Se o dados não me obedecem, danem-se os dados

Tirar conclusões de eventos isolados é bom para criar manchetes, mas não serve de nada quando se quer analisar uma realidade. Por isso, em economia, sempre trabalhamos com dados agregados, e tomamos muito cuidado com correlações espúrias e relações de causalidade.

Nesse sentido, é até compreensível que os responsáveis pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública tomem cuidado ao relacionar o aumento do número de armas em poder da população com a diminuição do número de assassinatos desde 2019, conforme podemos observar no gráfico de seu último anuário.

De fato, pode ser que haja outros fatores que levaram a essa redução, que teria ocorrido APESAR do aumento do número de armas em circulação. Ou seja, o sucesso das políticas de segurança pública foram tão retumbantes a partir de 2019, que conseguiram remar na direção certa mesmo com um forte vento contrário.

Até aqui, a boa prática no exercício da análise estatística. No entanto, começamos a desconfiar das intenções do pesquisador quando este toma carona em eventos isolados para defender a sua tese, como é o caso dessa matéria.

Imaginemos o inverso: e se o número de assassinatos tivesse se elevado ao invés de cair? O mesmo cuidado de separar correlação de causalidade teria sido tomado? O aumento de armas em circulação seria tomado como mais um fator para explicar a criminalidade, ou como O fator único?

São questões retóricas, claro. O que mostra que o que eu penso vem antes dos dados. E se os dados não ornam com o que eu penso, danem-se os dados.

Onde a segurança “dá certo”

Parece que tem uma nova série no HBO, versando sobre o PCC. Diretor e produtor da série nos dão, em artigo publicado hoje, um gostinho do que nos espera.

A tese é surrada: o PCC nasceu nas prisões paulistas como fruto da repressão policial, traduzida em encarceramento seletivo e tortura. O PCC, portanto, seria uma forma de as vítimas do sistema se organizarem para lutar contra injustiças.

O tom cômico do artigo vem com os “conselhos” dado pelos artistas à polícia paulista: “investigação e prevenção inteligente de ações criminais” e “regulação estrita de armas de fogo e mercados ilegais”. O pessoal da segurança pública deve estar coçando a cabeça e pensando, “puxa, como não pensamos nisso antes?”. Claro que nada disso funciona sem “justiça social”. Claro.

Como a cereja do bolo cômico, os artistas introduzem seus conselhos com a frase “onde a segurança dá certo”. É de se perguntar: onde a segurança “dá certo”? São Paulo é, de longe, o estado mais seguro do Brasil por qualquer métrica. Coincidentemente, no mesmo jornal, temos uma notinha informando que foram registrados 288 homicídios dolosos na cidade de São Paulo no primeiro semestre deste ano, o menor índice dos últimos 21 anos.

Isso é equivalente a 5,2 homicídios por 100 mil habitantes, índice semelhante a de muitas cidades dos Estados Unidos. Se há um lugar onde a segurança “dá certo” no Brasil é São Paulo. Não é um lugar seguro, mas no contexto brasileiro, é o melhor que temos.

Como em toda leitura de uma realidade, a lente dos roteiristas e diretores nos contam a história desde um determinado ponto de vista. A julgar pelo artigo escrito pelos responsáveis pela série, esta é uma que não vai fazer falta no meu acervo.

Quem se importa com os dados?

A reportagem do Valor Econômico pretendia chamar a atenção para um suposto aumento da atitude crítica dos mais pobres em relação à polícia. O único problema é que os dados não conversam com a tese.

A questão é que antes (2014), pobres e ricos tinham uma percepção semelhante em relação à polícia. Agora, os pobres têm uma percepção mais crítica se comparados com os mais ricos. O ponto é que, para que a manchete estivesse correta (“população de baixa renda começa a enxergar forças policiais de forma mais crítica”), a comparação correta deveria ser contra a percepção dos mesmos pobres no período anterior. Quando fazemos essa comparação, constatamos, na verdade, uma ligeira melhora: em 2014, 46% dos pobres tinham visão negativa da polícia, contra 40% hoje.

Ocorre que essa melhora foi muito maior entre os mais ricos. Então, a manchete correta deveria ser: ”imagem da polícia melhora substancialmente entre os mais ricos, e menos entre os mais pobres”. Ou seja, houve uma melhora generalizada, mais concentrada entre os mais ricos. O ridículo da manchete escolhida é que se a imagem da polícia não tivesse melhorado, não haveria notícia.

O fato é que a imagem da polícia melhorou nos últimos 8 anos, mais entre os mais ricos, menos entre os mais pobres, mas melhorou para todos. Esses são os dados. Mas quem se importa com os dados?

A metade que se tornou manchete

“Homicídios aumentam em seis regiões de SP”

Li a manchete e logo me saltou aos olhos a falta de uma informação fundamental para avaliar a notícia: quantas regiões existem em SP? É óbvio que a informação percentual nos daria uma noção melhor do que está acontecendo. Se essa informação não está lá, é porque não orna com o objetivo da manchete.

