O professor Brandão

Acho que todo mundo tem um professor que marcou a sua vida. No meu caso foi o Prof. Brandão.

Estudava na Escola Estadual Prudente de Moraes, que ficava, na época, na Av. Tiradentes, em São Paulo. Era a segunda metade da década de 70, as escolas estaduais já começavam o seu lento processo de deterioração. Estava na 6a série (atual 7o ano), e o Prof. Brandão lecionava Matemática.

Era um senhor quase careca, com ralos cabelos dos lados. Não sei qual seria sua idade, as crianças costumam achar os adultos muito velhos. Lembro que ficava grande parte do tempo sentado. Era muito rígido, disciplinador. Lembro que gostava dele, ao contrário de todos os meus colegas, que o detestavam. Alguma coisa nele me atraía e me agradava, mas não sabia o que era.

Sinceramente, não lembro de suas aulas. Mas lembro de um episódio que me marcou. Estávamos conversando três colegas e eu durante uma aula. O Prof. Brandão interrompeu a aula e convidou cada um dos meus colegas e eu para fazermos na lousa os exercícios do livro que eram o objeto da aula. Afinal, disse ele, se estávamos conversando, era porque já sabíamos a matéria.

O primeiro colega foi até a lousa e errou logo de cara o primeiro exercício. Ponto negativo na nota. O segundo e o terceiro não tiveram melhor sorte. Fui o quarto a ser chamado. Não lembro quantos exercícios eram, mas fui fazendo-os, um atrás do outro, até completar a lista. Cada exercício feito era comemorado pela turma, que se vingava, assim, do Prof. Brandão.

O Prof. Brandão, contrariado, disse que eu havia me livrado do ponto negativo. Mas não havia acabado: ele me daria a chance de ter um ponto positivo se resolvesse uma questão adicional, fora da lista. Passou o exercício. Era algo semelhante à matéria que estávamos estudando, mas, ao mesmo tempo, diferente. Não sabia como resolver. Mas comecei a tentar achar uma solução e topei com uma, que não sabia se estava certa.

O Prof. Brandão, com sua voz de trovão e a cara contrariada de sempre, disse: “está certo, ponto positivo”. A classe vibrou como se fosse um gol.

Alguns anos depois, voltei a encontrar o Prof. Brandão por acaso. Foi no ônibus no qual eu estava me encaminhando para o Colégio Objetivo, na Paulista, no dia em que seriam publicados os resultados da Fuvest (naquela época não havia Internet, ou você ia até os principais cursinhos para verificar o seu nome em um mural, ou esperava o dia seguinte para conferir o seu nome no jornal). Eu estava concorrendo a uma vaga de Engenharia na Poli.

Era o próprio Prof. Brandão, sentado alguns bancos à frente. Fiquei na dúvida se iria cumprimentá-lo. Nunca fui muito comunicativo, ainda mais quando adolescente. Acabei não o fazendo.

Hoje me arrependo de não tê-lo feito. Gostaria de ter agradecido ao Prof. Brandão o fato de ter sido duro, disciplinador e desafiador. Aprendi matemática com o Prof. Brandão, mas muito mais do que isso: aprendi a ser desafiado e a não desistir de resolver problemas. Além de ter despertado a minha vocação para Exatas.

Um professor é muito mais do que um passador de matéria. É um modelo de comportamento e um inspirador. Transforma seus alunos, para o mal ou para o bem. É uma responsabilidade imensa. São poucos os que estão à altura do desafio. Muitos dão aula. Poucos são professores.

Obrigado, Prof. Brandão, onde quer que você esteja agora.

Obrigado a todos os professores do Brasil.

Professores aposentados

O relator está mudando o texto da reforma da Previdência, de modo a diminuir para 57 anos a idade mínima para que professoras se aposentem com o salário integral e tenham paridade com os professores da ativa. O texto original falava em 60 anos.

Que me desculpem professores e professoras, mas este dispositivo vai na contramão de uma educação melhor para nossas crianças. Isso, independentemente da idade estabelecida.

O problema reside no mecanismo. Com integralidade e paridade, o sistema público continuará tirando recursos dos professores da ativa para dar aos professores aposentados. Ou seja, os Estados e Municípios continuarão a ter menos recursos para pagar salários decentes aos professores da ativa. A coisa fica menos pior com o estabelecimento de uma idade mínima, mas o conceito continua torto.

O incentivo é perverso: esse esquema atrai profissionais que topam ganhar uma miséria no presente, em troca de ter uma aposentadoria muito acima do que recebem os outros mortais. Ou seja, os professores entram na carreira sonhando com o dia em que deixarão de dar aula. Como pode isso funcionar?

Deveria ser o inverso: aposentadorias alinhadas com o restante da população, e o compromisso de usar o dinheiro poupado (seria uma espécie de “fundo para a educação”) para aumentar os salários dos professores da ativa. Dessa forma, atrair-se-iam quadros dispostos a ganhar mais hoje, e não na longínqua aposentadoria.

Estamos no mesmo ponto

“… a Previdência, tal como ela é hoje, não dá, porque os professores vão se aposentando na média com menos de 50 anos (…) Então, teríamos que resolver de uma maneira racional, como estamos propondo nas várias reformas. (…) posso ganhar, posso perder, mas, se perder, como elas (as reformas) estão certas, mais adiante o problema voltará com mais força, e vai acabar quebrando tudo. (…) mas tem razão o professor de Minas que disse: ‘Vai ser difícil, porque a resistência corporativa é grande e as pessoas vão resistir bastante às mudanças’.”

FHC, agosto 1996

Mais de 20 anos depois, estamos no mesmo ponto.