Analfabetismo conveniente

Maria Bethânia, beneficiária da Lei Rouanet, diz que quem critica a lei não sabe ler. Pois então, vamos juntos ler o texto da Lei Rouanet:

“Os contribuintes poderão deduzir do imposto de renda devido as quantias efetivamente despendidas nos projetos elencados no § 3o, previamente aprovados pelo Ministério da Cultura, …”

Pelo visto, quem não sabe ler é Bethânia. Se um contribuinte pode deduzir do IR o montante doado a um projeto cultural aprovado sob os critérios da lei, então o governo está abrindo mão de uma receita líquida e certa que, de outro modo, iria para os cofres do Tesouro. Esse assunto de “benefício fiscal” é mesmo difícil. Um dinheiro que não entra é um dinheiro que não existe, então não fica claro que é um dinheiro que faz falta. Até acredito que os artistas tenham dificuldade de entender isso, que realmente acreditem que o dinheiro sai dos cofres das empresas patrocinadoras. Trata-se de uma sutileza contábil, mas que tem um efeito bastante prático: o governo fica com menos dinheiro no cofre do que teria sem a lei.

Pode-se defender a lei, dizendo que a promoção da cultura tem o seu mérito. O que não se pode dizer é que o governo não gasta nada com isso, que o dinheiro é dos patrocinadores. Não é.

Bethânia não sabe ler. Ou faz de conta que não sabe. Não sei o que é pior.

Minando as bases do capitalismo

Uma das grandes virtudes da economia americana é a sua flexibilidade. Os agentes econômicos têm grande liberdade para decidir onde investir o seu capital, seja financeiro, seja humano. Assim, por exemplo, em poucos lugares do mundo se vê o número enorme de pessoas que mudam de cidade em busca de melhores condições de trabalho. O mesmo ocorre com os investimentos das empresas.

Esta flexibilidade permite que as empresas nos EUA possam responder rapidamente à demanda dos consumidores, que são, em última instância, aqueles que decidem quais empresas devem sobreviver e quais devem morrer. Não à toa, o desemprego nos EUA é o menor do mundo desenvolvido (não de hoje, mas estruturalmente) e sua produtividade é das maiores.

Donald Trump parece não concordar com nada disso. Para o presidente americano, as empresas americanas deveriam manter fábricas produzindo bens não desejados pelos consumidores com o objetivo de “preservar empregos”. Ao ameaçar a GM, Trump na verdade ameaça um dos pilares da economia mais dinâmica do ocidente: a liberdade dos agentes econômicos de escolherem o melhor destino para os seus recursos, de acordo com sua melhor avaliação da produtividade desses recursos. O que quer Trump? Que a GM continue produzindo carros que ninguém quer comprar?

É verdade que o governo americano interveio e “salvou” a GM na crise de 2008. Dinheiro dos contribuintes foi usado para salvar empregos e, de quebra, dar uma forcinha aos acionistas da empresa. Houve muita controvérsia a respeito: seria este o melhor destino para os impostos? Os governos Bush e Obama entenderam que sim, com o objetivo de preservar empregos.

Agora, Trump ameaça tirar os subsídios para os carros elétricos da GM. Qual o efeito de uma medida desse tipo a não ser obrigar a empresa a também fechar a planta de carros elétricos? Nesse caso, a situação dos empregos pioraria ainda mais. A única saída seria mais uma ajuda governamental, de modo a subsidiar a manutenção dos empregos. Será esta a solução? Em 2008, Bush e Obama pelo menos tinham como desculpa a maior recessão depois da Grande Depressão. Hoje, pelo contrário, os EUA vivem o que podemos chamar de pleno emprego. Faz sentido subsidiar empregos em um cenário de pleno emprego?

Talvez Trump esteja esperando que a GM rasgue dinheiro em nome de um sentimento de gratidão pelo país. A GM deve achar que o melhor retorno para o país é preservar sua própria saúde financeira. É uma questão de ponto de vista.

Ninguém aqui está negando o drama humano por trás de cada emprego perdido. O desemprego é sempre uma tragédia familiar. Mas não tenha dúvida: um emprego mantido artificialmente hoje significa mais desemprego no futuro, porque a economia se vinga quando fatores de produção são utilizados de maneira pouco produtiva. O Brasil deveria servir de exemplo: seguidos governos com cunho marcadamente social não conseguiram evitar taxas de desemprego muito superiores às dos EUA, país dos desalmados capitalistas.

O funcionário da fábrica da GM de Ohio é o típico eleitor de Trump. Ao buscar agradar sua base eleitoral, defendendo empregos que, em última análise, não têm mais sentido econômico, Trump mina os próprios fundamentos do capitalismo que tanto diz defender.

Crony capitalism em estado puro

O Rota 2030 é aquele programa que dá incentivos fiscais para a indústria automobilística. Está para ser aprovado no Congresso, mas surgiu uma treta de última hora.

