Estou estupefacto. Não é possível, deve haver algum engano. Quer dizer então que a ajuda dada aos empresários para que eles contratassem empregados ficou com os próprios empresários??? Quem diria!
Pode parecer que sou contra empresários. Nada mais longe da realidade. Amo os empresários. E os amo justamente porque eles fazem isso que fizeram: maximizaram os seus lucros. O problema não está nos empresários. O problema está no governo, que, por interesse político, não foca corretamente esses programas de ajuda.
O que aparentemente aconteceu foi o seguinte: o auxílio foi tão desproporcionalmente grande, que uma parte relevante dos empresários não precisava realmente daquele auxílio, porque poderiam manter seus negócios funcionando normalmente. Mas como o dinheiro estava lá e as regras foram flexibilizadas, fizeram o que qualquer um faria: pegaram o dinheiro.
Foi mais ou menos o que aconteceu com o FIES aqui: o programa foi tão grande, com regras tão flexíveis, que as faculdades inscreviam no FIES mesmo alunos que já estavam matriculados, só para se livrar do risco de inadimplência. Resultado: inchaço do programa e um rombo que ninguém sabe como será pago.
E por que os governos fazem isso? Para aparecerem bonitos na foto. O governo Biden, assim como o governo Lula no caso do FIES, podem bater no peito e exibir números grandiosos de seus programas de ajuda. Os empresários agradecem.
Editorial do Estadão repercute matéria do mesmo jornal, dando conta do aumento do custo da eletricidade nos últimos 7 anos, muito acima da inflação média.
A eletricidade, assim como a maior parte dos bens de consumo no país, é altamente taxada. É a escolha que fizemos: taxar o consumo ao invés de taxar a renda, como acontece nos países mais desenvolvidos. A taxação sobre o consumo é mais regressiva do que sobre a renda, pois alcança igualmente pobres e ricos. Todos pagam o mesmo imposto, pois não há diferenciação de preços por tipo de consumidor.
No caso da eletricidade, no entanto, há sim diferenciação de preços. Consumidores rurais, de energia solar e de baixíssima renda contam com subsídios, distribuídos por entre aqueles que não têm direito à tarifa diferenciada. Estes subsídios funcionam como um imposto adicional. Se estivessem no orçamento ao invés de na conta de luz, poderia significar um desconto de 9% na conta. Mas é mais fácil aprovar um subsídio que ninguém vê do que achar espaço no orçamento.
Além disso, estamos pagando a conta de populismos do passado. A MP 579, com a qual a então presidente Dilma Rousseff baixou as contas de luz em 20% em 2013, não passou de um exercício de prestidigitação: o custo da eletricidade não baixou um real, foi apenas adiado com juros e correção. Ainda estamos pagando essa conta, na forma de encargos na CDE, Conta de Desenvolvimento Energético, um nome desenvolvimentista para o cemitério aonde aportam todos os esqueletos do setor.
E a CDE já está preparando mais covas, com os jabutis aprovados pela MP da privatização da Eletrobrás. Construção de termoelétricas em lugares estapafúrdios e reserva de mercado para pequenas hidroelétricas prometem novos encargos a serem pagos pelo consumidor de eletricidade do futuro.
No Brasil, o populismo é árvore frondosa, que abriga sob sua sombra governos de todas as cores.
Em Brasília funciona um grande escritório de planejamento central, onde centenas de técnicos altamente capacitados, auxiliados por softwares de inteligência artificial cada vez mais sofisticados, otimizam a atividade econômica brasileira, maximizando a produtividade e permitindo a melhor distribuição de renda possível. Trata-se do DUMB – Departamento da Uniformização Microeconômica Brasileira.
Poucos conhecem, mas o DUMB vem prestando relevantes serviços ao país nos últimos séculos, ao desenhar intervenções cirúrgicas que remediam os desequilíbrios causados pela livre concorrência. Eu disse séculos? Sim! O DUMB foi criado junto com o Estado Brasileiro, quando a família real mudou-se para essas terras, e tudo tinha que passar pela benção do imperador. A partir daí, o DUMB só fez crescer e se fortificar, ajudando a transformar o Brasil nessa potência econômica que é hoje.
A notícia abaixo é apenas mais uma contribuição do DUMB.
