Perda de tempo e energia

Não sou um grande conhecedor da teoria econômica. Somente observo atentamente o comportamento dos agentes econômicos e tiro minhas conclusões. Minha premissa básica é que o teste da realidade é o definitivo para entender se uma teoria funciona ou não.

Com relação à pretendida moeda única do Mercosul, que serviria para as transações comerciais entre os países do tratado, observo que, hoje, as transações ocorrem em dólares. Ou seja, argentinos não aceitam reais e brasileiros não aceitam pesos argentinos como pagamento por suas respectivas exportações. Isso é um fato, não há o que discutir.

E por que isso acontece? Provavelmente porque o BC brasileiro não compra pesos argentinos para as suas reservas, nem tampouco o BC argentino compra reais para as suas reservas. E por que os BCs dos dois países não aceitam as moedas de seus vizinhos? Porque sabem que são inúteis no mercado global para comprar títulos de países sérios para compor suas reservas internacionais. Nossos papéis pintados não têm curso internacional.

E por que uma moeda do Mercosul, lastreada nesses papéis pintados, seria aceita globalmente? Mistério. Os exportadores de ambos os países receberiam o Sur e fariam o que com isso? Os BCs locais comprariam a nova moeda? E fariam o que com essa moeda? O Sur faria parte das nossas “reservas internacionais”? Medo.

Esse tipo de ideia sempre me lembra o episódio do South Park que já citei aqui, em que os garotos vão até uma caverna de duendes para aprender como as empresas funcionam, e os duendes apresentam um plano infalível para ficarem ricos:

Fase 1: juntar cuecas

Fase 2: ?

Fase 3: ficar rico

A falta da fase 2 não intimida os duendes, que continuam a acreditar piamente em seu plano. Aqui, o mesmo:

Fase 1: estabelecer o Sur

Fase 2: ?

Fase 3: a indústria dos países se desenvolve

A ligação de uma coisa com a outra é a mesma de juntar cuecas esperando ficar rico. Mas os duendes não se deixam vencer.

Não é a primeira vez que macaqueamos ideias sem ter condições para tanto. Em 2008, o governo Lula criou o Fundo Soberano para receber os excedentes da exportação de petróleo do pré-sal, quando ainda estava a milhares de metros debaixo do mar. A ideia teve um custo fiscal não desprezível, e só serviu para fazer parte da mutreta da capitalização da Petrobras. Foi extinto em 2019 e, em toda a sua existência, não recebeu um centavo dos tais “excedentes de exportação”.

O pior dessas ideias não são nem os seus efeitos econômicos, que costumam ser nulos. O problema é a quantidade de energia e homens-hora desperdiçados em projetos inúteis, que tiram o foco de funcionários públicos que, de outra forma, poderiam estar pensando em como resolver problemas bem mais importantes para o desenvolvimento do país.

Falta a fase 2 do plano

Já disse aqui que tenho um amigo que se converteu ao bom mocismo esquerdista. Sendo classe média alta, tem insistido no fato de que a distribuição de renda no país é muito injusta, que deveríamos taxar fortunas, que o capitalismo não funcionou para distribuir riqueza e outras coisas do tipo. O último samba de uma nota só é o programa de renda mínima do Suplicy. Segundo meu amigo, é a solução para o problema da distribuição de riqueza no país.

Sempre que converso com esse meu amigo, não consigo deixar de lembrar de um episódio do South Park, em que os garotos entram em uma caverna de duendes em busca de orientação sobre como as empresas funcionam.

Os duendes, por sua vez, estão colocando em prática um plano infalível para fazer lucro:

Fase 1: Acumular cuecas

Fase 2: ?

Fase 3: Fazer lucro

Os garotos não entendem bem como acumular cuecas gera lucros, mas os duendes estão convencidos de que vão lucrar muito com o negócio, mesmo não tendo ideia de qual é a fase 2 do plano.

Esquerdistas-raíz, também conhecidos como comunistas, têm um plano bem definido, em que sabem bem qual é a fase 2:

Fase 1: Instalar uma ditadura

Fase 2: Expropriar os meios de produção e produzir tudo de acordo com “as necessidades do povo”.

Fase 3: Povo feliz, cada um produzindo conforme sua capacidade e consumindo conforme sua necessidade.

Bem, vimos onde foi parar a antiga União Soviética, e onde estão hoje Cuba, Venezuela e Coreia do Norte. Os comunistas descobriram, da pior maneira possível, que a fase 2 não leva até a fase 3.

Mas existem os esquerdistas-bom moços. Não são trogloditas como os comunistas, não pensam em instaurar uma ditadura e nem expropriar meios de produção. Seu plano é bem mais fofo:

Fase 1: Implementar um programa de renda mínima (aqui pode ser qualquer programa social)

Fase 2: ?

Fase 3: Todos se tornam mais ricos e felizes

A fase 1 não parece tão ridícula quanto “acumular cuecas”, mas o efeito prático é o mesmo. A ideia é de que existe um caminho mágico entre o programa social e a riqueza das pessoas, como se o dinheiro necessário brotasse das cuecas dos duendes.

Este tipo de pensamento mágico é o que faz com que a esquerda esteja sempre pensando em “um outro mundo possível”, enquanto nunca passamos da Fase 1 no mundo concreto onde vivemos. Isso acontece porque a Fase 2 é muito complexa: envolve produzir mais com menos recursos, melhorar a qualidade do capital humano, atrair investimentos produtivos, diminuir a burocracia que impede o empreendedorismo e uma longa lista de medidas que poderiam fazer o dinheiro brotar para financiar o plano.

Tudo isso, no entanto, é um tanto “neoliberal” e, portanto, não conta com a simpatia do bom-mocismo esquerdista. Melhor é gastar energia na Fase 1, juntando cuecas.