Subsídios never die

A Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) é o segundo maior encargo (depois dos impostos) que onera uma das contas de luz mais caras do planeta.

A CDE é uma espécie de mãe, que subsidia uma série de programas. Um deles é a auto geração de energia solar. Como funciona?

O sujeito instala um aparato de captação da luz do sol. Com isso, gera sua própria energia elétrica. Até aí, tudo certo, ele deixa de consumir energia gerada, por exemplo, por uma hidroelétrica, economizando o custo desta geração.

Ocorre que a tarifa de eletricidade engloba, além da geração, também o custo de distribuição. Energia elétrica não é que nem água. Se alguém constrói um poço artesiano, basta ligar uma bomba e um cano para distribuir essa água pela casa. No caso da eletricidade isso não é possível. É preciso ligar o aparato de geração de energia solar aos postes de distribuição de energia, e a eletricidade chega à casa do mesmo jeito que para qualquer outro consumidor.

Tecnicamente, o autogerador passa a fazer parte do pool de geração de energia. Quando um consumidor recebe energia elétrica em sua casa, ele não sabe de onde veio essa energia. Pode ter sido gerada tanto em Itaipu quanto em uma termoelétrica a poucos quilômetros de sua casa. Energia elétrica não tem carimbo. Assim, o autogerador tem direito a receber a remuneração pela energia que gerou (e que passa a fazer parte do pool).

O detalhe dessa história é que, por uma resolução ainda do governo Dilma (uma dentre tantas que tinha como objetivo desenvolver indústrias específicas), o autogerador também passou a ter direito de pagar apenas uma fração do custo de distribuição. Como as distribuidoras não têm nada a ver com isso, elas são ressarcidas pela CDE. Ou seja, por todos nós.

Esse subsídio no custo de distribuição pode ser inclusive usado em imóveis que não contam com os painéis. Se o uso da eletricidade no imóvel que tem o painel solar não é suficiente para gastar todos os créditos a que tem direito, o proprietário pode usar esses créditos em um outro imóvel de sua propriedade em qualquer outro lugar.

A CDE representou R$20 bilhões de custos a mais na tarifa de eletricidade. Destes, 40%, ou R$8 bilhões, serviram para ressarcir as distribuidoras, tanto no programa Luz para Todos quanto no programa de incentivo aos painéis solares. Apenas para se ter uma ideia, o bolsa-família custa R$30 bilhões. Ou seja, com o valor desses subsídios seria possível aumentar o bolsa-família em mais de 25%.

O que a ANEEL está estudando? Um phase out do subsídio aos painéis solares. Faz sentido subsidiar uma indústria nascente, que não tem economia de escala? Se tiver externalidades positivas, sim. No caso, a energia solar é limpa, o que é um ativo importante nos dias que correm. Com o subsídio, o payback do investimento vale a pena para o autogerador. Em mais ou menos 5 anos, o dinheiro investido em painéis solares volta em forma de descontos na conta de luz.

Entretanto, a conta do payback envolve uma variável importante: o preço dos painéis solares. No início, com baixa escala, o custo de produção unitário é mais alto. No entanto, na medida em que o negócio ganha escala, o custo unitário vai diminuindo. O que a ANEEL propõe é que o subsídio vá terminando ao mesmo tempo em que o custo de produção vai diminuindo. Se isso não é feito, o subsídio vai servindo, cada vez mais, para engordar o lucro das empresas.

Acontece que, como vimos, subsídios never die. Por um motivo simples: quem recebe sabe o que está recebendo, mas quem paga, não sabe quanto está pagando. Bolsonaro, como todo bom político populista, sabe disso. Além do mais, caiu no seu colo uma bandeira fácil ambientalista, ainda que Greta dificilmente o aplaudirá por conta disso.

Por fim, resta a “intervenção branca” na ANEEL. Não, Bolsonaro não vai intervir de maneira direta. Nem o PT fez isso. Não precisa. Basta dizer que a discussão está “sepultada”. O resto se arruma.

Negócio imperdível

O BNDES não quis emprestar R$2 bilhões para o seu CAOA comprar a fábrica da Ford.

Haveria outras alternativas. Por exemplo, há outros bancos na praça que poderiam emprestar o dinheiro. Ou, o seu CAOA poderia emitir debêntures no mercado e captar o dinheiro diretamente do grande público.