Depois de muitos estudos e simulações macroeconometricas, a indústria química perdeu para as empresas aéreas na planilha dos técnicos do departamento. Os químicos podem espernear à vontade, mas a ciência econômica mostrou, por A + B, que as empresas aéreas são estrategicamente mais importantes, da mesma forma que 17 setores (não 16 ou 18, mas 17) mereciam a colher de chá da desoneração da folha ou que Manaus e não Belém ou Teresina merece uma zona franca.
Os modelos usados pelo DUMB são tão bons que levam em consideração o poder de lobby dos diversos setores. A ideia é que, se o lobby é realmente forte, aquele setor deve, de fato, contribuir mais para o crescimento do país. Isso é inteligência artificial na veia. Por isso, se a indústria química conseguir, no Congresso, reaver seus “direitos”, pode ter certeza que os modelos do DUMB serão recalibradas para absorver essa nova informação.
As grandes linhas de pensamento econômico se definem pelo papel que dão ao Estado na economia. O Estado é a forma que os seres humanos encontraram para resolver os seus problemas comuns. Trata-se de uma instância superior, com poderes especiais, exercidos por pessoas que chegam ao poder de acordo com regras estabelecidas de comum acordo ou através da força bruta. As relações econômicas entre os seres humanos são dos maiores problemas a que o Estado é chamado a intervir.
Neste continuum da ação do Estado na economia, costumo identificar quatro pontos de referência, ilustrados pela figura abaixo:
Marx previu que a centralização de tudo no Estado seria um estágio intermediário necessário para que o proletariado finalmente tomasse o poder. Uma vez que todos os meios de produção pertencessem ao Estado, este, em determinado momento, não seria mais necessário, pois o Estado nada mais era do que a encarnação do proletariado. O que se viu é que nunca se passou para a fase seguinte do jogo.
Isto nos leva ao outro extremo, o Anarquismo. Etimologicamente, anarquia significa ausência de hierarquia, ou de governo. Como disse Bakunin, um dos principais pensadores anarquistas, “quem diz Estado, diz necessariamente dominação e, em consequência, escravidão; um Estado sem escravidão, declarada ou disfarçada, é inconcebível; eis porque somos inimigos do Estado”. Mas, como em tudo na vida, os extremos se tocam. Os anarquistas estiveram associados aos principais movimentos sindicais do início do século XX, lado a lado com os comunistas, propondo o fim do capitalismo como solução para a exploração do homem pelo homem. No Estado capitalista, uma minoria usa os instrumentos de poder para oprimir a maioria. Para comunistas e anarquistas, o problema está no Estado. Ambos propõem o fim do Estado, mas somente os comunistas têm um roadmap que lhes permite tomar o poder. Como vimos, o plano comunista de eliminar o Estado não foi em frente, muito pelo contrário. No caso do anarquismo, como eliminar o Estado completamente não é em si um plano factível, nunca se constituíram em uma força política relevante.
O que nos interessa, pelas suas consequências práticas, é o que vai no meio. Temos duas formas intermediárias de intervenção do Estado no domínio econômico: o Nivelamento e a Coordenação.
No Nivelamento, o Estado serve apenas para nivelar o campo de jogo entre os diversos agentes da sociedade. Temos duas dimensões deste nivelamento:
Leis e enforcement da lei (força policial e sistema judiciário), que permitem que os agentes econômicos possam ter segurança sobre quais são as regras do jogo, e que essas regras serão obedecidas por todos.
Mitigação do gap de renda, de modo que as pessoas que tiveram azar de nascer em famílias desfavorecidas economicamente, têm no Estado um suporte para preencher este gap em relação aos nascidos em famílias mais favorecidas. Este suporte se traduz em educação, saúde, saneamento básico, enfim, investimentos na capacitação do capital humano. Estão nesta categoria as diversas bolsas-auxílio, que colocam dinheiro no bolso dos mais pobres.
Por fim, a Coordenação. Neste ponto, ao Estado se lhe confere o poder de coordenar os agentes privados, de acordo com planos concebidos com a técnica mais apurada. Não se trata de centralização, os meios de produção são privados, mas a atuação dos agentes privados é condicionada e dirigida por regras discricionárias do Estado.
Com a queda dos principais regimes comunistas no início da década de 90, sobraram poucos exemplos de Estados puramente centralizados. Talvez Coreia do Norte. Até Cuba permitiu a existência de empresas privadas, ainda que de maneira bastante controlada. Então, a maior parte dos regimes econômicos do mundo, hoje, oscila entre o modelo de Coordenação e o modelo de Nivelamento, com algumas pitadas de Centralização, como a China.
