Nenhuma novidade aqui. O Brasil se une a notórios defensores dos direitos humanos, como Venezuela, Nicarágua e a Liga Árabe, no apoio a essa acusação. A diplomacia petista não pode ver um “bloco dos sujinhos” que vai logo se juntando. É do caráter.
A chapa dos sonhos da Vila Madalena
Esse movimento de 180 graus de Marta Suplicy pode ser analisado sob vários ângulos.
O primeiro, é a inanição do PT na capital paulista. Além de ter cedido a cabeça de chapa a Guilherme Boulos, do PSOL, Lula foi obrigado a buscar fora dos quadros atuais do partido na cidade um candidato a vice. Claro, sempre se poderá dizer que, no final das contas, tudo é PT: Boulos pertence a um partido satélite do PT, Marta fez sua carreira política no PT, está tudo em casa. Mas não é bem assim, e os Tattos da vida sabem disso. Lula joga pra vencer até jogo da velha na parede da prisão, e achou por bem escantear o PT na cidade. Como sempre, painho manda, todo mundo obedece.
O segundo aspecto é a trajetória política de Marta Suplicy. Marta foi criada no PT, mas saiu do partido em abril de 2015, já com o Petrolão comendo solto. Vale a pena ler um trecho de sua carta de desfiliação:
“É de conhecimento público que o Partido dos Trabalhadores tem sido o protagonista de um dos maiores escândalos de corrupção que a nação brasileira já experimentou, sendo certo que mesmo após a condenação de altos dirigentes, sobrevieram novos episódios a envolver a sua direção nacional. No meu sentir e na percepção de toda a nação, os princípios e o programa partidário do PT nunca foram tão renegados pela própria agremiação, de forma reiterada e persistente. Para mim, como filiada e mandatária popular, os crimes que estão sendo investigados e que são diária e fartamente denunciados pela imprensa constituem não apenas motivo de indignação, mas consubstanciam um grande constrangimento.
Aqueles que, como eu, acreditaram nos propósitos éticos de sua carta de princípios, consolidados em seu programa e em suas resoluções partidárias, não têm como conviver com esta situação sem que esta atitude implique uma inaceitável conivência”.
E tem mais: “Ao tentar empenhar-me numa linha de providências, fui isolada e estigmatizada pela direção do partido. Percebi que o Partido dos Trabalhadores não possui mais abertura nem espaço para o diálogo com suas bases e seus filiados dando mostras reiteradas de que não está interessado, ou não tem condições, de resgatar o programa para o qual foi criado, nem tampouco recompor os princípios perdidos”.
Considerando que os dirigentes do PT, até hoje, não reconhecem os crimes que cometeram, resta perguntar a Marta Suplicy se ela se enganou ao pedir desfiliação, ou se a direção partidária, hoje, está mais aberta a críticas. Ao se despedir do PMDB e do governo de Ricardo Nunes, Marta afirmou que irá seguir “caminhos coerentes com sua trajetória”. Sim, uma trajetória de oportunismo político.
Um terceiro aspecto ser analisado é o porquê desse movimento de Lula. Afinal, teoricamente, Boulos e Marta trafegam no mesmo eleitorado, o da periferia. Mas isso é só teoricamente. Olhando o mapa eleitoral de 2020, podemos observar que Boulos só obteve maioria na extrema periferia, que tem baixa densidade populacional.
Para o trabalhador da classe C, que está na média periferia, Boulos não passa de um arruaceiro. Marta, por outro lado, tem o que mostrar a esse eleitor em termos de realizações, como os CEUs e o bilhete único dos ônibus, coisas concretas que ajudaram os mais pobres. Já Boulos é muita fumaça e baderna, coisa que afasta o trabalhador pobre, que quer conquistar a sua moradia, não roubá-la. Lula, que não é bobo, sacou esse ponto fraco, e convocou Marta para a dobradinha. Não deixa de ser irônico que Boulos precise de ajuda para conquistar o voto da classe C, que é quem decide a eleição.
Por fim, um aspecto pitoresco: tanto Boulos quanto Marta pertencem à mesma linhagem: representam a nobreza que se despe dos seus privilégios para ajudar os plebeus. São dois políticos que arrancam suspiros nos bares da Vila Madalena, onde todos os problemas da cidade são resolvidos entre um drinque e outro. Afinal, é uma chapa coerente.
