Lula descobre a “regra de ouro”

Em entrevista à imprensa internacional, Lula voltou a atacar a regra do teto de gastos. Diz o candidato do PT que a regra parece “coisa para garantir interesse do sistema financeiro”.

Lula tem razão. O teto de gastos só está aí para garantir que a dívida pública seja solvente ao longo do tempo, o que só interessa aos financiadores da dívida, o sistema financeiro. Mas Lula deveria pensar melhor antes de cuspir na mão que lhe ajuda. Melhor ter um sistema financeiro que cobre o que lhe é devido do que não ter ninguém disposto a financiar as atividades do governo.

Mas o que me chamou a atenção foi o trecho seguinte, que dá uma pista do que Lula tem em mente. Segundo o candidato do PT, o governo responsável não gasta mais do que tem, “a não ser para construir novos ativos que possam fazer o país crescer”.

Isso a que Lula se refere está longe de ser uma novidade. Trata-se da “Regra de Ouro”, a mais antiga regra fiscal do país, nascida na Constituição de 88, e que diz exatamente isso: o governo só pode se endividar para fazer investimentos. Segundo Lula, portanto, bastaria a regra de ouro para resolver o problema fiscal do país, restando ociosas todas as outras regras.

Bem, seria assim se fosse assim. Se a regra de ouro fosse suficiente, não teríamos que ter criado outras regras, como a do superávit primário ou do teto de gastos. Ocorre que, a exemplo dos seus sucedâneos, a regra de ouro foi desmoralizada ao longo do tempo. Primeiro, porque muitos itens foram sendo considerados como investimentos mesmo não sendo. Depois, receitas meramente contábeis, como o lucro do BC com a variação cambial das reservas, foram consideradas na conta. Por fim, mais recentemente, através da aprovação de “créditos extraordinários” no Congresso, uma espécie de “waiver” para burlar a regra. Ou seja, cumprir a regra de ouro a rigor, hoje, demandaria um esforço fiscal ainda maior do que cumprir o teto de gastos. Acho que Lula não foi informado sobre isso.

Isso sem considerar o “estilo PT” de governar. Os grandiosos investimentos realizados através de um BNDES turbinado resultaram na maior recessão da história brasileira. É para esse tipo de “investimento” que Lula quer licença para gastar?

Regra de ouro

A chamada “regra de ouro” determina que o governo não pode emitir dívida para pagar despesas correntes. Somente pode assumir novas dívidas para investimentos e pagamento de juros das dívidas atuais.

Comparando-se com uma família, é o mesmo que dizer que a família não pode tomar empréstimos para pagar comida, roupa e escola. Só pode assumir novas dívidas para comprar casa ou para pagar os juros das dívidas atuais.

Trata-se de uma regra prudencial. Imagine uma família que não consegue pagar comida, roupas, escola, saúde com o seu próprio salário, e precisa tomar empréstimos. Está claro que é uma questão de tempo para esta família quebrar. Mais cedo ou mais tarde, vai precisar apertar os cintos. Com um agravante: os gastos com os juros da dívida tornarão a tarefa muito mais difícil.

Chegou a hora dolorosa da família Brasil apertar os cintos. Todos os que dependem do Estado para a sua sobrevivência (educação pública, saúde pública, subsídios, aposentadorias, funcionários públicos), todos serão cortados. Não há alternativa para esta família.

Há os que dizem que comparar um país com uma família não é totalmente adequado, pois um país pode emitir seu próprio dinheiro, seja via emissão de novas dívidas, seja impressão de papel moeda mesmo. Só que não.

Imagine que não existisse a “regra de ouro”. Assim, o Tesouro poderia emitir dívida quanto quisesse, mesmo que fosse para pagar escolas, saúde e aposentadorias. Faltaria combinar com os russos que financiam a dívida. Estes precisam confiar que a dívida eventualmente será paga sem precisar lançar mão da emissão de moeda. Claro, podemos acreditar que os credores estarão sempre dispostos a rolar as dívidas, bastando, para isso, pagar uma taxa de juros compatível com o risco. Obviamente, esta taxa de juros será crescente, na medida em que o risco aumenta.

O Japão parece desmentir a tese acima. Com mais de 250% do PIB em dívida doméstica, o Japão paga taxa de juros próxima de zero para os seus credores. Existe, no entanto, uma diferença fundamental: a poupança japonesa é gigantesca, enquanto a poupança brasileira é bem ridícula. Assim, faltariam financiadores locais (que o Japão tem de monte), e precisaríamos de financiadores estrangeiros. Que podem não acreditar que o governo não vai dar calote na dívida. Se nem os locais acreditam…

Voltando ao leito. Só existem duas alternativas à austeridade: calote ou inflação, o que vem a dar no mesmo. Não, não existe a alternativa de uma infinita paciência dos credores a juros módicos.

A necessidade de que o Congresso aprove verba suplementar de R$250 bi (na verdade, permissão para aumentar a dívida nesse montante) para pagar despesas básicas é apenas o primeiro sinal de que realmente acabou o dinheiro do governo. A coisa só vai piorar.