Para quem quer ter uma noção histórica sobre as idas e vindas entre os modelos de Coordenação e Nivelamento, sugiro o excelente livro Keynes vs. Hayek, que conta a história de dois dos economistas mais influentes do século XX.
Keynes é o papa da intervenção estatal na economia, enquanto Hayek defendia a soberania das decisões individuais e empresariais de investimento e consumo como a única forma de criar riqueza permanente.
Keynes foi o criador da macroeconomia, ou seja, a explicação do comportamento dos grandes agregados monetários, do câmbio, da taxa de juros, enfim, de tudo o que afeta a economia de um país de maneira global. O economista inglês formula suas teorias olhando o mundo desde cima, do ponto de vista do Estado. Por isso, é o Estado que tem a chave do crescimento e da estabilidade econômica.
Keynes foi um crítico acerbo das penalizações à Alemanha após a 1ª Guerra Mundial, e o Plano Marshall, que permitiu a reconstrução da Europa após a 2ª Guerra, deve muito à sua pregação em favor do investimento estatal. Apesar de o New Deal de Roosevelt ter se dado em linha com as teorias de Keynes, foi nos 30 anos após a 2ª Guerra que o keynesianismo atingiu seu apogeu. O papel do Estado era inquestionável, com montanhas de recursos estatais sendo investidos em infraestrutura e na corrida espacial. Até congelamento de preços houve, nos estertores desse ciclo, com Nixon.
Com a grande estagflação da década de 70, o keynesianismo cai em desgraça, dando lugar a Hayek e seus discípulos, sendo o mais famoso Milton Friedman.
Hayek analisava a economia do ponto de vista das decisões das pessoas e das empresas. É o que chamamos de microeconomia. Seu ponto de vista é de baixo para cima, sendo o Estado apenas um mal necessário. Suas teorias eram extremamente obscuras, não contando com o charme das grandes explicações macroeconômicas de Keynes. Hayek ficou famoso não pelas suas teorias econômicas, mas por conta de um livrinho mais sociológico do que econômico, O Caminho da Servidão, em que desfia o seu ceticismo com relação ao dirigismo econômico, que inexoravelmente resultaria no fim da liberdade do indivíduo.
Keynes e Hayek representam o eterno debate sobre o papel do Estado na economia. Eu me coloco do lado daqueles que defendem que o Estado tem um papel a cumprir no Nivelamento de oportunidades, mas não na Coordenação dos agentes econômicos.
O falso debate
Uma das formas de se ganhar um debate é imputar ao seu adversário uma tese absurda, contrapor esta tese e dizer que ganhou a discussão.
Este artifício é muito comum no debate sobre o papel do Estado na economia. Por exemplo, costuma-se apontar para uma favela e dizer que aquilo é o resultado de um Estado mínimo. Aquela situação teria sido criada pela ausência do Estado, não pelo seu excesso. Outro exemplo: as grandes crises econômicas e financeiras. Acusa-se os que defendem um Estado mínimo de que sua convicção só vai até a página 2. Quando ocorre uma crise, todos saem correndo a pedir penico ao papai Estado.
Por que este é um falso debate? Por que defender um determinado papel para o Estado não significa defender a ausência do Estado. Pelo contrário.
No primeiro exemplo, a ausência do Estado que cria a favela tem sua origem justamente no foco errado do papel do Estado. Enquanto se perde em políticas de coordenação da atividade econômica, as ações de nivelamento de oportunidades são fracas. Aliás, as políticas de coordenação, que normalmente são sequestradas pelos mais ricos, drenam os recursos escassos do Estado, sobrando pouco para as políticas de nivelamento. Veremos mais sobre isso quando abordarmos o caso específico do Brasil.
No caso da atuação dos governos nas grandes crises econômicas, não cabe reparo, ainda que sua intensidade possa ser discutida. Aqui estamos falando da suavização dos ciclos econômicos típicos da economia capitalista. A atuação dos Bancos Centrais e, em casos extremos, a edição de pacotes fiscais, servem para minimizar a dor das oscilações econômicas. Ainda que se possa argumentar que esta não seja a forma ótima de fomentar o crescimento econômico (afinal, ao suavizar o ciclo, o Estado está prolongando a vida de negócios pouco produtivos), não é viável politicamente deixar que recessões se aprofundem sem limites. Então, a intervenção do Estado nos ciclos econômicos talvez seja o único caso em que algum nível de coordenação se justifique. No entanto, usar esse caso particular para justificar a coordenação estatal de toda atividade econômica vai uma distância galáctica.
