Os projetos pessoais acima dos partidos

A notícia da aprovação, por parte da Rede, da composição de uma federação com o PSOL, é o fio da meada que nos permitirá entender a natureza da política partidária brasileira.

Comecemos por Marina Silva. Marina apareceu no cenário nacional nas eleições presidenciais de 2010, quando obteve um surpreendente terceiro lugar sendo filiada ao pequenino PV. Chegou a ser chamada de “Lula de saias” pela sua origem humilde. Empoderada pela sua performance, quis tomar conta do partido, mas não contava com a astúcia do dono do PV, José Luis Penna, que lhe fechou a porta. Assim, Marina Silva deixou o PV em 2011 e se lançou à aventura de formar o próprio partido. Descobriu, a duras penas, que é mais fácil obter 20 milhões de votos em uma eleição do que 500 mil assinaturas para formar um partido. Mas o ponto a que eu queria chamar a atenção é outro: Marina privilegiou seu projeto pessoal em detrimento da fidelidade a um partido.

Marina não está sozinha. A Rede elegeu 5 senadores em 2018. Hoje só resta um, Randolfe Rodrigues. Um desses senadores, Alessandro Vieira, migrou para o Cidadania, certamente de olho em voos mais altos. Com o anúncio da federação entre PSDB e Cidadania, e a óbvia dificuldade de tirar Doria do posto de candidato do agrupamento, Alessandro anunciou a saída da legenda. Seu projeto pessoal foi mais forte do que a fidelidade a um partido.

Fabiano Contarato foi outro senador eleito pela Rede que acabou de anunciar a desfiliação para tocar o seu projeto pessoal de se candidatar ao governo do Espírito Santo. Lula, que de bobo não tem nada, lhe dará a legenda.

Mas projetos pessoais não são monopólio da Rede. O governador Eduardo Leite, derrotado nas prévias do PSDB, deve se desfiliar para tocar o seu projeto pessoal de ser candidato à presidência. Alckmin também se desfiliou do PSDB para tocar o seu projeto pessoal. Bolsonaro, não tendo conseguido fundar um partido para chamar de seu e tendo perdido a briga com Luciano Bivar pelo controle do PSL, migrou para o PL para continuar tocando o seu projeto pessoal. Mesmo o PT não passa de um grande projeto pessoal de Luís Inácio Lula da Silva. No dia em que Lula desaparecer do cenário político nacional, o PT será apenas mais um par de letras na sopa de letrinhas que forma a política partidária brasileira.

Obviamente, o elemento pessoal conta muito em eleições, aqui no Brasil e em qualquer lugar do mundo. Isso é uma coisa. Outra coisa é subordinar os interesses do partido a projetos pessoais. Em democracias consolidadas, por mais carismático que seja um político, ele não sai do lugar se não conquistar corações e mentes de um grande partido, o que lhe dá sustentação para governar depois. Aqui, os partidos são meras fachadas para projetos pessoais. Não à toa, a governabilidade somente é possível na base de mensalões, petrolões e emendas secretas.

Tem jeito? Não. Mesmo políticos com ares modernos, como Eduardo Leite ou Alessandro Vieira, não escapam dessa lógica. É da nossa natureza, está em nosso DNA. Conforme-se, é o que temos para hoje.

A verdadeira face da Rede

A Rede encaminhou voto contra a reforma da Previdência.

A Rede, se me lembro bem, era o partido daquela candidata ponderada, que aparentava ter as melhores solucionáticas para as problemáticas do País. A candidata dizia que apoiava a reforma, mas não a do Temer. Pelo visto, continua apoiando, mas não a do Bolsonaro.

Prefiro a postura dos partidos de oposição, que dizem que são contra. São mais honestos.

Suco de autoritarismo

O trecho abaixo foi retirado da reportagem de capa do Caderno de Fim de Semana do Valor Econômico, aquele que o mercado financeiro lê quando não está explorando o povo.

A reportagem trata dos “movimentos cívicos”, que pretendem influenciar as decisões do Congresso através de ações de cidadania e patrocínio de candidaturas “apartidárias” (apesar de, curiosamente, todos os candidatos eleitos mencionados sejam filiados ao PSOL e Rede 🤔).

No trecho abaixo, destaco o que me parece a essência desses movimentos: tudo o que não está alinhado com suas ideias não é democrático, não é democracia. Não passa na cabeça desses luminares de que, talvez, e só talvez, os conservadores conquistem espaço no Congresso porque o povo seja, afinal, conservador, ora pois.

Note: em qualquer votação no Congresso em que a pauta não alinhada a esses “progressistas” avança, o discurso é sempre o mesmo: “foi tudo aprovado no atropelo, sem um debate profundo com a sociedade”. Foi assim com a reforma trabalhista, com a reforma do ensino médio e tantos outros assuntos. E sociedade, aqui, quer dizer esses representantes de si mesmos.

No fundo, trata-se de um profundo desprezo pela democracia representativa que, no dizer de Churchill, é o pior sistema político, com exceção de todos os outros. Não aceitar que o Congresso seja conservador é não aceitar que o povo seja conservador. É querer ditar ao povo o que ele deve ser. Não consigo pensar em nada mais autoritário.