores. Gastaram muito tempo discutindo a divisão de recursos que, ao fim e ao cabo, não existiam. O dinheiro que entrará é menor do que o imaginado e sairá do “outro bolso” do governo: o balanço da Petrobras.

E fica sempre a pergunta no ar: fosse a Petrobras uma empresa privada, faria os lances que fez?

Os verdadeiros culpados

“O PT marchará ao lado das demais forças progressistas, dos movimentos populares e sindicais contra este ataque à soberania nacional e ao nosso desenvolvimento independente”.

Rui Falcão, em nota, a respeito da não obrigatoriedade da Petrobras de participar da exploração do pré-sal.

Nada neste mundo (corrupção, incompetência) destrói tanto a riqueza de um país do que uma ideologia descolada da realidade. Quando você vir uma criança na rua pedindo esmola, saiba quem são os verdadeiros culpados.