O Brasil neste debate
No momento em que escrevo este artigo, está sendo debatido no Congresso a extensão da isenção da contribuição patronal para o INSS de 17 setores econômicos escolhidos. A ideia é fomentar empregos, na medida em que esses 17 setores englobam as empresas que supostamente mais empregam no país.
Esta isenção é um exemplo perfeito do Estado como coordenador da atividade econômica. Discricionariamente, o Estado escolheu 17 setores econômicos, e os brindou com uma isenção de impostos. Por que não 10 setores? Ou 30? Será este o melhor uso possível para o uso dos recursos escassos do Estado? Não haveria outras formas menos onerosas de criar empregos?
Temos um fetiche pelo Estado coordenador. São inúmeras as políticas discricionárias que beneficiam setores e corporações que têm melhor trânsito em Brasília. Em artigo recente na Folha de São Paulo, o economista Marcos Mendes lista, além da isenção da folha de pagamentos, outras 5 políticas governamentais que elegem vencedores às custas do restante da sociedade: a inclusão dos caminhoneiros no regime MEI, o próprio regime MEI (apenas 16% dos participantes estão entre os 50% mais pobres), a Zona Franca de Manaus, o Rota 2030 e o programa Renovabio.
Poderíamos ficar aqui horas citando programas, regimes especiais, subsídios, enfim, instrumentos do Estado para coordenar a atividade econômica. O Brasil inclina-se firmemente para a Coordenação, com certas pitadas de Centralização. A maior empresa brasileira é uma estatal e, dos 5 maiores bancos, dois são estatais. Até pouco tempo atrás, era um banco estatal que dominava o mercado de capitais e os maiores fundos de pensão são ligados a empresas estatais.
Dá-se pouco peso para o Nivelamento: a educação pública é, de maneira geral, de qualidade sofrível, idem o atendimento de saúde e o saneamento básico. A exceção é o ensino superior público, de excelente qualidade, mas que atende principalmente aos filhos da classe média, contribuindo ainda mais para a concentração de renda. As cotas sociais são uma tentativa de desentortar o pepino depois de crescido. As várias bolsas-auxílio pagas para os mais pobres (um esforço de nivelamento) são uma fração do que é gasto com os esforços de coordenação via regimes especiais e subsídios.
A Coordenação pressupõe um Estado que consegue fazer uma leitura perfeita das consequências de todos os seus atos sobre a atividade dos agentes econômicos. Além disso, é necessária uma impessoalidade que, na prática, é impossível de alcançar. As bancadas no Congresso defendem seus interesses próprios antes do que os interesses da sociedade, sequestrando os recursos escassos do Estado em seu favor. Mesmo esforços meritórios de Nivelamento, como o investimento em educação ou no sistema de justiça, são muitas vezes sequestrados pelas corporações dos funcionários públicos, de forma que a eficiência do gasto fica muito aquém daquilo que poderia ser caso houvesse real interesse em mitigar os efeitos da desigualdade de oportunidades.
O que precisamos fazer?
O Brasil entrou de cabeça na armadilha da renda média, buraco em que se enfiam países que não conseguem aumentar a sua produtividade a partir de um determinado ponto, sequestrados que se encontram pelo capitalismo de laços e pelas diversas corporações que se apoderam do Estado.
O próximo presidente da República (sim, é sempre o próximo) deveria focar em políticas de Nivelamento, reduzindo as políticas de Coordenação. Ao facilitar horizontalmente a vida de todas as empresas e não somente de algumas escolhidas, a própria dinâmica econômica se encarregará de escolher as vencedoras. E, ao proporcionar oportunidades iguais para indivíduos de origens diferentes, a meritocracia terá uma base saudável para que os melhores contribuam para o aumento da produtividade da economia.
Somente assim conseguiremos acumular o capital humano e o capital físico necessários para dar o salto de produtividade que nos permitirá atingir o próximo estágio de crescimento econômico e de renda per capita.
