A natureza do escorpião

Ontem, tanto Márcio França quanto Paulo Skaf ligaram para João Doria para cumprimenta-lo pela vitória. Não tenho dúvida de que Doria teria feito o mesmo caso o vencedor do pleito fosse qualquer um dos outros dois.

Aécio ligou para Dilma em 2014, assim como todos os candidatos derrotados nas últimas eleições presidenciais ligaram para os vitoriosos.

O derrotado parabenizar o vitorioso faz parte da liturgia de um processo eleitoral democrático. É sinal de uma oposição que pode ser forte, mas não será desleal.

Haddad não ligou ontem para Bolsonaro. Segundo ele, “porque não sabia como sua ligação seria recebida”. Parece coisa de adolescente, mas é só o cacoete de um partido hegemônico, que não aceita a derrota.

Se Bolsonaro iria ligar para Haddad em caso de derrota? A julgar pelo seu discurso da fraude nas urnas, provavelmente não. Mas isso seria apenas a confirmação de sua imagem anti-democrática.

Haddad, ao contrário, ganhou muitos votos de última hora por representar pessoalmente a imagem da “resistência democrática” ao avanço autoritário. Muitos votaram em Haddad apesar do PT, pois o seu bom-mocismo e seu ar intelectual sempre lhe deram esse ar meio PSDB.

Haddad, ao não parabenizar Bolsonaro, perdeu a chance de ouro de distender o ambiente e se mostrar um verdadeiro democrata. Perdeu a chance de se tornar um líder relevante da oposição. Vai desaparecer no meio da gritaria antidemocrática do PT.

Haddad demonstrou ontem a verdade da velha máxima, a de que o escorpião não perde a sua natureza.

Protejam a rede de proteção

Um dos argumentos utilizados por apoiadores do PT é de que essa história de transformar o Brasil em uma Venezuela é completamente fora de propósito. O PT esteve 13 anos no poder e, aí vai o “argumento”, “não nos transformamos em uma Venezuela”.

Parece aquela piada do cara que cai do 10o andar de um prédio e, ao passar pelo 5o andar, alguém na janela lhe pergunta se está tudo bem. Ao que o homem responde: “tirando o vento na cara, por enquanto está tudo bem”.

A resposta é tão idiota quanto o “argumento” usado pelos petistas. O vento estava batendo nas nossas caras até o impeachment, mas para os petistas estava “tudo bem”.

Quais as evidências de que nos aproximávamos do solo?

– Assim como a PDVSA, a Petrobras foi usada para implementar políticas desenvolvimentistas e para fazer populismo tarifário. Claro, a PSVSA é muito mais importante para a economia da Venezuela do que a Petrobras é para o Brasil, mas mesmo assim o impacto foi relevante.

– Assim como na Venezuela, o governo Dilma adotou política econômica intervencionista, mexendo profundamente com o sistema de preços relativos e a confiança dos agentes econômicos. Eu diria que este é o fator, tomado isoladamente, mais importante para explicar a pior recessão da história brasileira.

– Assim como na Venezuela, as estatais e outros órgãos do governo foram aparelhados até a medula, tornando-se instrumentos do partido para a manutenção do poder.

– Assim como na PDVSA, a Petrobras foi usada para manter um esquema gigantesco de corrupção do sistema político.

– Assim como fez o chavismo na Venezuela, o PT tentou emplacar uma “constituinte” por meio de um plebiscito. Isso aconteceu como resposta às manifestações de 2013, uma das 5 medidas propostas pelo governo para “dar uma resposta às ruas”. Não custa lembrar que esta mesma ideia voltou no programa de governo do PT deste ano e foi espertamente retirada por Haddad.

– O governo Dilma tentou emplacar uns tais “conselhos populares”, em que decisões importantes de governo passariam pelo crivo popular. Uma forma de driblar o Congresso.

– A exemplo da Venezuela, está ainda no programa do PT uma tal “regulação econômica da mídia”. Juram que é só para acabar com os monopólios. Ok, acreditamos.

Sim, é verdade que não nos transformamos em uma Venezuela nos 13 anos do PT. Mas isso só não aconteceu porque as instituições brasileiras, a imprensa livre e o povo nas ruas estendeu uma rede de proteção, impedindo a continuidade da queda.

Não se engane: o que o PT quer fazer agora é retirar a rede de proteção.

Respeito à imprensa

Quem teve paciência de ler os Diários da Presidência (eu li o 1o volume e foi o suficiente) viu como FHC passa grande parte do tempo reclamando das injustiças publicadas pela imprensa. Houvesse Twitter na época e fosse FHC um histriônico como Trump, seus tuites não seriam muito diferentes.

Além disso, é o PT que ameaça a imprensa livre em seu programa, prometendo implementar um tal “controle social da mídia”.

Sim, intimidar a imprensa livre é uma ameaça à democracia, e isso é inadmissível.

Porque o PT vai perder

Está repercutindo essa fala de Mano Brown, cobrando a leitura correta do PT a respeito da sua provável derrota nessas eleições.

Mas o que me chamou a atenção nesse vídeo foi outra coisa. A partir de 3’47”, depois da fala de Mano, Caetano Veloso toma o microfone para fazer uma espécie de redução de danos.

Em um discurso meio sem pé nem cabeça, complexo, com aquele verniz intelectual hermético típico da esquerda brasileira, no fundo Caetano diz o contrário de Mano: os culpados são os outros, os fascistas cafajestes. E a conclusão é que estes precisam ser eliminados da vida pública brasileira.