Ainda bem que temos o PT para salvar nossa democracia
Quem diria que o PT, o baluarte e último refúgio da democracia brasileira, patrocinasse uma ação contra o jornalismo profissional. Mas, aparentemente, foi o que fizeram, no caso da chefe da sucursal de Brasília do Estadão, Andreza Matais, acusada de ter “fabricado” a matéria sobre a Dama do Tráfico intima dos ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos.
O roteiro foi o clássico. A coisa começou com uma “reportagem” do site “acima de qualquer suspeita” Fórum, com base em uma denúncia de supostos funcionários do Estadão, que acusavam Andreza de assédio moral com o objetivo escuso de fabricar uma matéria que prejudicasse as pretensões de Flávio Dino de ser apontado como próximo ministro do STF.
A partir dessa matéria, toda a máquina petista de moer reputações entrou em ação. Até Nelipe Feto deu a sua contribuição.
O único problema da “reportagem” do site é que os prints usados são da própria página de inserção das denúncias, como demonstrado por um print que eu mesmo fiz da mesma página, em branco. Note o “1o passo” acima da página, igual aos prints do site. Ou seja, somente seria possível tirar esses prints no momento em que a denúncia estivesse sendo escrita. E não há um número de protocolo sequer que prove que a denúncia foi efetivamente submetida.
Por que fizeram assim? Provavelmente porque uma mera entrevista com “funcionários” anônimos do Estadão seria mais fraco. Uma “denúncia” ao Ministério Público, isso sim, dá ares de oficialidade, algo muito mais sério e concreto. O fato de que o site tenha tido acesso à denúncia no mesmo momento em que estava sendo feita demonstra a armação tosca.
Como diz a notinha da ANJ, esses métodos “não se coadunam com valores democráticos” e são “uma prática de regimes autocráticos”.
Curiosamente, na mesma página, a inefável Eliane Cantanhêde aponta Javier Milei, ao lado de Bolsonaro e Trump, como um “trio contra a democracia”. Ainda bem que temos o PT para nos salvar.
A esquerda com as barbas de molho
Lembrando aqui os números das eleições argentinas, e que me fizeram cravar Sérgio Massa como próximo presidente da Argentina:
Primárias:
- Milei: 30,0%
- Massa: 27,3%
- Bullrich: 28,3%
- Outros: 14,4%
- Comparecimento: 69%
1o turno (número entre parêntesis é a variação para as primárias):
- Milei: 30,0% (zero)
- Massa: 36,5% (+9,2%)
- Bullrich: 23,9% (-4,4%)
- Outros: 9,6% (-4,8%)
- Comparecimento: 78%
Agora no 2o turno os números foram os seguintes (número entre parênteses é a variação para o 1o turno):
- Milei: 55,7% (+25,7%)
- Massa: 44,3% (+7,8%)
- Comparecimento: 76%
O que me havia levado à previsão de Massa presidente foi a migração de votos de Bullrich para Massa das primárias para o 1o turno, e a extrapolação desse movimento para o 2o turno, o que simplesmente não ocorreu. Aparentemente, os eleitores de Bullrich que migrariam para Massa já o tinham feito no 1o turno. Sobraram os que não estavam dispostos a dar mais um mandato para os peronistas, que migraram em peso para Milei.
Mário Covas costumava dizer que o povo sempre vota “certo”, cabendo aos políticos interpretarem os resultados das urnas, não julgá-los. O povo argentino falou através das urnas de forma contundente, dando a Milei uma vitória muito folgada para os padrões atuais de polarização. Cabe aos políticos, inclusive no Brasil, interpretarem esse resultado. Os petistas devem estar com as barbas de molho, o que, por si só, já é uma boa notícia para o Brasil.
Oprimidos do mundo, uni-vos!
Há, claramente, uma dicotomia entre direita e esquerda nas reações aos ataques terroristas do Hamas. Mesmo judeus de esquerda têm relativizado o evento, demonstrando que a questão política se sobrepõe à origem étnica ou mesmo a questões humanitárias.
Isso acontece porque a esquerda divide o mundo entre “opressores” e “oprimidos”. E se você não está do lado dos oprimidos, só pode estar do lado dos opressores. A única solução para esse conflito é o fim das “estruturas de opressão”, em que os instrumentos de poder seriam retirados dos opressores e concedidos aos oprimidos. Nada seria eficaz, a não ser isso.