Reportagem de capa do Estadão comemora um marco da produção de energia solar no Brasil: são 12 GW de capacidade instalada, quase uma Itaipu. Em tempos de Cop26 não é pouca coisa! Até esquecemos os subsídios que permitiram atingir essa marca.
Incentivados pela economia proporcionada pela energia solar autogerada, os brasileiros aderiram em massa à energia verde. Do total de 12 GW, 7,3 GW (60%) são originados em painéis solares instalados em telhados de casas. Isso representa cerca de 4% de toda a energia produzida no Brasil. Seria tudo ótimo, se esse modelo pusesse ser continuamente replicado. Só que não dá.
Vamos ver como a coisa funciona. Para que a eletricidade chegue até os eletrodomésticos de sua casa, é necessária a atuação de três tipos de empresas: as geradoras, as transmissoras e as distribuidoras. As geradoras detém as usinas hidrelétricas, como Itaipu e Belo Monte, além das termoelétricas. As transmissoras constroem os linhões de transmissão, que levam a eletricidade desde os grandes parques geradores até as cidades. Por fim, as distribuidoras se encarregam da chamada “última milha”, que é levar a eletricidade até as casas das pessoas.
A conta de luz que você recebe em casa é sempre da distribuidora. Nela está a cobrança do total da conta de luz. Esse total embute não só a remuneração da distribuidora, como também da geradora e da transmissora, além dos impostos. Veja abaixo um exemplo de conta, no caso, da Neoenergia, em que essa partilha encontra-se discriminada.
A distribuidora é responsável por coletar o valor da conta de luz e repassar os montantes correspondentes para a transmissora, a geradora e o governo (impostos).
Pois bem, o que acontece com a pessoa que instala um painel solar em sua casa? Simples: ela não paga pela energia que gera. Digamos que o consumo de uma casa seja de 500 kWh por mês. O painel solar, no entanto, gera 200 kWh por mês. Neste caso, o feliz proprietário do painel solar pagará apenas pelo consumo de 300 kWh. Bom, não é?
Só tem um problema: nesse esquema, a distribuidora não é remunerada. A coisa é simples: a energia gerada pelo painel solar é “injetada” no sistema da distribuidora, que distribui aquela eletricidade para outras casas. Funciona mais ou menos como se uma família produzisse em casa, digamos, toda a carne que consome durante o mês. No entanto, essa família não tem um freezer para guardar a carne produzida. Então, pede “emprestado” o freezer do supermercado da rua, podendo pegar a carne que produziu na medida de suas necessidades. Obviamente, o supermercado sai no prejuízo, pois tem toda uma infraestrutura montada para atender seus clientes, mas não pode cobrar desses que usam o seu freezer, ocupando o espaço daqueles que pagam pela mercadoria. No limite, se todos produzissem a carne (ou a energia) que consomem, o supermercado (ou a distribuidora) não teria como se remunerar. Em princípio, se a família tivesse um freezer tamanho família, o problema não existiria. Da mesma forma, se essas casas que têm painéis solares tivessem baterias para armazenar a energia gerada, não haveria problema. No final do dia, a rede da distribuidora funciona como uma enorme bateria para essas casas.
Obviamente, a distribuidora não sai no prejuízo. O seu contrato prevê a remuneração pelo total da energia fornecida, o que inclui a energia gerada pelos painéis solares. Quem paga a conta? Exato, todos nós. Observe também, na conta acima, um item obscuro chamado “encargos setoriais”. O que é isso, pode estar você se perguntando. Isso é exatamente os vários subsídios do setor elétrico, desde o programa Luz para Todos até o ressarcimento das distribuidoras que deixam de cobrar a energia solar. Esta conta vem subindo de maneira relevante, e será tanto maior quanto mais painéis solares vermos por aí.
Hoje, a produção de energia solar já está mais barata do que a produção de energia hidroelétrica. No último leilão de energia nova realizada pela ANEEL, o preço da energia hidrelétrica saiu por R$ 219/MWh, enquanto a energia solar saiu por R$ 125/MWh. Isso foi possível pelo grande barateamento dos equipamentos nos últimos anos. Se os painéis estão mais baratos, mas ainda são necessários 5 anos para atingir o breakeven de um projeto de instalação de painéis solares, alguém aí está ganhando. E não são os consumidores.