Batata: são doze regiões. De modo que uma manchete “Homicídios aumentam em 50% das regiões de SP” seria igualmente verdadeira, mas não cumpriria a sua missão. É claro que “Homicídios diminuem em seis regiões de SP” também seria verdadeira, mas nem pensar.

As regiões que tiveram aumento de homicídios têm um problema, o Estado de SP não necessariamente. Para avaliar a questão estadual é preciso analisar o número agregado. Este aparece no meio da reportagem e no gráfico anexo: aumento de 3,22% de homicídios entre 2019 e 2020.

3,22% é um número para se preocupar? É o início de uma tendência? É só erro estatístico? Essas são as questões relevantes, mas que certamente não justificam manchetes bombásticas.

Não sou especialista em crime, mas entendo um pouco de gráficos e números. Este aumento de 3,22% parece mais uma oscilação dentro de uma tendência geral de queda. Ou pode significar a interrupção dessa tendência, em que os números vão girar em torno de 8,0-8,5 daqui em diante. Afinal, não custa lembrar o fato óbvio de que o Estado de SP está dentro de um país chamado Brasil, cujo índice de homicídios é de 26 por 100 mil/ano. SP é um oásis neste aspecto, o menor índice brasileiro, mas tudo tem um limite: não dá para ter índices japoneses estando dentro do Brasil. Talvez 8 seja este limite, vamos verificar nos próximos anos.

Arma na mão

Mais um “tema polêmico” vai desfilar na Sapucaí. Além do “momento Porta dos Fundos” na Marquês de Sapucaí, a letra do samba-enredo da Mangueira também se dedica a “provocar Jair Bolsonaro”, com o trecho “o futuro não tem Messias de arma na mão”. Letra sob medida para embevecer a intelectualidade da zona sul.

Por curiosidade, fui ver o mapa de votação de Bolsonaro na cidade do Rio há pouco mais de um ano. O capitão ganhou em TODAS as seções eleitorais da cidade no primeiro turno. Nas seções em verde mais claro (zona sul), as votações foram inferiores a 50%. Ou seja, ele ganhou, mas não de maneira avassaladora como nas periferias e favelas.

E como foi a campanha de Bolsonaro? Com ou sem arma na mão? Pois é…

Se Bolsonaro perder a próxima eleição na cidade, pode ter certeza de que foi porque não cumpriu sua promessa de colocar ordem na casa. Com arma na mão.

Privacidade vs. Segurança

Os “especialistas”, quando consultados, insistem na ideia de que a violência não é necessária no combate à criminalidade, bastaria o uso de “inteligência”. Por inteligência entende-se aprimorar a capacidade de investigação, o que supostamente diminuiria a necessidade de confrontos com mortes, ao focar a ação nos bandidos, deixando inocentes de fora.

Pois bem, o governo de São Paulo está investindo em equipamentos de monitoramento, justamente para aumentar a “inteligência” no combate à criminalidade. Mas os “especialistas” alertam que esse tipo de coisa aumenta o isco de “esteorotipação” e da criação de “zonas de exclusão”, o que quer que isso signifique. Ou seja, para esses “especialistas”, a polícia deve agir com inteligência, mas com uma venda nos olhos. Isso aí não é inteligência, é o Neo cego lutando contra Matrix, só funciona em filme.

O autor da reportagem diz que o governo está comprando esse equipamento “sob o argumento” de melhorar o combate à criminalidade. Ao substituir a proposição “para” pela locução “sob o argumento”, o repórter faz a suposição de que o governo, na verdade, tem outras intenções. Pelo tom da reportagem, as verdadeiras intenções do governo são “criar zonas de exclusão” ao estereotipar a população pobre e bisbilhotar os cidadãos. Aliás, o título da reportagem faz menção aos “paulistas” de maneira genérica, não à bandidagem.

De fato, há um trade off insolúvel entre combate à criminalidade e privacidade. Mas, com as devidas salvaguardas legais (e os responsáveis pelo projeto as descrevem de maneira satisfatória, em minha opinião), se este for o preço a pagar para diminuir a criminalidade, podem me bisbilhotar à vontade, eu não tenho nada a esconder. Minha resposta aqui aos “especialistas” é a mesma que dou aos advogados criminalistas que alegam defender meus “direitos de cidadão” quando, na verdade, estão defendendo o direito dos bandidos de não serem presos: me incluam fora dessa.

Mais um “campeão nacional”

A política de “Campeões Nacionais” continua dando seus frutos, para desespero de seus detratores.

O PCC é a mais nova multinacional genuinamente brasileira, que leva o nome do Brasil além-fronteiras, trazendo divisas para o país e fortalecendo a economia nacional.

Sem risco de dar certo

No dia em que mais uma vez fica escancarada a selva em que vivemos, com 58 mil assassinatos em um ano, o foco das matérias (Folha, Globo, Estado, you name it) é na letalidade policial.

Com essa mentalidade, não corremos o menor risco de diminuir a violência.