O que resolve o problema da fome

Na primeira campanha vitoriosa de Lula ao Palácio do Planalto, uma das promessas mais reluzentes era a de que cada brasileiro iria poder usufruir de três refeições por dia. Ao assumir, uma das primeiras medidas do presidente do povo foi instituir o programa “Fome Zero”, logo substituído, por sua inoperância, pelo “Bolsa Família”, e o resto é historia. Viramos a página da fome no Brasil.

Só que não.

20 anos se passaram, 20% da população brasileira recebe o Auxílio Brasil (sucedâneo do Bolsa Família), e a fome continua sendo tema de campanha eleitoral. Fernando Gabeira, hoje, propõe algumas medidas adicionais aos auxílios, como “estoques reguladores”, “fomento à agricultura familiar” e “programas de solidariedade envolvendo os mais ricos”. Putz, como não havíamos pensado nisso antes? Acho que uma turma do ensino médio, se instada a pensar sobre como resolver o problema da fome no Brasil, se sairia com ideias mais criativas.

Acostumamo-nos a pensar na fome como um problema de renda. E, sem dúvida, o é. O melhor programa de combate à fome é o aumento da renda per capita da população. Em países mais ricos, menos pessoas passam fome, e vice-versa. No entanto, na ausência do crescimento econômico, optamos pela redistribuição da renda: cobramos impostos dos mais ricos para entregar aos mais pobres. Se fosse isso, poderia funcionar. Mas, no Brasil, não é assim que funciona. Nosso imposto sobre a renda é ridiculamente baixo, os mais ricos têm esquemas muito azeitados para pagar menos impostos, e acaba sobrando para os mais pobres, que pagam mais impostos, seja diretamente, via taxação dos bens, seja indiretamente, via taxação das empresas, que repassam os impostos para os preços dos produtos. Isso, quando o governo simplesmente não tira renda da população via inflação. Então, o governo tira silenciosamente de um bolso e devolve com pompa e circunstância para o outro. O resultado é este que aí está: fome.

Mas não é só isso. Lembrei de um artigo publicado pelo Luciano Huck em 05 de junho último, em que ele conta sobre sua visita a uma casa muito pobre da periferia do Rio, onde vivia uma menina que sonhava em ser bailarina mas não tinha dinheiro sequer para a ônibus que a levaria ao Teatro Municipal, onde poderia praticar sua arte. Chamou a atenção do cronista da pobreza brasileira a cozinha do casebre: totalmente reformada, com eletrodomésticos reluzindo de novos. Aquilo havia sido feito com o dinheiro do auxílio emergencial durante a pandemia. Mas, veja só: o dinheiro acabou, e agora a geladeira estava vazia.

A história acima nos dá uma pista de um fenômeno explicado pela psicologia econômica, e que eu chamo de Teoria do Gás em meu livro. O fenômeno é o seguinte: nossos gastos sempre vão crescer na proporção da nossa renda, até forçar as paredes do nosso orçamento. Isso sempre acontece, independentemente do tamanho da nossa renda. Por isso, via de regra, as pessoas estão sempre apertadas de dinheiro, mesmo ganhando bem.

Como isso se aplica ao Bolsa Família? No início do programa, aquela renda adicional foi muito bem-vinda, um verdadeiro alívio. Com o passar do tempo, no entanto, o auxílio foi sendo comido por um aumento do padrão de vida familiar. Quando a economia capotou e a inflação aumentou, aquela renda passou a não ser mais suficiente para manter o padrão de vida conquistado anteriormente. O aumento da fome é resultado da volta ao estado natural de uma economia de baixa renda per capita, e que tentou redistribuir renda sem realmente produzir nada. As famílias fizeram a festa enquanto durou, a exemplo da mãe que reformou a cozinha ao invés de guardar o dinheiro para comer no tempo das vacas magras.

O problema da fome é estrutural, que se resolve com aumento permanente da renda do país e de redistribuição verdadeira dessa renda. Nada disso se resolve com medidas cosméticas, como o Bolsa Família / Auxílio Brasil. No entanto, o problema da fome é também urgente, e exige medidas imediatas. Por isso, a importância desses programas. O problema é parar neles, e achar que está tudo resolvido. Não está. Basta ver que ainda estamos discutindo a fome, mesmo depois de 13 anos de governos “populares” e da continuidade (e até aumento) dos programas de renda.

Teoria do Gás

O procurador mineiro é um exemplo acabado do que eu costumo chamar de “Teoria do Gás” das finanças pessoais. Esta teoria diz o seguinte: assim como um gás dentro de um recipiente, os seus gastos sempre ocuparão todo o seu orçamento, até forçar as paredes e o recipiente explodir. E, importante: isso INDEPENDE do tamanho do recipiente ou do orçamento.

O procurador diz uma frase-chave, que corrobora a Teoria do Gás: “eu não tenho origem humilde, não estou acostumado com limitações”. É isso. É muito difícil para qualquer pessoa baixar o padrão de vida. Pode parecer chocante que alguém verbalize isso ganhando 24 mil por mês, mas essa é uma realidade que afeta qualquer pessoa, independentemente de quanto ganhe.

Isto não significa, obviamente, que o procurador não deva baixar o seu padrão de vida, em uma situação de penúria das finanças públicas. Todo brasileiro está apertando o cinto, e não há porque os procuradores não fazerem o mesmo.

O segredo é “suavizar” o nível de consumo ao longo da vida. Ou seja, não consumir tudo hoje, guardar um pouco para o tempo de vacas magras, que sempre virá. Há duas vantagens nessa abordagem: construímos uma reserva de emergência e acostumamo-nos com um padrão de vida um pouco inferior àquilo que nossa renda permitiria, o que torna mais fácil a adaptação aos tempos piores.

Normalmente as pessoas fazem o inverso: vivem ACIMA de sua renda, tomando dívida para isso. Quando chega o tempo das vacas magras, além de terem dívidas ao invés de uma reserva de emergência, estão acostumadas a um padrão de vida superior, tornando muito mais difícil a adaptação. Por isso vemos tanta gente que, apesar de ganhar muito bem, está quebrada.