O caso é o seguinte: a Fiat produz em Pernambuco, enquanto a Ford produz na Bahia. O senador Armando Monteiro, de Pernambuco, propôs uma emenda que prorroga um determinado benefício ao setor. Mas, segundo a Ford, essa prorrogação beneficia mais a Fiat do que a Ford. Por isso, os parlamentares da Bahia estão contra.

Então, ficamos assim: os parlamentares em Brasília estão decidindo não só quanto vão tungar dos brasileiros para beneficiar os fabricantes de carros, como também qual montadora sai em vantagem. Não consigo pensar em nada mais “crony capitalism” do que isso.

Segundo a reportagem, os incentivos fiscais à indústria automobilística chegarão a US$ 7,2 bilhões em 2019. Isso é cerca de um quarto do que se gasta com Bolsa Família.

Proponho perguntar aos nordestinos se preferem ter um aumento de 25% em seus benefícios ou continuar dando dinheiro para a suposta geração de alguns milhares de empregos em meia dúzia de cidades da região.

Segure sua carteira

Estes são trechos de uma entrevista do presidente do IEDI, o think tank do setor industrial.

Começa por reclamar da falta de atenção dos candidatos à “questão industrial”.

O repórter, querendo explorar um pouco a tal da “questão industrial”, pergunta quais seriam as condições para a volta do investimento no setor.

O presidente do IEDI elenca 3 fatores: diminuição da ociosidade da indústria, aumento da demanda e condições macroeconômicas favoráveis.

Bem, as duas primeiras estão correlacionadas: a capacidade ociosa só irá diminuir quando a demanda reaquecer. A isso chamamos de crescimento econômico, foco de todos os candidatos. Já com relação às tais “condições macroeconômicas favoráveis”, ele só pode estar se referindo ao câmbio, uma vez que a taxa de juros é a menor da história. Será que o dólar a R$4,20 finalmente vai funcionar para a indústria?

Mas daí, cutucando um pouco mais, vem a verdadeira agenda da indústria: subsídios. Desde que seja para “inovação”, claro. O Brasil registrou pouco mais de 4 mil patentes em 2016. Na China foram 400 mil. Cem vezes mais. Países muito menores e sem tradição de inovação tecnológica, como Austrália e Canadá, registraram mais de 20 mil patentes cada.

Isso porque o BNDES atingiu 10% do PIB em empréstimos, incluindo programas de inovação. Sem contar subsídios diretos, como o falecido Inovar-Auto. Quanto mais seria necessário?

Por isso, eu sempre digo: quando entidades empresariais vão à Brasília, segure bem a sua carteira.

O PT com boas intenções

José Serra escreve hoje artigo no Estadão defendendo a concessão de subsídios por parte do governo.

Mas não qualquer subsídio. Somente aqueles que “propiciam benefícios diretos e indiretos”, que “passem com critérios de mérito”, que “sejam para projetos eficientes”.

Claro, José Serra seria um governante do bem. Em seu governo não haveria subsídios para projetos que não propiciassem benefícios, que não tivessem mérito e que não fossem eficientes. Dilma Rousseff assinaria embaixo.

Duas são as desculpas para o uso de subsídios, segundo Serra.

A primeira seria a alta “concentração bancária”. Meia dúzia de bancos dominam o crédito no Brasil e praticam spreads altíssimos, inviabilizando projetos de longo prazo. Não lhe ocorre que, quando entra um banco público praticando taxas mais baixas, os bancos privados, se pudessem, também baixariam as suas taxas, para competir com o novo concorrente. Não o fazem por dois motivos: 1) a taxa praticada pelo BNDES, via de regra, não paga o risco desses projetos e 2) é muito mais confortável para os bancos comprarem títulos públicos que pagam taxas maiores que as taxas subsidiadas, títulos esses que VÃO FINANCIAR OS SUBSÍDIOS! Ou seja, os bancos ganham dinheiro na maciota financiando o déficit público criado pelos subsídios.

Dilma levou esse raciocínio ao extremo, ao obrigar os bancos públicos a baixarem os spreads na marra também para as pessoas física, esperando que os bancos privados fizessem o mesmo. Esperou sentada. Os bancos públicos ganharam market share, e agora estamos discutindo uma capitalização da Caixa para cobrir o rombo dessa política irresponsável, que acaba sempre estourando no colo do contribuinte. Mas claro, Serra faria isso da “maneira certa”. Afinal, ele é um tucano, não um brucutu petista.

A segunda desculpa são as tais “externalidades positivas” criadas por projetos de infraestrutura. Um exemplo (não usado no artigo): uma estrada beneficia não somente quem passa por ela, mas todo o seu entorno. Seria injusto então cobrar pela obra somente de quem usa diretamente a estrada. Ok. Então, ao invés de cobrar somente do usuário, vamos cobrar de todo brasileiro, inclusive do favelado que mora a milhares de quilômetros da estrada. Haveria formas mais inteligentes de focar essa cobrança naqueles que se beneficiam mais de perto com aquela obra.

