Tá bom mas tá ruim

Depois da Fitch em julho, agora foi a vez da S&P elevar o rating soberano brasileiro de BB- para BB. Isso significa que faltam apenas dois degraus para o Brasil se tornar novamente “grau de investimento” (BB+ e BBB-). Parece fácil, mas é difícil bagarai. Já voltaremos a este ponto.

O governo Lula e os petistas, claro, estão sapateando sobre a mesa, faturando politicamente o fato. Compreensível, qualquer governo o faria. Mas o texto que acompanhou a decisão da S&P deixa claro que o movimento se deu com base em “políticas pragmáticas dos últimos sete anos”. Ou seja, desde que o desastre Dilma foi deixado para trás. Como o governo Dilma foi apagado dos livros de história do PT, ficam só as “conquistas do governo Lula”.

Há que se reconhecer que estes últimos “sete anos” incluem este primeiro ano do governo Lula, que foi, apesar da retórica beligerante, muito menos desastroso do que se previa. O BC continuou atuando de maneira independente, Haddad conseguiu manter o discurso da disciplina fiscal com o novo arcabouço e a aprovação da reforma tributária (citada pela S&P) foi um golaço que deve aumentar o crescimento potencial no longo prazo. Tendo dito isso, a agência aponta a questão fiscal e o baixo potencial de crescimento como os dois principais entraves para uma melhora da nota do Brasil.

Aqui vale uma pequena digressão. Dar uma nota de crédito é um pouco ciência e um pouco arte. Por isso temos três principais agências de rating, cada uma com sua própria metodologia. A Moody’s, por exemplo, não chegou a rebaixar o Brasil para BB-. S&P e Fitch o fizeram, e agora retornaram para onde a Moody’s está. Há, agora, um raro consenso entre as três agências sobre a nota brasileira. Somos, definitivamente, um país BB. Isso significa que nossa capacidade de pagar a dívida é frágil, seja pelo seu tamanho, seja pela nossa capacidade de crescimento econômico. Perdemos o grau de investimento quando a nossa dívida explodiu e o crescimento econômico desapareceu na primeira metade da década passada.

Para que a nota melhore, é necessário que esses dois aspectos melhorem substancialmente. E, para isso, será necessário muito mais do que a saliva de Fernando Haddad.

Um presente de Natal antecipado

A perspectiva do rating soberano brasileiro foi elevada de estável para positiva pela S&P. A última vez que isso aconteceu foi em 11/12/2019, quando o governo Bolsonaro estava para completar um ano. A perspectiva foi colocada novamente em “negativa” quatro meses depois, em 06/04/2020, por conta das incertezas da pandemia, e por lá ficou até hoje.

A S&P justificou essa ação com base no “pragmatismo da política econômica”, que leva a uma “maior certeza sobre a estabilidade das políticas fiscal e monetária, que podem levar a um maior crescimento econômico”. A agência reconhece que o déficit fiscal ainda está alto, mas “o crescimento do PIB aliado ao novo arcabouço fiscal pode resultar em um crescimento da dívida menor do que o esperado”. Por fim, a S&P afima que “esses desenvolvimentos reforçariam a sua visão sobre a resiliência do framework institucional brasileiro, com políticas econômicas estáveis baseadas em ‘checks and balances’ entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário”. Para efetivamente elevar o rating, a S&P coloca como condição a perseverança em políticas pragmáticas e a aprovação de reformas – como a tributária – que aumentem o PIB potencial.

Bem, o que dizer? Em primeiro lugar, esse anúncio da S&P pegou o mercado de surpresa. Só aí, já vemos que tem alguma coisa errada. As agências de rating são followers, quem antecipa tendências são os mercados. As agências chegam depois, para “carimbar” algo que já aconteceu. Note que a S&P conta com o ovo dentro da galinha, ao supor que o crescimento do PIB e o novo arcabouço fiscal “podem” gerar uma dívida menor que a esperada. Ainda não aconteceu, aliás é consenso de que será difícil com esse arcabouço frouxo, mas a S&P deu o seu “voto de confiança”.