O problema dessas outras alternativas provavelmente estaria na taxa de juros / prazos compatíveis com o risco de crédito do grupo CAOA. Taxas altas e prazos não muito longos. O BNDES é aquela mãe que empresta dinheiro para o filho a juros e prazos camaradas. Parece que acabou o dinheiro da mãe.

Fosse um negócio realmente imperdível, não faltaria financiamento em um mundo de taxas de juro zero e excesso de liquidez. Talvez a compra da fábrica da Ford não seja um negócio imperdível. Talvez por isso a Ford tenha fechado a fábrica. São só conjecturas.

A Porta da Esperança

Os dois últimos governos correram para atender as reivindicações dos caminhoneiros: tabela para o frete, financiamento do BNDES, cartão de congelamento de preço do combustível por 30 dias.

Bem, a tabela é de impossível aplicação, o financiamento esbarra no risco de se emprestar dinheiro para os caminhoneiros e o congelamento perdeu o sentido no momento em que os preços do petróleo estão caindo.

Mas resta uma reivindicação não atendida: o refinanciamento das dívidas. Aí entra essa entidade mágica chamada Caixa Econômica Federal. Ou simplesmente, “A Caixa”.

A Caixa é uma espécie de Porta da Esperança de todos os que precisam de dinheiro de alguma forma. Desde financiamentos subsidiados até cortes nas taxas de juros, a Caixa parece um manancial de dinheiro de graça para todas as necessidades.

Agora são os caminhoneiros, que esperam purificar suas dívidas nas águas mágicas da Caixa.

E querem saber? Tá certo! Se é para a Caixa agir como um banco qualquer, qual o sentido de sua existência? A Caixa só faz sentido se for para criar dinheiro fora da aporrinhação que é aprovar despesas via Orçamento Público.

Algum chato sempre vai lembrar que esse dinheiro não existe, que em algum momento terá que ser pago, de uma forma ou de outra. Basta não dar ouvidos, e acreditar que basta “vontade política”.

A Caixa nunca será privatizada.

Subsídios à energia solar

Outro dia fiz um post aqui discutindo o custo de geração de “energias alternativas” vis a vis a geração de energia com origem em petróleo. Meu ponto havia sido que o petróleo é ainda uma fonte muito barata de geração de energia, e seu reinado não terminaria tão cedo. No Brasil ainda temos a energia hidrelétrica, que é também mais barata que as “energias alternativas”.

Alguns comentaram sobre o avanço da energia solar, de como era muito mais barata do que a energia hidrelétrica, que valia a pena a troca.

Pois bem, reportagem de hoje mostra que o subsídio à energia solar chega hoje a R$400 milhões/ano. O que, dividido por 180 mil unidades produtoras, resulta em um subsídio, em média, de R$2.222, ou R$185/mês! E adivinha de onde sai esse subsídio? Acertou: da conta de todos os que usam energias não alternativas. A Aneel estima que este custo deve subir a R$ 1 bilhão em 2 anos e chegar a R$ 4 bilhões em 2027.

Nada contra que se subsidie a geração de “energias limpas”. Mas que fique claro que isso não é barato, e que sai do bolso de alguém. No caso, do nosso.

Subsídios never die

Texto extraído do jornal O Estado de São Paulo

Subsídios never die.

Subsídios sempre nascem com um bom propósito. Pode ser o de estimular uma determinada região (ex. ZF Manaus), uma determinada indústria (ex. automobilística) ou simplesmente aliviar as dores do povo (alimentos, gasolina).

O problema dos subsídios é sua própria definição: sustentar uma atividade econômica que, por si só, seria insustentável. A esperança é que se torne sustentável após um certo tempo, mas isso raramente acontece. Quando muito, os lucros incorporados pelos agentes privados com os subsídios tornam-se a razão de ser daquela indústria.

O problema dos subsídios diretos a bens de consumo é ainda pior: as pessoas ajustam seus orçamentos àquele nível de preços, e a volta à normalidade é muito dolorosa. Quando esse subsídio já dura duas gerações então, como no caso dos combustíveis no Equador, a coisa torna-se irreversível.

Brincamos de subsidiar combustíveis aqui no Brasil durante alguns poucos anos, utilizando o orçamento da Petrobras, o que já foi suficiente para abrir um rombo multibilionário no balanço da empresa, perto do qual o roubo descoberto pela Lava-Jato é troco de pinga. A empresa até hoje está tentando se recuperar vendendo ativos. O fim dos subsídios aqui resultou na famigerada greve dos caminhoneiros.