Já passou da hora, portanto, de acabar com esse subsídio cruzado. Um projeto de fim desses subsídios foi aprovado na Câmara em agosto, com um loooongo período de adaptação que vai até 2045 para os que já têm o sistema instalado e 2029 para os novos sistemas. Até lá, continuaremos, os que não temos o privilégio de ter um telhado próprio para instalar um painel solar, inclusive os favelados, a pagar a eletricidade dos que têm.
A Petrobras tenta se defender das acusações de querer lucrar às custas dos brasileiros. Segundo a empresa, apenas R$2,33 é de sua responsabilidade no preço da gasolina. Aliás, essa é a realidade de praticamente todos os produtos que compramos: a diferença entre o preço de produção e o preço final é gigantesca, devido, principalmente, à cunha tributária.
Mas não é sobre isso que quero falar hoje. Vamos falar de subsídios. E se, da noite para o dia, a Petrobras decidisse diminuir em R$ 1,00 o preço do combustível que vende? Ok, com os preços nas alturas em que estão, R$ 1,00 não faria muita diferença, mas já ajudaria um pouco. Qual seria o impacto disso no balanço da companhia?
De acordo com o seu balanço do 3o trimestre, a Petrobras vendeu 1,3 milhões de barris/dia entre diesel e gasolina para o mercado doméstico, o que equivale a 208 milhões de litros por dia. Portanto, a Petrobras, se fizesse um desconto de R$ 1,00 por litro, estaria deixando de arrecadar R$ 208 milhões por dia. Ou R$ 6,2 bilhões por mês. Ou R$ 75 bilhões/ano.
Para termos uma ideia do que significam R$ 75 bilhões, basta saber que toda essa celeuma em torno do teto de gastos está ocorrendo porque o governo quer R$ 30 bilhões adicionar para “ajudar os pobres” no ano que vem. Aliás, o atual bolsa família gasta metade desses R$ 75 bilhões anualmente. Quer dizer, um desconto de R$ 1,00 nos preços dos combustíveis significaria dois anos de bolsa família. O governo tem esse dinheiro? Não.
Mas aí é que entra a criatividade dos nossos políticos. Por que não usar a Petrobras para diminuir o preço dos combustíveis? A ideia é realmente genial, e vou explicar porque.
O governo é dono de 37% da Petrobras. Portanto, recebe 37% do lucro distribuído pela companhia. Assim, se o lucro diminuir em R$ 75 bilhões, o governo deixa de receber cerca de R$ 28 bilhões em dividendos. Desse modo, ao invés de pagar R$ 75 bilhões do seu apertado orçamento para subsidiar os preços dos combustíveis, estaria usando apenas R$ 28 bilhões. E, o que é melhor, longe dos olhos do respeitável público. Afinal, quem presta atenção em dividendo não recebido?
E quem paga a diferença? Claro, os troux… os otár… os acionistas minoritários, aqueles mesmos que financiam 63% das atividades da empresa. Aliás, na real, bem mais do que 63%, porque na última grande capitalização da Petrobras, em 2010, o governo entrou com barris de petróleo a serem explorados. Quem entrou com dinheiro mesmo, aquele que serve para fazer investimentos, foram os troux… os otár… os acionistas minoritários.
Alguém poderia dizer “ah, mas a Petrobras lucra demais, poderia ter um lucro menor”. Não, a Petrobras lucra menos que suas congêneres internacionais. E, na verdade, precisaria lucrar mais, pois deve pagar o risco político de ter, a qualquer momento, seus lucros tungados para fazer política populista de preços. Dinheiro não tolera desaforo.
Hoje deparei-me com anúncio de página inteira da Abiquim – Associação Brasileira das Indústrias Químicas, reivindicando a continuação do REIQ – Regime Especiação da Indústria Química. Trata-se de uma isenção de imposto para empresas do setor.
Este incentivo foi criado em 2013, no governo de Dilma Rousseff, que entendia tudo de incentivo à indústria. Hoje, os incentivos fiscais totalizam algo em torno de 4,25% do PIB. Em dinheiro, isso significa cerca de R$ 320 bilhões, ou 10 vezes o gasto com o Bolsa Família. No gráfico abaixo, podemos observar que houve um aumento de cerca de um ponto percentual do PIB em renúncias fiscais entre os anos de 2011 e 2014, no primeiro governo Dilma. Em dinheiro de hoje, foi um aumento equivalente a R$ 100 bilhões.
