Taxonomia do passapanismo

As reações dos lulistas às declarações do divino sobre o conflito na Ucrânia são muito úteis, pois nos permitem fazer uma taxonomia do “passapanismo”, de resto comum a bolsonaristas e a todos os que têm políticos como ídolos incontestes. Vejamos.

O primeiro grupo, que vou chamar de “tiro no pé”, concorda com o que foi falado, mas lamenta que tenha sido falado, pois dá munição para os adversários e atrapalha a “estratégia eleitoral”.

Dos três, este é o grupo mais cínico. Paulinho da Força simbolizou esse grupo, ao recomendar a Lula “esquecer” a questão da reforma tributária, que uma vez eleito ele mesmo, Paulinho, resolveria no Congresso. Esse grupo quer mostrar uma versão edulcorada do candidato para consumo dos sociais democratas.

O segundo grupo é composto por aqueles que concordam com as declarações e atacam os críticos por não concordarem. Chamo esse grupo de “sou sujo mesmo, e daí”? No caso em tela, Reinaldo Azevedo e Kennedy Alencar representam esse grupo, ao terem coragem de dar as caras e defenderem em público as mesmas posições de Lula, afirmando que é isso aí mesmo, não está contente vai buscar outra freguesia. Pelo menos, este grupo não sofre de cinismo, e chafurda na lama junto com seu mestre.

Por fim, o terceiro grupo, ao contrário dos dois primeiros, não concorda com as declarações, mas criticam os críticos por coisas como “tirar a fala do contexto” ou “colocar palavras na boca”. Chamo este grupo de “boa-vontadistas”, em referência à “boa-vontade” que faltaria aos críticos ao analisar as falas de seu político de estimação. Símbolo desse grupo é Marco Aurélio de Carvalho, coordenador daquele grupo de advogados pela impunidade, o Prerrogativas, que afirmou, em reportagem de hoje, que faltaria “generosidade” aos críticos para perdoar as falas do seu candidato. Dos três grupos, esse é o mais fofo, dá vontade de pegar no colo.

Acho que é isso. Espero que essa taxonomia do passapanismo seja útil durante essa campanha eleitoral.

Lula e Luíza

A Time incluiu a empresária Luiza Trajano, fundadora da Magazine Luíza, entre as 100 personalidades mais influentes do mundo. Ao que parece, é o único conterrâneo na lista este ano.

Assim como na escolha da “personalidade do ano”, a Time tem seus próprios critérios para escolher os 100 mais influentes. A capa, por exemplo, traz o príncipe Harry e sua esposa, Meghan. Devem estar no top influencer índex para merecerem a capa, o que nos dá uma ideia dos critérios. Mas não quero aqui passar a impresso de minimização do feito. Aparecer em uma lista global de top influencers, ainda mais estando em um país periférico como o Brasil, é para poucos. No entanto, o que me chamou a atenção foi outra coisa, que tem implicações políticas.

Cada personalidade tem um pequeno texto da revista, escrito por uma outra personalidade convidada. No caso de Luiza Trajano, o texto foi escrito pelo ex-hóspede da carceragem da PF, Lula da Silva.

Diz a assessoria de Luiza Trajano que não sabia quem escreveria o texto. Pode ser. De qualquer maneira, sempre se trata, no final, de uma escolha editorial da revista. Fico cá imaginando como chegaram ao nome de Lula para escrever o perfil da ex-presidente da Magazine Luiza. As notórias ligações de Luiza Trajano com a ex-presidente Dilma fariam da ex-presidenta um nome mais óbvio. Mas Dilma virou nome tóxico para a próxima eleição e Lula é quem é o candidato, não é mesmo? E quem será o vice de Lula? Estaria a Time antecipando a chapa?

Lula não decepcionou quem dele espera mistificações. Segundo o ex-presidiário, Luiza se destaca pela sua consciência social, e não queima o seu dinheiro com viagens espaciais e iates. Uma verdadeira madre Tereza do empresariado global.

De qualquer forma, não é o que ele escreveu o que importa. O que realmente importa é que Lula foi escolhido para escrever para uma das mais importantes revistas do mundo, demonstrando que a sua prisão em nada mudou o seu status de respeitado líder global. É preciso tirar o chapéu para o serviço de relações públicas levado a cabo pelo PT e pela intelectualidade brasileira. Conseguiram enganar direitinho os gringos.

Aqui dentro, no entanto, sabemos o que Lula fez no verão passado. Para o bem de seus negócios, Luiza Trajano ficaria melhor sem associar seu nome ao do ex-condenado. Assim como a Havan pode eventualmente perder clientes pela associação política do “veio da Havan” com Bolsonaro, a Magazine Luiza pode enfrentar algum tipo de boicote ao se ver associada ao chefe de uma facção política. Pode até não prejudicar, mas ajudar, certamente, não ajuda.

Personalidade do Ano

Fosse Bolsonaro o escolhido como Personalidade do Ano, a quantidade de gente lembrando que a Time tem Adolf Hitler em seu curriculum seria uma enormidade. Portanto, colocar o bigodinho para desqualificar as escolhas da Time pode servir para qualquer um, a depender do lado de quem faz a comparação.

Os editores da Time já esclareceram várias vezes que suas escolhas para a “Personalidade do Ano” não tem nada a ver com as ideias da pessoa escolhida, mas com sua influência e destaque naquele ano. Neste sentido, a escolha de Greta Thunberg é coerente com os critérios adotados. Acho que eu mesmo já escrevi mais sobre Greta aqui do que sobre qualquer outra personalidade internacional. O ambientalismo encontrou em Greta Thunberg o seu rosto. De fato, não tem nada que representa melhor o catastrofismo ambientalista do que as caras e bocas de Greta. E, sem dúvida, o ambientalismo é um tema onipresente hoje, concorde-se com isso ou não.

Pode-se afirmar que Greta não passa de um produto bem acabado de marketing, criado por interessados no tema. Ou seja, não teria mérito próprio para conseguir a indicação. Mas isso é não entender a natureza da escolha. Não se trata do Prêmio Nobel da Paz, que exige alguma iniciativa pessoal para ser obtido. A revista já escolheu como Personalidade do Ano o computador pessoal, o americano médio e o próprio planeta Terra. Trata-se, portanto, de uma indicação antes de tudo midiática. E, gostemos ou não, Greta é midiática, um símbolo do fast food em que se tornou o debate de qualquer assunto atualmente.

Welcome to fake news

Em reportagem do Estado, você vai descobrir que:

1) O governo Obama também separava os filhos dos pais;

2) A menina hondurenha que está na capa da Time NÃO FOI separada da mãe e

3) A mãe sequestrou a filha e abandonou outros três filhos em Honduras.

Se essa capa da Time não é fake news, não sei mais o que é.