Uma casa de análise gringa expôs a sua perplexidade, em relatório enviado a clientes, nesses termos: “Trata-se de um desenvolvimento positivo, ainda que inesperado, dado que o novo arcabouço fiscal ainda precisa ser aprovado, e o conteúdo final da reforma tributária ainda é incerto. Além disso, tem havido, em meses recentes, uma clara deterioração de políticas microeconômicas e do ambiente regulatório. Em nossa avaliação, elevar o rating e, no fim, recuperar o investment grade, requereria reformas decisivas e políticas macro, micro e regulatórias que suportassem investimentos e aumentassem a produtividade (isto é, elevassem o atual modesto crescimento potencial do PIB), e estabilizassem a dinâmica da dívida. Em nossa avaliação, com exceção da política monetária, o atual mix de políticas macro e microeconômicas e o cenário de reformas ainda estão siginificativamente distantes desse padrão”.

Mas o mais interessante desse anúncio não foi o anúncio em si, mas a reação do ministro da Fazenda. Claro, como pinto no lixo, Haddad desfilou toda a sua satisfação com esse verdadeiro presente dado pela S&P, e não poderia ser diferente.

No entanto, Haddad coroa a sua festa com um pedido que demonstra a sua total, inequívoca e irremediável ignorância sobre os processos que levam à melhora do rating soberano. O ministro da Fazenda pede que o Banco Central se junte ao esforço de recuperação do rating reduzindo as taxas de juros! Não entendeu nada!

A S&P começa dizendo que sua decisão se baseou no “pragmatismo de políticas fiscal e monetária estáveis”. Ora, a atual política monetária, que busca trazer a inflação para a meta, foi elogiada pela S&P! Claro, a agência faz menção inúmeras vezes ao crescimento do PIB, e Haddad, então, do alto de seu apedeutismo, acha que, se o BC simplesmente derrubar os juros, tudo estará resolvido. A S&P em momento algum afirmou isso. A agência citou a continuidade dos esforços fiscais e a reforma tributária como condições para o crescimento e a recuperação do grau de investimento. Como disse a casa gringa em sua análise, a política monetária é a única que está em seu lugar.

Enfim, a S&P deu um presentão para o governo do PT. Mas é preciso saber usá-lo. Há sérias dúvidas com relação a isso.

O tamanho do sofrimento

A Moody´s é a agência de análise de risco que mantém o melhor rating para a dívida soberana brasileira, BB, dois níveis abaixo do grau de investimento. As outras duas agências, S&P e Fitch, atribuem rating BB-, três níveis abaixo. O que a Moody´s está dizendo é que pode se juntar às outras duas agências caso não se retome a trajetória de ajuste fiscal.

E daí?

As agências de rating são notoriamente atrasadas em relação à realidade. Elas sempre estão correndo atrás do prejuízo, sancionando aquilo que os mercados já sabiam faz tempo. A questão, portanto, é: as agências estão atrasadas em relação à melhora das condições brasileiras ou em relação à piora? A julgar pelo aviso da Moody´s, estão atrasadas em relação à piora. Ou seja, o mercado já está precificando uma situação muito pior, e as agências vão novamente correr atrás, rebaixando o rating soberano brasileiro.

Isso significa dinheiro mais caro para financiar o crescimento econômico. Não que o rebaixamento do rating vá tornar o dinheiro mais caro. O rebaixamento só vai reconhecer uma situação de fato. A solução? Fazer a lição de casa. O sofrimento causado pelo ajuste fiscal é muito menor que o sofrimento causado pelo desajuste. A escolha não é entre sofrimento e não sofrimento. A escolha é pelo tamanho do sofrimento. Vamos ver qual será a escolha do governo e da sociedade.