O que é um incentivo fiscal? É uma renúncia de cobrança de imposto. Cobrar menos imposto não deixa de ser interessante. Melhor do que cobrar mais, não é mesmo? O problema ocorre quando se cobra menos imposto mas não se diminui despesas do outro lado. Tem-se, então, um aumento da dívida pública, que deverá ser pago com mais imposto no futuro, seja imposto explícito ou implícito (inflação).
Os defensores dos incentivos fiscais se dividem em duas categorias: as indústrias beneficiadas e os economistas desenvolvimentistas. As indústrias beneficiadas apoiam os incentivos por definição. Como diz o anúncio de página inteira, paga com os incentivos, estes são importantíssimos para manter a competitividade da indústria e os empregos gerados.
O que nos interessa é o argumento dos economistas desenvolvimentistas, que defendem os incentivos de maneira desinteressada. O racional é simples: é importante que o Brasil desenvolva certas indústrias e regiões. Infelizmente, a nossa carga tributária, despreparo da mão-de-obra, direitos trabalhistas e infraestrutura precária não permitem que essas indústrias/regiões compitam de igual para igual com indústrias localizadas em outras regiões/países. Então, é preciso incentivá-los.
Há dois problemas com esse raciocínio: 1) A escolha arbitrária das indústrias/regiões e 2) A solução encontrada para a falta de competitividade.
Existe uma fé quase divina por parte dos economistas desenvolvimentistas de que o governo consegue escolher aqueles setores que “merecem” incentivos. Seriam setores que multiplicam o investimento mais do que outros, ou que desenvolvem tecnologia útil para a soberania do país. Então, estes setores precisam ser incentivados para aumentar a produtividade da economia como um todo.
O problema óbvio é que nada garante que o governo esteja correto. Aliás, pelo contrário: a julgar pelos resultados alcançados, acho que podemos cravar que as escolhas do governo são, na maioria das vezes, incorretas.
E o pior: subsídios não morrem jamais. Quando é para morrer algum subsídio, todo o lobby se junta para impedir. Este anúncio de hoje é só um exemplo. A campanha contra a “taxação do sol” é outro. E assim por diante. Quando a iniciativa privada faz um investimento, avalia se está dando certo ou não, e rapidamente corta o prejuízo, se houver. No caso do subsídio não: eles permanecem eternamente, independentemente da sua eficácia, que não é sequer medida por critérios objetivos de produtividade. O argumento da manutenção do incentivo é sempre os “x mil empregos criados”, como se outros empregos não estivessem sendo eliminados nas empresas que não recebem os subsídios.
Este é o segundo ponto, para mim o principal: ao invés de investir em soluções horizontais, que beneficiem todos os setores econômicos, o governo sai pelo lado fácil: escolhe alguns setores “campeões”, deixando o restante na chuva. Ou pior: os setores que não recebem incentivos precisam pagar mais impostos ainda, pois as despesas não diminuíram, lembram? Isso gera distorções de alocação de capital que diminuem a produtividade da economia como um todo.
A carga tributária é de mais ou menos 33% do PIB. Portanto, os incentivos fiscais representam mais de 12% da carga tributária. Ou seja, se todos os incentivos fossem eliminados, a carga tributária de TODOS poderia ser reduzida em 12%. É só esse o tamanho do prejuízo.
Enfim, esse é um assunto sobre o qual não tenho a mínima esperança de que algo vai mudar. Os nossos presidentes do passado, do presente e do futuro, todos concordam que é preciso “incentivar setores”. E vão continuar fazendo isso. Se você não trabalha em um “setor incentivado”, fique feliz com as supostas “externalidades positivas” geradas pelos incentivos. É o que nos resta.
PS.: para ver uma lista completa de todos os incentivos em vigor, clique aqui.
23:59: Empresários articulam pressão sobre o governo por reformas
00:00: Passa incentivo a montadoras do CO, NE e N
Estas duas manchetes estão na mesma página do Valor de ontem. Ilustram, de maneira didática, o problema da reforma tributária e, de maneira mais ampla, o do equilíbrio fiscal: todo mundo é a favor, desde que não mexa no seu.
