Ilha da Fantasia

O ministro da Casa Civil, Rui Costa, chamou Brasília de “Ilha da Fantasia”, pois, segundo o ex-governador da Bahia, os políticos não conheceriam a realidade brasileira. Isso porque, no caminho que vai de suas casas até o Congresso, não existiria “gente pedindo comida e gente desempregada”.

O Estadão hoje, no melhor estilo fact checking, desmentiu Costa: há sim “vulneráveis” no caminho entre as residências dos congressistas e a Praça dos Três Poderes. Portanto, Rui Costa não teria sido preciso em sua fala.

Já tive oportunidade de criticar aqui as agências de fact checking, que se atém à superfície da fala e perdem o “big picture”, o real significado do que se está dizendo. Fazem uma análise literal, quando a mensagem principal, na maioria das vezes, está nas camadas subliminares. O resultado, via de regra, é patético, como é o caso aqui.

A escrotidão da mensagem de Rui Costa independe de ter ou não gente pedindo esmola no caminho entre a casa do deputado e seu escritório. O que o petista quis dizer todos nós sabemos: eles têm o monopólio da sensibilidade social, só eles conhecem a realidade dos pobres, só eles buscam o bem dos mais pobres. Tanto faz se todos nós, incluindo os deputados e senadores, tropeçamos com miseráveis todos os dias. A Ilha da Fantasia de Rui Costa é metafórica: todos nós, não petistas, vivemos em uma Ilha da Fantasia e, portanto, não temos “sensibilidade social”. Esse é o sentido da fala do ministro.

Claro que os políticos se revoltaram. Assim como nós, os políticos se revoltam com essa narrativa (para usar a palavra da moda), enquanto veem Lula querendo trocar o avião presidencial por um que possa ter uma cama de casal e o máximo conforto para 100 convidados. A vanguarda do proletariado se trata bem, e já passou muito do tempo em que esse discursinho de comiseração pelos pobres enganava alguém, a não ser os trouxas de sempre.

Um fact checking da fala de Rui Costa deveria checar se o governo do PT realmente olha para os pobres, ou se distribui migalhas enquanto protege os de sempre. Aliás, nesse sentido, a fala do ministro é verdadeira. A Ilha da Fantasia, para quem não se lembra, era uma ilha em que os sonhos das pessoas que ali pousavam se transformavam em realidade. Brasília é isso: empresários pousam em Brasília com seus sonhos, que se tornam realidade. Para ficar completo, falta só o Tatoo anunciando o avião a cada pouso.

A morte da galinha do saneamento

Este post é uma continuação do anterior, trazendo um exemplo concreto de como se mata a galinha dos ovos de ouro.

O marco do saneamento permitiu a assinatura de contratos com empresas privadas, que vão gerar investimentos da ordem de centenas de bilhões de reais nos próximos anos, em uma área que necessita de investimentos mais do que qualquer outra.

Bem, o que está acontecendo? Mais de 500 contratos de estatais encontram-se irregulares segundo o marco do saneamento. Como os políticos que vivem pendurados nessas estatais não querem largar o osso, o governo do PT está “negociando” para chegar a um “acordo” que seja “bom para todos”. Enquanto isso, investimentos privados encontram-se paralisados. Aliás, já no dia 02/01, um dos primeiros decretos do governo Lula mudou atribuições da Agência Nacional de Águas, trazendo incertezas para os investimentos no setor.

Os governos do PT têm esse cacoete, de preferir o investimento estatal ao privado. Quando se trata da Petrobras, o máximo que vamos ter é um combustível mais caro do que o necessário. No saneamento, no entanto, o que temos são crianças doentes por falta de saneamento. Um crime, antes até do que uma sabotagem da produtividade do país. Toda vez que o PT põe a mão em alguma coisa, morre uma galinha dos ovos de ouro.

Quem entende do riscado

Segundo matéria do Valor, o governador petista da Bahia e Jaques Wagner (que dispensa credenciais) anunciaram apoio à candidatura, para a prefeitura de Salvador, de uma outsider, que nem filiada ao partido é. O diretório municipal entrou em ebulição. A pré-candidata é mulher e negra, credenciais importantes nos dias que correm. Mas tem um passivo intransponível, segundo os dirigentes locais: é major da PM. Apesar de comandar a Ronda Maria da Penha, que combate a violência contra a mulher, a major não conseguiria se livrar da “imagem negativa” da PM junto à população mais pobre, e teria dificuldade de obter apoio dos “movimentos sociais”.

Corte rápido para uma notinha hoje no Estadão (abaixo), dando conta de que pesquisas estão captando a força do apoio de Bolsonaro no Nordeste, e que líderes de esquerda estariam preocupados com essa tendência.

Rui Costa, Jaques Wagner e, obviamente, Lula, sabem para onde sopram os ventos. Uma candidata PM é claramente uma tentativa de neutralizar o avanço de Bolsonaro em seu território. Aparentemente, o povo pobre não tem assim tantas críticas à atuação da PM como supõem os movimentos sociais em suas bolhas. Pelo menos, é isso o que pensa quem entende de política dentro do partido.

Imagine os radicais

Esse é Rui Costa, o governador do PT mais bem votado do Brasil. Ele prega o diálogo. Um ponto de união.

E começa sua entrevista chamando a oposição de golpista e colocando a crise no colo de quem votou o impeachment.

Esse é o moderado. Imagine os radicais.