Prescrição

O problema, obviamente, não se resume à prescrição da pena. A prescrição é apenas o coroamento de um problema maior: a lentidão do sistema todo.

Digamos que esse projeto seja aprovado. O sujeito continuará solto praticamente ad eternum, à espera do julgamento de todos os embargos no Supremo. A protelação, que hoje tem o seu fim na prescrição de pena, não terá fim nunca. A arte da protelação será levada aos cumes da perfeição.

Quem deve estar esfregando as mãos são os advogados criminalistas, que terão clientes eternos.

Cláusula pétrea

O busílis está no inciso LVII (57, pra quem não curte algarismos romanos) do artigo 5o da Constituição: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Bem, não está escrito “ninguém será PRESO até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Diz apenas que não será considerado culpado.

Resta saber se tem algum inciso dizendo que é possível prender alguém que não seja considerado culpado.

O inciso LXI (61) diz o seguinte: “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente,…”

Não está escrito “ninguém será preso antes que se prove culpado” ou “ninguém será preso antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Está escrito que basta a ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente. Senão, não seria possível a prisão provisória, por exemplo.

Bem, esta é a interpretação de um completo ignorante em matéria constitucional. No caso, eu. Comigo, estão 5 ministros do Supremo, o que, para mim, é o que basta.

Mas o ponto que queria tocar é outro.

O inciso LVII pertence ao artigo 5o, que se refere aos Direitos e Garantias Fundamentais. Estes Direitos e Garantias, segundo o parágrafo 4o do art. 60, são cláusula pétrea. Não podem ser modificadas nem com uma Proposta de Emenda Constitucional.

Em outras palavras: se os congressistas porventura aprovarem uma emenda estabelecendo a prisão após condenação em 2a instância, é bem provável que alguém entre com algum daqueles muitos instrumentos junto ao STF pedindo a inconstitucionalidade da medida. Adivinha o que vai acontecer.

Somos escravos de uma Constituição que consagra a impunidade como cláusula pétrea.

Respeito à jurisprudência

Os editoriais do Estadão são absolutamente insuspeitos na defesa intransigente do Estado Democrático de Direito e no respeito à Constituição. Muitas vezes discordo de seus posicionamentos à respeito da atuação da força-tarefa da Lava-Jato.

O editorial de hoje, sobre a posição do STF a respeito das prisões após condenação em 2a instância, está irretocável. Representa minha última palavra sobre o assunto.

Estado Democrático de Direito dos Gatunos

Texto tirado do jornal O Estado de São Paulo

Na minha santa ingenuidade, pensei que o julgamento sobre a prisão após condenação em 2a instância não atingiria o molusco. Afinal, ele já foi condenado em 3a instância, o STJ.

Mas parece que ainda não foram esgotados todos os recursos no STJ. Tem ainda os embargos infringentes dos embargos de declaração dos embargos da putaquepariu. Data maxima venia.

A nossa única esperança de Lula continuar preso é o próprio Lula. Como o presidiário-mor da nação já afirmou que só sai da prisão se sua inocência for reconhecida, então ele deveria continuar preso. Mas acho que desse susto não morremos.

Um escárnio. Sim, um escárnio. Mas nada surpreendente em um país que está acostumado a rir da cara de seus cidadãos. Aos que ainda se perguntam como um sujeito como Jair Bolsonaro foi eleito presidente da República, basta vê-lo como uma reação de escárnio ao escárnio.

Depois, gastam-se rios de tinta para entender porque as democracias morrem. Não é preciso ir longe. Quando gatunos confessos se escondem atrás do Estado Democrático de Direito, não há mais porque defender o Estado Democrático de Direito.

O absurdo do inquérito do STF

Janaína Paschoal descreve em poucos tuítes o absurdo que está se passando no STF hoje.

Mas fiquem sossegados os corações timoratos, que temem pelas instituições brasileiras: a Lei do Abuso de Autoridade não alcançará o Egrégio Colegiado.

Não é o fim do mundo, é só um pouco mais do mesmo

Era uma questão de tempo, iriam inventar algum pretexto para anular as sentenças da Lava-Jato. Uma “filigrana jurídica”, como disse Fux.

Se não fosse o caso das alegações finais do delatado, seria o caso do réu que não teve permissão para ir ao banheiro ou do promotor que tamborila com os dedos na mesa, atrapalhando a concentração da defesa. Qualquer coisa serviria como filigrana. Espanta-me que tenha demorado tanto tempo. A força da opinião pública segurou a onda por um certo tempo, mas, mais cedo ou mais tarde, iria acontecer. Ninguém desafia o DNA de um país ad eternum.

Lembro de um depoimento do Joesley Batista, em que ele descreve uma negociata qualquer. Não lembro dos detalhes, mas chamou-me a atenção uma parte em que ele afirma que havia tomado o lugar, no negócio, de uma empresa americana que não havia topado o “esquema”.

Ligo este depoimento a uma matéria de hoje, onde o ministro da infraestrutura mostra entusiasmo com o potencial de investimento dos estrangeiros no Brasil. Sim, há muito potencial, desde que as regras sejam claras, os contratos sejam respeitados e não haja corrupção. Caso contrário, o tal potencial será aproveitado pelos escroques de sempre.

A Lava-Jato foi uma janela aberta para o mundo desenvolvido, onde a corrupção é punida com rigor. Essa janela se fechou. O ministro da infraestrutura pode esperar sentado os investidores estrangeiros. A exemplo dos turistas que vêm para o Brasil fazer turismo sexual, virão os investidores, em sua maioria, que estão “acostumados com a sujeira”.

– Ah, mas o governo do Bolsonaro é limpinho.

Pode até ser. Mas não se trata de uma pessoa, mas de instituições. O governo Bolsonaro passa, as instituições ficam. Além disso, não é que Bolsonaro esteja se mostrando um grande entusiasta do trabalho dos procuradores.

Todos enchem a boca quando pronunciam a palavra “Constituição”. Todos se auto-declaram “guardiões da Constituição”. Infelizmente, no Brasil, a Constituição não passa de um papel pintado, assim como nossa moeda. Tivemos tantas Constituições quanto moedas, o que apenas demonstra a falta de respeito do País por si mesmo.

Não é o fim do mundo. É só um pouco mais do mesmo.

Prioridades

Sim, as duas notícias estão no mesmo jornal.

O “estudo conceitual” do museu do STF, onde estão as togas de antigos ministros, vai custar módicos R$240 mil, que serão pagos a um escritório de arquitetura de grife.

Não sei quanto é um salário de estagiário no STF, mas na iniciativa privada, esse dinheiro daria para sustentar 10 estagiários durante um ano. Mas o museu deve ser mais importante.

Argumentos técnicos

Como se vê pelo voto de Gilmar Mendes, a anulação da sentença de Bendini contou com argumentos técnicos e bem embasados. Fico feliz de ter um Supremo que restabelece as bases da verdadeira justiça no País, aquela que garante o “direito de defesa” ad infinitum.

(Por aqui paro, que não quero ser alvo de busca e apreensão por parte da polícia do Supremo).

A nova fronteira da democracia

“De 513 (deputados), mais estatuais e municipais que nós elegemos, pusemo-nos nas mãos de 11 nomeados dos quais, para nos arrancar a pele, bastam 6. Isso se ninguém recorrer à ‘monocracia’!”. Trecho do artigo de Fernão Lara Mesquita, hoje, no Estadão.

O impeachment de ministros do STF é a nova fronteira da democracia brasileira.