Uma pena

O País de Gales irá à Copa pela 2a vez. Na primeira, foi eliminada nas quartas de final pela seleção brasileira. Fez um papel bonito, resistindo bravamente ao esquadrão brasileiro, que iria depois golear as poderosas seleções da França e dos donos da casa, a Suécia. Perdeu somente por 1 x 0, com direito a levar o primeiro gol do rei do futebol em copas do mundo. E que gol! Pelé mata no peito uma bola na marca do pênalti e de costas para o gol, livra-se do primeiro zagueiro que lhe vem dar combate com uma puxeta virando-se em direção ao gol e, antes de a bola quicar no chão, arremata de bico no canto. Um gol de placa, ensaio para o gol antológico que faria na final contra a Suécia, aí sim, chapelando o zagueiro ao invés de dar uma puxeta.

O País de Gales estará no mesmo grupo da Inglaterra, o que nos leva a perguntar: por que o Reino é Unido em todos os esportes, mas tem o direito de ter quatro seleções nacionais no futebol? Só porque inventaram o esporte? Não parece justo.

Mas justiça não parece ser a principal virtude cultivada pelos deuses do futebol. Os ucranianos, maltratados por uma guerra horrível, mereciam a alegria de estarem pela primeira vez na Copa. Não foi dessa vez. Apesar de jogarem melhor, quis a sorte sorrir para o outro lado, com um gol contra.

Por isso o futebol é o que é. O mundo não é justo, e o futebol é o retrato acabado do mundo, com todas as suas alegrias e frustrações. O VAR é uma tentativa tosca de aumentar a justiça de um esporte intrinsecamente injusto, como a vida é. Não à toa, o VAR somente representou uma camada adicional às eternas polêmicas que cercam o esporte.

A bola vai rolar em mais uma Copa do Mundo, sem Ucrânia e com País de Gales. Uma pena, que se soma a outras “penas” ao longo dos anos. Assim como acontece em nossas vidas.

Taxonomia do passapanismo

As reações dos lulistas às declarações do divino sobre o conflito na Ucrânia são muito úteis, pois nos permitem fazer uma taxonomia do “passapanismo”, de resto comum a bolsonaristas e a todos os que têm políticos como ídolos incontestes. Vejamos.

O primeiro grupo, que vou chamar de “tiro no pé”, concorda com o que foi falado, mas lamenta que tenha sido falado, pois dá munição para os adversários e atrapalha a “estratégia eleitoral”.

Dos três, este é o grupo mais cínico. Paulinho da Força simbolizou esse grupo, ao recomendar a Lula “esquecer” a questão da reforma tributária, que uma vez eleito ele mesmo, Paulinho, resolveria no Congresso. Esse grupo quer mostrar uma versão edulcorada do candidato para consumo dos sociais democratas.

O segundo grupo é composto por aqueles que concordam com as declarações e atacam os críticos por não concordarem. Chamo esse grupo de “sou sujo mesmo, e daí”? No caso em tela, Reinaldo Azevedo e Kennedy Alencar representam esse grupo, ao terem coragem de dar as caras e defenderem em público as mesmas posições de Lula, afirmando que é isso aí mesmo, não está contente vai buscar outra freguesia. Pelo menos, este grupo não sofre de cinismo, e chafurda na lama junto com seu mestre.

Por fim, o terceiro grupo, ao contrário dos dois primeiros, não concorda com as declarações, mas criticam os críticos por coisas como “tirar a fala do contexto” ou “colocar palavras na boca”. Chamo este grupo de “boa-vontadistas”, em referência à “boa-vontade” que faltaria aos críticos ao analisar as falas de seu político de estimação. Símbolo desse grupo é Marco Aurélio de Carvalho, coordenador daquele grupo de advogados pela impunidade, o Prerrogativas, que afirmou, em reportagem de hoje, que faltaria “generosidade” aos críticos para perdoar as falas do seu candidato. Dos três grupos, esse é o mais fofo, dá vontade de pegar no colo.

Acho que é isso. Espero que essa taxonomia do passapanismo seja útil durante essa campanha eleitoral.

Bolsonaro sempre está certo

– Bolsonaro não deu nenhuma declaração pessoal condenado a invasão de Putin.

– Claro, trata-se de um assunto delicado, há muitos interesses comerciais envolvidos, fertilizantes, por exemplo.

– O Brasil não assinou a declaração da OEA.

– Claro, a OEA não é o fórum, é uma organização feita somente para dar pitaco em coisas que acontecem nas Américas.

– O Brasil votou a favor da resolução que condena a Rússia no Conselho de Segurança na ONU.

– Tá vendo como o governo Bolsonaro se posiciona?

Enquanto isso, no universo paralelo:

– Bolsonaro deu uma declaração dura contra a invasão russa.

– Tá vendo, Bolsonaro não tem medo de dizer a verdade, doa a quem doer.

– Bolsonaro assinou a declaração da OEA.

– Sem dúvida, estamos todos juntos contra essa agressão, quanto mais se posicionar contra, melhor.

– O Brasil se absteve de condenar a Rússia no Conselho de Segurança

– Esse Conselho é mero teatro, o governo já sabia que a Rússia vetaria, seria inútil se desgastar aí.

Aprenda, Bolsonaro sempre estará certo

Sangue, suor e lágrimas é para poucos

Winston Churchill assumiu o posto de 1o ministro do Reino Unido em 10/05/1940, exatamente no mesmo dia em que Hitler começava a campanha que tinha como destino Paris, invadindo os Paises Baixos. Em 22/06/1940, França e Alemanha estavam assinando um armistício no mesmo vagão de trem onde havia sido assinado o Tratado de Versalhes.

Churchill, em seu primeiro discurso no parlamento inglês, 3 dias após assumir o cargo, avisou ao povo inglês que não tinha nada mais a entregar do que “blood, toil, tears and sweat” (sangue, luta, lágrimas e suor). Um discurso clássico de estadista, em que o governante não esconde do povo as dificuldades, nem foge delas, quando se trata de defender a própria vida e a vida de seus concidadãos.

Muitos lamentam que hoje não tenhamos líderes à altura do desafio, como se mostrou Churchill na 2a Guerra. Isso é verdade, mas parece-me que ainda não chegamos no ponto em que o paralelo histórico se torna verdadeiro. O fato nu e cru é que a Ucrânia não vale o “sangue, suor e lágrimas” das potências ocidentais. Não por outro motivo, as sanções anunciadas foram cirurgicamente planejadas para causarem a menor dor possível às populações dos EUA e Europa. E Biden, em sua patética coletiva de imprensa, fez questão de informar que não levaria tropas para a Ucrânia. Nem a frase clássica “todas as opções estão sobre a mesa” o presidente dos EUA foi capaz de dizer, dado que poderia causar danos aos mercados e, consequentemente, à poupança de seus concidadãos. Não, “sangue, suor e lágrimas” não estão no cardápio dos líderes ocidentais.

A Ucrânia que se vire, esta é a mensagem. A situação tem semelhança com a agenda de combate às mudanças climáticas: muitas reuniões, muitos discursos, muitas boas intenções, mas tirar um pouco de conforto da população para diminuir a emissão de carbono, isso não está no cardápio. E, assim, fazem de conta que estão apoiando a causa, enquanto o planeta continua esquentando e a Ucrânia continua sangrando. Entregar “sangue, suor e lágrimas” não é para qualquer um.