Raymond Aron, em seu livro O Ópio dos Intelectuais, relata como a esquerda francesa da década de 50 condenava os sociais-democratas, por estes quererem mitigar as péssimas condições de vida da classe proletária. Segundo essa esquerda, essas iniciativas desmobilizariam os oprimidos em sua tarefa de “derrubar as estruturas opressoras”, a única solução definitiva. Os proletários estariam sendo corrompidos pelas políticas de bem-estar social.
A esquerda do mundo ainda vive os tempos do “proletários de todos os países, uni-vos!”, slogan político do Manifesto Comunista. Na falta de proletários, serve qualquer oprimido. Nesse contexto, o pobre, quando assalta e mata o burguês, Maduro e Castro, quando mantém seus países com mão de ferro, ou o Hamas, quando mata israelenses, estão todos agindo para “derrubar as estruturas opressoras”, justificando, assim, todos os seus atos.
Isso que a direita jocosamente chama de “coitadismo”, e que parece uma demonstração de insensibilidade, é, na verdade, a expressão irônica desse “oprimismo”, do qual se alimenta a esquerda. É óbvio que condições sub-humanas de vida deveriam ser (e são) objeto de ações para mitiga-las o máximo possível. Mas isso, como bem notou Aron, não interessa à esquerda-raiz, que só quer saber da luta política contra os “opressores”. Os pobres e os palestinos só interessam na medida em que os aproxima desse objetivo.
Duas ironias e uma tragédia
Essa história contém duas ironias e uma tragédia.
Ironia 1: o cara virou uber porque o partido que defende o direito dos ubers deu calote.
Ironia 2: o presidente do diretório de SC, que foi o que deu calote, é também presidente do SEBRAE, aquela entidade governamental de apoio às pequenas empresas, como a produtora que fechou por causa do calote do seu diretório.
A tragédia: 13 anos depois do evento, a Justiça ainda não encerrou o caso. Há um ano tenta “encontrar” o presidente do SEBRAE para intimá-lo, sem sucesso. Este é o ambiente de negócios no Brasil. Não tem risco de dar certo.
Imposto sindical ou financiamento partidário?
O problema da volta do “imposto sindical mas chama de outro nome” não é nem tanto a cobrança em si. É claro que queremos menos impostos, não mais. Mas o que mais irrita nesse imposto é o seu destino.
Os outros impostos que pagamos não estão carimbados. Entra tudo em um grande bolo, e o dinheiro é gasto em causas mais nobres ou menos nobres. No caso do imposto sindical, não: sabemos que o dinheiro que sai do nosso salário será usado pelos sindicatos, que não passam de franjas dos partidos políticos, principalmente do PT. Assim, sabemos que esses recursos serão usados, por exemplo, para pagar os balões da CUT e o pão com mortadela nas manifestações do partido. Além, é claro, do sustento da companheirada, que ninguém é de ferro.
Por conta dessa contaminação entre centrais sindicais e atividade partidária, essa proposta dificilmente prosperará no Congresso.
Guilherme Boulos será o próximo prefeito de São Paulo
Eu fui dos que deram risada quando Boulos renunciou à candidatura presidencial em um acordo para receber o apoio do PT nas eleições de 2024 para a prefeitura de São Paulo. Como se acordo com o PT não fosse mais do que frases escritas na areia da praia. Bem, vou ter que engolir as risadas. Ontem, com a presença de Gleisi Hoffmann e Fernando Haddad, o diretório paulistano do PT sacramentou o apoio a Boulos, ficando de fora da cabeça de chapa pela primeira vez desde a sua fundação.
Lula ganhou a eleição na cidade de São Paulo, e Ricardo Nunes é uma nulidade. Já vai se acostumando, paulistano: com o apoio do PT, Guilherme Boulos será o próximo prefeito de São Paulo.Eu fui dos que deram risada quando Boulos renunciou à candidatura presidencial em um acordo para receber o apoio do PT nas eleições de 2024 para a prefeitura de São Paulo. Como se acordo com o PT não fosse mais do que frases escritas na areia da praia. Bem, vou ter que engolir as risadas. Ontem, com a presença de Gleisi Hoffmann e Fernando Haddad, o diretório paulistano do PT sacramentou o apoio a Boulos, ficando de fora da cabeça de chapa pela primeira vez desde a sua fundação.
