O Brasil é um grande Refis

Há 20 anos Itamar Franco declarava a moratória da dívida de MG junto ao governo federal. Era a forma Itamariana de renegociar a dívida do Estado. Na reportagem são citados os culpados de sempre: além de Minas, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul também pretendiam renegociar suas dívidas.

Um ano depois era aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal, celebrada como o remédio que daria fim à irresponsabilidade dos governantes dos entes subnacionais. 20 anos depois, voltamos à estaca zero: há uma fila de Estados pedindo o penico para a União. O que aconteceu?

Aconteceu que, se dependesse de lei, o Brasil seria o melhor país do mundo. Não faltam leis, falta aplica-las. Quantos ex-governadores perderam seus direitos políticos por não terem cumprido a LRF? Dá uma pesquisada aí depois você me conta. Cabral e Pezão não valem, estes foram presos pela Lava-Jato, a única vez que alguma lei alcançou políticos poderosos em 130 anos de República.

O Brasil é o país onde a lei, para valer, precisa “pegar”. A LRF, infelizmente, não pegou. Prova disso é que, 20 anos depois, há uma fila de governadores com o pires na mão em Brasília. A realidade dos salários atrasados e dos serviços públicos em petição de miséria se impõe à letra fria da lei. Uma grande renegociação vem aí, certamente acompanhada por uma nova e grandiosa “lei” que anunciará uma nova alvorada.

O Brasil é um grande Refis.

O Refis do pobre

Aqui Ciro especifica um pouco mais o plano “limpa-nome”.

Em primeiro lugar, estabelece uma data de corte: 20/07/2018. Quem entrar no SPC depois dessa data, não poderá aderir ao programa. Esta foi a data em que pela primeira vez Ciro mencionou o programa. Evita que espertinhos façam dívidas já com o intuito de não pagá-las.

Em segundo lugar, não dá mais a impressão de que a dívida será “perdoada”, mas sim, será parcelada em até 36 meses. Ou seja, o pessoal vai pagar pela dívida, mas em condições melhores.

Mas a mágica trapaceira continua a mesma: ele faz uma conta, dizendo que a dívida média do brasileiro é de R$4.200, mas que o governo derrubaria esse montante para R$1.400, que seriam pagos em 36 suaves prestações de R$40. Ou seja, além de um facão em 2/3 da dívida, o saldo seria pago sem juros!

Obviamente, os bancos privados não topariam, e os bancos públicos seriam forçados a fazê-lo, com as consequências já conhecidas.

A peça publicitária ainda nos brinda com a inefável presença do Prof. Belluzo, o mago das soluções mágicas que só dependem de vontade política.

Uma coisa, no entanto, a campanha acerta: se foi feito o Refis, com custo de centenas de bilhões para perdoar dívidas de grandes empresas, qual o problema em gastar alguns bilhões para perdoar a dívida do pobre?

Na verdade, o problema está no Refis, uma pouca vergonha que vicia o sistema tributário, ao estimular a sonegação. Usar o Refis como exemplo é justificar um erro com outro.

Todo mundo é trouxa

Esta proposta do Ciro é errada de várias maneiras combinadas.

1. O Banco do Brasil e a Caixa serão obrigados a aceitar um desconto sobre a dívida inscrita no SPC. Não será como em um feirão de renegociação, como na comparação mal-intencionada do candidato. Em um feirão, os bancos negociam um a um, e têm um budget para negociar. Na renegociação do Ciro, a ordem vem de cima para baixo, forçando um cancelamento de dívida que pode estar acima de sua capacidade de conceder. No final, o governo precisará capitalizar seus bancos. Com que dinheiro? Já vimos BB e Caixa sendo usados para implementar políticas de juros no governo Dilma, e o resultado não foi dos melhores.

2. Os bancos privados também serão chamados a colaborar, mediante uma redução do depósito compulsório. Ou seja, além de liberar espaço no balanço das famílias, os bancos privados terão mais dinheiro para emprestar. Será um novo voo de galinha, baseado exclusivamente no crédito, e que termina em mais inflação. Novamente, já vimos esse filme antes.

3. É o governo que vai pagar a dívida dos inadimplentes (“são só R$1.800 por família!”), não são os próprios, como em um feirão de renegociação. De onde sairá o dinheiro?

4. Mas talvez o efeito mais deletério seja sobre o comportamento do devedor. Se eu sei que não precisarei pagar a dívida, então vou me endividar pra valer! No final, o governo paga. É o efeito Refis. “Ah, mas nunca mais o governo vai fazer isso, é só uma vez!” Quem disse? Se fez uma vez, por que não pode fazer de novo? Os endividados sempre esperarão outro “limpa-nome”. E, enquanto isso, se endividarão mais.

Ciro está comprando os votos dos endividados com o dinheiro de todos os contribuintes. Aqueles que não se endividaram ou que pagam suas dívidas em dia são trouxas, no final do dia.

É isso: Ciro é o candidato que acha que todo mundo é trouxa.

Só otário cumpre a lei

Ontem, o Congresso permitiu descontos de até 100% dos juros e multas para impostos atrasados do Funrural e do Refis das micro e pequenas empresas.

Hoje, o STF provavelmente dirá que criminosos bem assessorados não precisam cumprir pena pelos seus crimes.

Só otário cumpre a lei no Brasil.