Mas Serra não usa esse exemplo, que até seria razoável. No artigo, ele usa o caso dos subsídios aos caminhoneiros como uma externalidade positiva! Ou seja, fomos feitos de reféns de uma determinada categoria profissional, e o preço do resgate (subsídios de R$10 bilhões) é saudado como um bom gasto do governo! É o fim da picada!

Serra vê o Estado como indutor do crescimento econômico, aquele que vai aonde a iniciativa privada não quer ir. Não lhe ocorre que a iniciativa privada não vai porque não vale o custo Brasil. Custo Brasil que só aumenta com os subsídios. Ao invés de investir em uma agenda para diminuir o Custo Brasil e, assim, baixar a régua para atrair a iniciativa privada, Serra prefere ignorar o Custo Brasil e colocar dinheiro do contribuinte em projetos que, ao final do dia, não se pagam, justamente porque os ganhos não compensam os riscos.

José Serra é o tucano típico, aquele que vai fazer as mesmas políticas econômicas equivocadas propostas pelas esquerdas, mas “da maneira certa”. Como se o problema fossem os ingredientes e não a receita.

Esta é a faceta econômica de um problema mais abrangente dos tucanos: a população vem descobrindo que não passam de petistas com os “ingredientes certos”. Ora, metade da população, se é para escolher políticas econômicas de esquerda, prefere a esquerda original. A outra metade não quer mais essa receita, mesmo que os ingredientes venham das mais puras e bem-intencionadas origens.

Alckmin deveria começar por aí sua análise de porque perdeu patrimônio político de maneira tão rápida em seu próprio Estado.

Vai para o inferno!

Com tantas necessidades que clamam aos céus, estamos discutindo se o orçamento público deveria subsidiar a gasolina que eu coloco no meu carro. O inferno desse pessoal deve ter uma temperatura especial.

O poder de parar o País

Temer acaba de anunciar o fim do PIS/Cofins sobre o diesel.

Não consigo ser contra a redução de impostos.

Mas como a contrapartida NÃO SERÁ a redução de despesas, lamento informar que ALGUÉM vai subsidiar o diesel.

Provavelmente, alguém que não tenha o poder de parar o País.

Distorções

Dólar e petróleo em alta são uma mistura explosiva para os preços dos combustíveis.

O que os caminhoneiros querem é que o governo “faça alguma coisa” para segurar os preços. Há somente duas coisas “a fazer”: diminuir impostos que incidem sobre os combustíveis ou obrigar a Petrobras a ter prejuízo na venda de combustíveis. Ambas as “soluções” implicam subsídios da sociedade brasileira em prol da margem de lucro dos caminhoneiros.

Imagine o caos se cada segmento econômico que tivesse aumento de preço de seus insumos se achasse no direito de bloquear uma estrada. A vida ficaria um pouco mais difícil do que já é.

Vivemos, durante o governo Dilma (e, para ser justo, em vários outros governos) a experiência de tabelar preços de combustíveis em níveis não compatíveis com as condições internacionais. A Petrobras reconheceu em seus balanços R$6 bilhões de prejuízo causado pela corrupção. Pois bem: as perdas com o tabelamento de combustíveis foram da ordem de dezenas de bilhões de reais. Várias dezenas. O que quebrou a Petrobras não foi a corrupção, foi o tabelamento de preços.

Na Venezuela, o dinheiro para comprar um pote de sorvete é suficiente para encher várias dezenas de tanques de combustível. Obviamente, trata-se de uma economia disfuncional. E sabemos como começa esse processo: tabelando preços em nome da “justiça”, do “bem-estar social”, ou de qualquer balela do gênero. Vivemos isso na década de 80 e início da década de 90, com os vários “planos econômicos” que congelaram preços.

Baixar impostos é outra “solução”. Mas por que baixar impostos dos combustíveis e não, por exemplo, dos remédios, dos alimentos, das escolas?

“Ah, mas o aumento dos combustíveis afeta toda a logística, encarecendo todos os produtos”. E daí? Os produtos vão ficar mais caros porque o petróleo ficou mais caro, é assim em qualquer lugar do mundo que funciona. Baixar impostos é bom, desde que haja superávit nas contas públicas, e desde que seja horizontal, e não para preservar as margens de lucro de um punhado de empresários.

Os caminhoneiros têm três saídas possíveis para o aumento do preço dos combustíveis: aumentar o preço do frete ou diminuir suas margens de lucro ou uma combinação das duas. Qualquer “solução” fora disso não soluciona nada, apenas introduz uma distorção adicional na economia, que cobra o seu preço em menor crescimento potencial.