Ao contrário de Mano, Caetano foi aplaudido. Não é à toa que vão perder, e vão perder feio, como bem disse o intelectual Cid Gomes.

Manifesto petista

Na véspera da manifestação “elenão”, um amigo, eleitor de Alckmin, tentou convencer-me a ir até a manifestação. Segundo ele, era essencial que a manifestação fosse vista como “plural”, e não uma agenda da esquerda, uma campanha pró-PT disfarçada. Na época, Haddad já despontava como o virtual adversário de Bolsonaro no 2o turno, mas ainda havia uma tênue esperança de que o ex-capitão pudesse desidratar em favor do candidato do PSDB. Recusei-me, pois pra mim aquilo era só campanha do PT disfarçada, como restou provado por pesquisa do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas da USP.

Segundo essa pesquisa, realizada durante o evento no Largo da Batata, em São Paulo, 80% dos entrevistados se identificaram como de esquerda e 8% como de centro-esquerda. 34% dos entrevistados afirmaram que seu partido era o PSOL, 30% afirmaram que era o PT e 20% afirmaram que não tinham partido de preferência. Ou seja, dos que tinham partido, 80% eram PSOL ou PT.

Fernão Bracher, Claudia Costin, Phillipe Reichstul, José Carlos Dias, Naercio Menezes são nomes que servem para aquilo que meu amigo sugeriu que eu fizesse: dar um verniz plural a uma manifestação petista. Mas agora, sem a desculpa de que há outros candidatos no cardápio. É PT mesmo, sem disfarces.

Cada um sabe o que faz com o seu nome.

PT com o sinal trocado

Apesar de todas as promessas, ainda não ouvi um nome de empresa a ser privatizada no governo Bolsonaro. Mas acabamos de ser apresentados a mais uma empresa estatal a ser criada no próximo governo: a “Brasil Barômetro”. Como se não houvesse muitas e boas empresas de pesquisas disponíveis no mercado.

Ah, mas com Bolsonaro vai ser diferente, ele vai tratar as empresas estatais com seriedade.

Acredito. Sinceramente. O problema é que o governo Bolsonaro passa e a estatal fica. Ganha vida própria. E será usada, mais cedo ou mais tarde, como cabide de empregos e fonte de corrupção.

E o que significa “promoção dos veículos éticos e comprometidos com o Brasil”? O governo Bolsonaro pretende usar o dinheiro de nossos impostos para subvencionar veículos de comunicação simpáticos ao governo? O PT fez exatamente o mesmo.

São dois sinais ruins. Espero sinceramente que o governo Bolsonaro não seja um governo PT com o sinal ideológico trocado.

Boa análise

Da página do Sérgio Almeida.


Muitos analistas e comentaristas em geral estão empenhados em mostrar que Bolsonaro não será um governo liberal na economia.

A análise é válida e faz todo sentido — o histórico alinhamento dele com o PT em matérias econômicas fundamenta a desconfiança.

Mas há, talvez, duas coisas sendo ignoradas aqui:

PROBABILIDADE

1) a análise é relativa: mesmo que não seja a Thatcher tropical, há — pode-se argumentar — mais massa de probabilidade em políticas liberais/pró-mercado nele do que em um governo Lula/Haddad/PT.

O que vai se realizar de fato ninguém sabe; tem que esperar o começo do governo — há muita especulação motivada por torcida dos dois lados.

“PT NÃO”

2) a escolha é enormemente governada por um sentimento anti-PT (por razões já conhecidas): muitos que votam/votarão em Bolsonaro sabem que ele não vai ser uma Thatcher ou coisa do tipo; assim como detestam o discurso pró-torturador e outras tosquices que ele já disse — e são muitas.

Mas na régua moral do eleitor médio, ter um 5° governo petista depois de tudo é inaceitável — pelo menos essa é uma história que pode explicar ao menos parte da história dessas eleições.

POR QUE NÃO OS OUTROS? Restaria então entender por que boa parte do eleitorado não migrou para os candidatos não-petistas que existiam na corrida eleitoral.

Há pelo menos duas explicações (não-excludentes, claro):

Uma é a de que nenhum candidato foi anti-petista o suficiente para acomodar o desejo desse eleitor. Não como Bolsonaro foi.

Outra é a de que sair nas frente nas pesquisas de intenção de voto fez de Bolsonaro um “ponto focal” que coordenou a decisão de muitos eleitores cheios do sentimento anti-petista sobre em quem votar quando o candidato do PT foi oficializado e começou a subir nas pesquisas.

É esse sentimento anti-petista — engrossado pela estratégia política do PT de (a) ignorar os erros de política econômica que contribuíram para a recessão e (b) alcunhar de nazista/fascista os eleitores de seu adversário — que explicará boa parte do que acontecerá no próximo domingo.

Mandando a real

Emicida mandando “a real” pra militância do PT e explicando porque Bolsonaro faz sucesso entre os pobres das grandes cidades.

O arrazoado é bem legal, acho que ele faz um diagnóstico correto do “povão” e sobre as falhas da campanha do PT. Só não escapa de ser petista: Cuba e Venezuela estão “descontextualizados”, os livros “certos” de história são aqueles que cantam as glórias do socialismo e o partido é odiado por conta das fake news. Mas releve isso, o resto é muito bom.