No caso do Equador (e também da Venezuela), o subsídio é patrocinado pelo Estado. Acabou o dinheiro, o Equador fez um acordo com o FMI e eliminou os subsídios no âmbito desse acordo. Ao contrário da Venezuela, no entanto, a economia do Equador é vinculada ao dólar. É mais ou menos como a Grécia, não dá pra brincar de desvalorizar e hiperinflacionar a moeda, pois o país não tem soberania monetária (não manda na própria moeda).

Resta saber quanto tempo o país aguenta: ao contrário da Grécia, não há um arcabouço institucional externo que torne mais caro sair da moeda do que se manter nela. A Grécia teve que fazer ajustes draconianos para se manter no Euro, mas a alternativa era pior. Para os equatorianos, a alternativa de desvincular-se do dólar pode não parecer tão ruim assim. Foi o que pensou a Argentina em 2001, quando abandonou a paridade oficial com o dólar ao invés de fazer a lição de casa. Deu no que deu.

A lição é sempre a mesma: as “bondades” de governos populistas acumulam distorções na economia, que acabam cobrando o seu preço mais cedo ou mais tarde. A economia é uma ciência humana, o que não quer dizer que não tenha leis. Ninguém desafia a lei da oferta e da demanda impunemente.

Incentivo para quem?

O ex-secretário da Receita Federal de FHC, Everardo Maciel, volta à carga contra a reforma tributária ora em análise no Congresso. A sua preocupação é com o aumento da carga tributária sobre os serviços e a impossibilidade da concessão de incentivos fiscais por parte dos entes da Federação.

Sobre este último ponto, Maciel conta a história de uma pequena cidade de Pernambuco, Estado que concedeu incentivo fiscal para a construção de uma usina de energia solar. Vai criar muitos empregos, movimentar a economia da região e, de quebra, fomentar energia limpa. Quer melhor uso para o dinheiro público?

Bem, o único personagem que, tenho certeza, vai ganhar, é a empresa de energia solar. Esta sim, fez contas sobre a viabilidade financeira do empreendimento, e vai embolsar o lucro proporcionado pelo incentivo fiscal. Ah, tem outro personagem que vai ganhar: o governador do Estado, que vai, sorridente e ao som de banda de música e fogos, inaugurar a usina, e ganhar os votos daquela cidade.

Já a população, precisaríamos ter mais dados para concluir alguma coisa. Qual o volume do incentivo? Quais são os outros possíveis investimentos que poderiam gerar empregos na região? Não seria melhor usar o dinheiro para investir em saneamento básico ou melhoria das escolas? Enfim, como todo incentivo fiscal dado no Brasil, faltam estudos que comprovem a sua eficácia. Quanto à externalidade positiva (energia limpa), deveria ser tratado no âmbito federal, dentro de um programa mais amplo de incentivo à energia limpa, e não ser objeto de incentivo fiscal de entes federativos.

Defender incentivo fiscal a essa altura do campeonato, com os Estados literalmente quebrados, só pode ser piada.

Os amigos do rei

Há alguns dias postei um conjunto de notícias mostrando que o agribusiness sobrevive de subsídios governamentais.

Agora “descobrimos” que a indústria automobilística só sobrevive no Brasil também com base em subsídios.

O governo tem seus motivos para manter setores inteiros sobrevivendo na base de subsídios, pagos com o dinheiro dos impostos. Desde a preservação de empregos “de qualidade” até o troca-troca de votos no Congresso, passando por uma etérea “dinamização da economia”, o que quer que isso signifique.

Não sou contra a que se baixem impostos. Mas que seja para todos, horizontalmente e não para um punhado de eleitos. Por que a agricultura ou a indústria automobilística pagam menos imposto, enquanto o seu Zé paga mais no seu bar?

A dura realidade é que falta dinheiro para manter hospitais, fazer saneamento básico e investir no ensino básico. Não tem “bancada da saúde pública” ou “bancada do saneamento”. A verdade é que o orçamento da União é destinado a quem tem o lobby mais influente, e é usado para manter vivas atividades econômicas que destroem valor. Sim, porque se uma atividade econômica só consegue gerar lucros na base do subsídio, está, no final do dia, destruindo valor.

O “crony capitalism” ou “capitalismo de compadres” é tudo, menos capitalismo.