Ao se profissionalizar, o carnaval de São Paulo está passando pelo “teste da demanda”. O “teste da demanda” é aquele pelo qual deve passar todo produto que pretende ter sucesso no sistema capitalista. Tem demanda por um preço que gere lucro para o fornecedor do produto ou serviço? Vai sobreviver. Não tem? Vai desaparecer.
O carnaval de São Paulo, como tudo o que acontece nessa cidade, ficou muito grande. Para organizar a zona, a prefeitura começou a subir a régua dos quesitos mínimos para um bloco desfilar. Um “rolê de planilha”, como diz uma produtora. Bem, tem que ser assim, dada a proporção que o carnaval de rua de São Paulo tomou.
Em São Paulo, ao contrário de Salvador, o carnaval de rua é “de graça”. Em Salvador, você precisa comprar um abadá para participar da festa. Uma vaga em um camarote não sai por menos de R$2 mil. Em São Paulo não. Aqui, qualquer um entra na festa. Muito mais democrático.
Mas não é o fato de ser democrático que o carnaval deixa de ter custos. Como resolver? Patrocínio. Alguém com interesse comercial precisa bancar. Mas, para isso, o bloco precisa ter um número mínimo de foliões, que serão alcançados pela publicidade da marca patrocinadora. A maior parte dos blocos, obviamente, não atinge esse critério. Neste ano, 30% dos blocos desistiram por falta de patrocínio. Um dos blocos tentou, inclusive, um “financiamento coletivo”. Não se mostrou muito “positivo”. Ou seja, poucos se interessaram em colocar a mão no bolso para financiar a folia.
Claro que na reportagem apareceram as palavras mágicas: “incentivo público”. O orçamento da prefeitura seria desviado de necessidades urgentes, como transporte e educação, para financiar a folia da classe média.
– “Mas isso seria política cultural!”
Política cultural o escambau. Qual o valor cultural de um bloco de música pop coreana?
Fiquemos atentos. Haverá tentativas de colocar a mão no bolso do contribuinte para financiar algo que não tem demanda para se pagar. Os mecenas que acham isso importante para o bem da cultura nacional que coloquem as mãos em seus respectivos bolsos para financiar os blocos alternativos. Nem pensem em colocar as mãos nos bolsos de todos os paulistanos.
Essa é uma discussão bem interessante. Trata-se de subsídio às indústrias de refrigerantes na Zona Franca de Manaus, mais especificamente Ambev e Coca-Cola, e que custam R$800 milhões por ano aos cofres públicos. Os interesses envolvidos são os seguintes:
1) Das indústrias subsidiadas
2) Dos empregados das indústrias subsidiadas
3) Dos governos locais
4) Do governo federal
5) Das indústrias concorrentes que não recebem subsídios
6) Dos empregados das indústrias concorrentes
7) Dos desempregados das localidades onde as indústrias estariam localizadas se não houvesse o subsídio
Grosso modo, os atores 1, 2 e 3 querem os subsídios. Já os atores 4 a 7 não querem os subsídios. A questão não é arbitrar esses interesses, mas adotar a solução que maximiza o ganho do conjunto de interesses, ainda que uma parte dos agentes saia perdendo.
Quando a Zona Franca de Manaus foi criada, em 1967, a ideia era integrar aquela parte do país às cadeias produtivas. Com a presença de indústrias na região, se criaria um polo econômico próprio, que andaria depois com as próprias pernas. Mais de 50 anos depois, não foi isso o que se viu: aparentemente, a Zona Franca ainda depende dos subsídios. Serão necessários mais 50 anos?
Se distância física fosse desculpa, não estaríamos comprando produtos da China como se não houvesse amanhã. A China compensa a distância com uma mão de obra mais barata e mais bem preparada. Ou seja, mais produtiva. No caso da Zona Franca de Manaus temos duas possibilidades: 1) A produtividade é baixa e o subsídio serve para compensar a distância ou 2) A produtividade é ok, e o subsídio serve para engordar o lucro das empresas. No primeiro caso, a adoção do subsídio não se justifica, pois serve para mascarar a baixa produtividade, prevenindo a alocação do capital em atividades mais produtivas (agentes 5 a 7 acima) que aumentariam a produtividade geral da economia. No segundo caso, a adoção do subsídio representaria apenas uma transferência de recursos públicos para entes privados sem nenhuma compensação.
Mas, como sabemos, subsídios never die. Temer tentou, Bolsonaro está tentando. Boa sorte.