A trindade impossível

O crescimento econômico está ao alcance da mão, sua fórmula é conhecida, basta nos livrarmos de amarras ideológicas para a sua implementação. Esta é a tese dos professores da FEA-USP autores deste artigo. As amarras ideológicas seriam, grosso, modo, o Consenso de Washington, que preconizaria, segundo os autores, taxas de juros altas para combater a inflação e equilíbrio fiscal. E qual a fórmula defendida pelos professores? Do ponto de vista macroeconômico, taxas de juros baixas e câmbio administrado. Do ponto de vista microeconômico, aumento do crédito via aumento da competitividade do sistema financeiro e retomada da capacidade de investimento do Estado. Tudo isso levaria a um modelo de exportação de manufaturados, a chave para a retomada do crescimento. Ouvi a palavra “neoindustrialização” aí?

Vamos nos ater às recomendações macroeconômicas dos professores. Para entender seus efeitos, vamos lembrar da “trindade impossível”, um modelo proposto pelo prêmio Nobel Robert Mundell. Segundo este modelo, as seguintes três coisas são impossíveis de acontecer ao mesmo tempo:

– Fluxo livre de capitais

– Câmbio fixo

– Política monetária independente

Volte lá na proposta dos professores. Note que eles propõem câmbio fixo (para manter a indústria competitiva no mercado global) e política monetária independente (para fixar a taxa de juros em níveis “baixos”). Portanto, essa proposta não funciona se o fluxo de capitais for livre. Essa é a parte feia da proposta, e que os professores não mostram. Em outras palavras, para seguir este modelo, o Brasil precisaria fechar suas fronteiras para a saída do capital, tanto estrangeiro quanto dos nacionais.

É fácil de entender porquê: com juros baixos, inflação alta e câmbio fixo, que idiota manteria seu dinheiro no país? Quer um exemplo prático, que está acontecendo agora, enquanto falamos aqui? É só dar uma olhada para o nosso vizinho ao sul, que enfrentará eleições nesse fim de semana em meio a uma grave crise macroeconômica. Câmbio fixo, juros baixos, Estado investidor, o pacote completo.

Mas claro, essa políticas só não foram adotadas por “birra ideológica”, mesmo depois de mais de uma década de governos do PT.

PS.: existe um fetiche pela “exportação de manufaturados”. Austrália e Nova Zelândia exportam basicamente commodities, e são países desenvolvidos. O desenvolvimento de um país se faz com instituições desenvolvidas, e não pela exportação de parafusos.

A cartilha de Peron

Três professores da FEA-USP cometem hoje o primeiro de três artigos sobre a ascensão e queda da Argentina.

Para os luminares, o peronismo (1943-1955) foi uma exceção à regra da decadência. Segundo os doutores, Peron reverteu parte da distância das economias mais desenvolvidas através de uma cartilha populista e desenvolvimentista, favorecendo as camadas mais baixas da população. O incrível na “análise” é que, apesar de reconhecer todos os erros cometidos pelo peronismo, atribuem a queda posterior da economia argentina ao “pensamento ortodoxo”. O maior mal que fez Peron teria sido reforçar o pensamento ortodoxo! É mais ou menos como o sujeito que trai a mulher e depois achar que o maior erro não foi a traição em si, mas sim a sua mulher procurar outro.

Mal posso esperar pelos próximos dois artigos.

O elixir dos desenvolvimentistas

Neste artigo, três professores da FEA, com o pretexto de atacar o regime de capitalização da previdência, na verdade tentam nos convencer de que o problema da Previdência no Brasil se resolve com crescimento econômico.

Ao afirmarem que a reforma não gerará ganhos fiscais no curto prazo e que o problema da Previdência se manifestará apenas ao longo de 40 anos, os professores, na prática, descartam a reforma como algo fundamental. O problema, segundo eles, seria a falta de crescimento econômico.

Esta é a realidade fantástica em que vivem os economistas chamados “desenvolvimentistas”. Para estes, o crescimento econômico é uma espécie de elixir que está sempre à mão para que todos os desequilíbrios deixem de existir como que por mágica.

Imagine que uma família viva acima de sua renda. Ela começa a se endividar para manter o seu padrão de vida, com a confiança de que, no futuro, vai aumentar a sua renda de modo a pagar as suas dívidas. Aliás, ela começa a se endividar para montar um novo negócio, com a esperança de que este novo negócio seja capaz de gerar a renda necessária para pagar tanto as dívidas do negócio em si como as dívidas geradas pelo seu padrão de vida acima de suas posses. Este é o raciocínio dos economistas desenvolvimentistas. Para estes, é possível manter o padrão de vida dos aposentados com o aumento da renda futura das pessoa que trabalham. E se a renda não aumentar? Esta é a pergunta que se fazem os credores hoje.

Mas para estes heróis da resistência desenvolvimentista, a reforma da Previdência deveria ficar em segundo plano e o governo deveria focar fortemente na retomada do crescimento econômico. Afinal, com o crescimento, todo o resto se resolve. Seria uma espécie de moto-contínuo: o endividamento tem importância secundária, desde que se mantenha o crescimento econômico. Este se manteria porque todo mundo sabe que, sem crescimento, a dívida é impagável. Seria uma espécie de bicicleta: se parar de pedalar, todo mundo cai.

Aliás, foi o que aconteceu nos anos Dilma: um governo desenvolvimentista que patrocinou uma série de políticas pró desenvolvimento e deixou uma penca de esqueletos fiscais nos armários da República. Aos poucos, os agentes econômicos descobriram a natureza da brincadeira e pararam de pedalar.

É óbvio que o crescimento econômico é fundamental. Afinal, em casa onde falta pão, todo mundo grita e ninguém tem razão. O busílis é saber como fazer o país crescer. Aliás, o problema fiscal também afeta o crescimento econômico. Na medida em que os agentes econômicos começam a duvidar da capacidade do Estado de fazer frente às suas dívidas, começam a precificar um calote futuro, seja por via de suspensão do serviço da dívida, seja por via inflacionária. Este calote potencial é um claro inibidor de investimentos. E, sem investimentos, não há crescimento econômico. O equilíbrio fiscal não é condição suficiente para o crescimento econômico, medidas para o aumento da produtividade são igualmente fundamentais. Mas é condição absolutamente necessária.

A questão da previdência NÃO se resolve com crescimento econômico. É o justo contrário. Senão, a bicicleta não para em pé. Eu esperaria que os anos Dilma tivessem deixado isso claro. Pelo visto, não.