Ilha da Fantasia
O ministro da Casa Civil, Rui Costa, chamou Brasília de “Ilha da Fantasia”, pois, segundo o ex-governador da Bahia, os políticos não conheceriam a realidade brasileira. Isso porque, no caminho que vai de suas casas até o Congresso, não existiria “gente pedindo comida e gente desempregada”.
O Estadão hoje, no melhor estilo fact checking, desmentiu Costa: há sim “vulneráveis” no caminho entre as residências dos congressistas e a Praça dos Três Poderes. Portanto, Rui Costa não teria sido preciso em sua fala.
Já tive oportunidade de criticar aqui as agências de fact checking, que se atém à superfície da fala e perdem o “big picture”, o real significado do que se está dizendo. Fazem uma análise literal, quando a mensagem principal, na maioria das vezes, está nas camadas subliminares. O resultado, via de regra, é patético, como é o caso aqui.
A escrotidão da mensagem de Rui Costa independe de ter ou não gente pedindo esmola no caminho entre a casa do deputado e seu escritório. O que o petista quis dizer todos nós sabemos: eles têm o monopólio da sensibilidade social, só eles conhecem a realidade dos pobres, só eles buscam o bem dos mais pobres. Tanto faz se todos nós, incluindo os deputados e senadores, tropeçamos com miseráveis todos os dias. A Ilha da Fantasia de Rui Costa é metafórica: todos nós, não petistas, vivemos em uma Ilha da Fantasia e, portanto, não temos “sensibilidade social”. Esse é o sentido da fala do ministro.
Claro que os políticos se revoltaram. Assim como nós, os políticos se revoltam com essa narrativa (para usar a palavra da moda), enquanto veem Lula querendo trocar o avião presidencial por um que possa ter uma cama de casal e o máximo conforto para 100 convidados. A vanguarda do proletariado se trata bem, e já passou muito do tempo em que esse discursinho de comiseração pelos pobres enganava alguém, a não ser os trouxas de sempre.
Um fact checking da fala de Rui Costa deveria checar se o governo do PT realmente olha para os pobres, ou se distribui migalhas enquanto protege os de sempre. Aliás, nesse sentido, a fala do ministro é verdadeira. A Ilha da Fantasia, para quem não se lembra, era uma ilha em que os sonhos das pessoas que ali pousavam se transformavam em realidade. Brasília é isso: empresários pousam em Brasília com seus sonhos, que se tornam realidade. Para ficar completo, falta só o Tatoo anunciando o avião a cada pouso.
As “políticas” do PT
A repórter Vera Rosa repercute pesquisa qualitativa interna do PT, que mostra a classe média (renda per capita entre R$500 e R$4.500) desconfiada em relação ao partido. Difícil interpretar a pesquisa sem ter acesso. Então, sem pretender representar a opinião de ninguém, falando apenas por mim mesmo, seguem algumas medidas que poderiam melhorar a imagem do partido, não necessariamente excludentes entre si:
– Um grande mea culpa sobre os casos de corrupção dos últimos anos
– Um grande mea culpa sobre a grande recessão de 2015-16
– Aposentar Lula
Claro que nada disso passa pela cabeça dos próceres do partido. Jilmar Tatto propõe a única coisa que o PT sabe fazer: uma “política”. Sim, uma política voltada para a classe média. Para o PT, governar é distribuir benesses para todos, sob alguma marca grandiloquente. Por exemplo, no auge da esbórnia petista, lá por 2011-2012, vários filhos de amigos meus ficaram um ano fora do país no programa Brasil Sem Fronteiras. Um nome grandiloquente para uma “política” para a classe média, que poderia muito bem pagar pelo intercâmbio.
Nada contra “políticas” com nomes pomposos. Afinal, todo governo precisa de uma marca. O problema é confundir o ato de governar com a distribuição de benesses, sem realmente buscar mudar estruturalmente o país, alinhado com as melhores práticas internacionais. Aliás, trabalhando contra essas mudanças, como temos visto desde o início do novo governo, nos ataques a várias instâncias de governança.
O problema para Tatto e cia é que o dinheiro acabou. O Minha Casa Minha Vida foi relançado com pompa e circunstância com o risível orçamento de R$ 9 bilhões. Só o programa habitacional da cidade de São Paulo, o Pode Entrar, conta com R$ 8 bilhões. Então, o governo do PT será isso: a reedição de várias “políticas” para agradar a todos, mas sem o dinheiro necessário para fazer alguma diferença. Se eu fosse dirigente petista, estaria pensando em uma ou mais das alternativas acima.