Pimenta nos olhos dos outros

Depois desse artigo de Eugênio Bucci, as definições de “pimenta nos olhos dos outros é refresco” foram atualizadas. Destaquei abaixo os trechos mais importantes, mas o artigo todo merece ser lido.

Comecemos com a avaliação do mestre em relação à “justeza” da greve. Lembremos que Bucci está do outro lado da mesa. Então, a pauta dos grevistas, segundo sua visão, já foi, ou está sendo, amplamente atendida. Portanto, a greve não tem sentido. Bem, essa é a postura de 100% dos que estão do outro lado da mesa em qualquer greve. Os “estudantes” têm uma pauta de 23 reivindicações distribuídas em 5 eixos. Bucci abordou duas questões. E as outras 21??? Não, meu caro Bucci, do ponto de vista dos grevistas, a greve é mais do que justa. Não deixa de ser curioso que o defensor dos “direitos democráticos” não se coloque a favor de uma greve em que grande parte das reivindicações ainda não foi atendida.

Mas a coisa piora. Segundo Bucci, a truculência dos grevistas só serve à “extrema direita anti-democrática”, que seria contra a universidade pública e gratuita. Entendam bem: não é que essa esquerda seja truculenta e anti-democrática. De maneira alguma. É que, no caso, esses métodos típicos da esquerda truculenta e anti-democrática são um tiro no pé, pois dão razão aos que acham erradamente que a universidade é um antro da esquerda truculenta e anti-democrática. Entenderam?

Aliás, essa é a mesma crítica que temos ouvido à respeito da greve dos metroviários: não é que a população seja refém dos metroviários, é que a greve passou a impressão de que a população é refém dos metroviários e, portanto, foi um tiro no pé. Ou seja, procura-se separar o exercício da truculência, que é inerente a esses movimentos, do movimento em si, como se isso fosse possível.

É comovedor o malabarismo que Bucci faz entre a crítica à greve e ao direito que os alunos têm de fazer greve. Nada contra o direito, mas ESSA greve é injusta e irresponsável, capice? Aliás, Bucci vai na mesma linha que adotei em meu post de ontem: os alunos estariam “treinando” seus posicionamentos políticos na universidade, seria uma espécie de campo de testes para os líderes políticos de amanhã, em um ambiente controlado. Sem dúvida! Boulos está aí para não nos deixar mentir. Portanto, greves são “uma força” da universidade, não uma fraqueza. Mas não ESSA greve.

Não Bucci. A legitimidade de uma greve não é função do que você acha justo ou injusto. Ou bem nenhuma greve de alunos financiados pelos impostos dos desdentados é justa, ou qualquer greve é justa. O gênio foi tirado da garrafa por pessoas como você, que defendem que os alunos tenham uma “vivência política” na universidade, como se os partidos políticos não tivessem seus próprios interesses, desconectados dos interesses da universidade. Agora, resta fazer malabarismos em artigos de jornal.

Brincando de greve

Reportagem no site da Adusp (Associação dos Docentes da USP) nos dá detalhes da greve que não existem nas matérias dos grandes jornais. Para dar o devido crédito, cheguei nesse site através da menção em reportagem de ontem do Estadão.

Em primeiro lugar, ficamos sabendo que Eugênio Bucci (sim, ele mesmo) está na mesa de negociações pelo lado da reitoria. Muito legal ver o champion da democracia lidando com as consequências do tipo de pensamento que representa.

Em segundo lugar, delicioso ver que as negociações não passaram sequer das preliminares, a pauta que seria discutida. Pudera, irmão: “23 reivindicações em 5 eixos” é coisa pra dedéu. Aliás, ouviu a palavra “eixo”, já sabe que é coisa de planejamento estatal. O programa do PT está cheio de “eixos”, e o recém-nascido plano de segurança pública do Dino tem mais “eixo” do que medidas concretas. Bem, os representantes da reitoria, incluindo Bucci, não toparam a pauta.

Mas o melhor vem agora: surpreendentemente, uma das líderes do movimento, Mandi Coelho, é filiada ao PSTU! Quem diria! A moça tem 28 aninhos e é diretora do Centro Acadêmico da Letras. Sua página no Facebook tem uma ilustração de Lênin, que, como sabemos, implantou a democracia na União Soviética.

Por fim, foram 11 os “representantes” dos estudantes nessa reunião com a reitoria, mas apenas os nomes de Mandi Coelho e Allan Terada são citados. Este último está terminando Geografia, e cursou o colegial no Colégio Santa Cruz, um celeiro de lideranças. Terada ameaçou “subir o tom” se as negociações não caminhassem, o que quer que isso signifique.

Sinceramente, essa greve me faz lembrar aquelas atividades de “ONU” no colégio, em que alunos assumem o papel de diplomatas para entender como a coisa funciona. Nessas dinâmicas nada está realmente em jogo, os atos dos “diplomatas-mirins” não têm maiores consequências para si mesmos ou para os outros. Nessa greve dos “estudantes”, também não há risco para os estudantes ou para a comunidade acadêmica. No final, ninguém será punido, ninguém repetirá de ano, todo mundo vai sair com seu diploma e os professores vão continuar recebendo os seus salários. Mas os “estudantes” terão vivido a experiência de uma greve, em que “negociam” com autoridades que entram no jogo para que os “estudantes” tenham uma experiência imersiva completa. Com a atividade lúdica encerrada, todos voltarão para a casa de seus pais, onde têm cama, comida e roupa lavada. Afinal, a vanguarda do proletariado merece.

A surpresa do reitor

Entrevista com o reitor da USP, onde alguns alunos e professores estão em greve. Não pude deixar escapar gostosas gargalhadas com a surpresa do reitor, ao constatar que os mesmos estudantes que “defenderam a democracia” ao se colocarem contra a reeleição de Bolsonaro, agora atuam na direção contrária, impedindo seus colegas, de maneira truculenta, de assistirem às aulas.

Não sei exatamente em que planeta vive o reitor, ao pensar que o PT e seus satélites têm alguma credencial democrática. O modus operandi dessa turma é esse aí: não tem debate, tem porrada. Só tem debate (como no caso da relação entre Planalto e Congresso) quando o outro lado tem um porrete maior. Aí, entra em cena o vitimismo: “ain, estão querendo impor na base da força”. Caso contrário, é isso que estamos vendo na USP: “estudantes” ligados a esses partidos políticos botando pra quebrar.

E ai de quem quiser “argumentar” ou “dialogar”. Fascista é o adjetivo mais elegante. A prova de que o reitor vive no mundo de Nárnia é a sua sugestão de que os alunos contra a greve compareçam às assembleias para votar. Como se essas “assembleias” fossem espaços democráticos. A condução dessas votações faria Arthur Lira parecer a Madre Teresa.

A parceria que os social-democratas (entre os quais o reitor) fez com os partidos de esquerda para vencer Bolsonaro não autoriza a ilusão de que todos estão no mesmo barco democrático. A democracia não venceu com Lula. Quem venceu foi essa mesma esquerda truculenta infensa ao diálogo, e que tanta surpresa causa ao reitor.

Mas não tem crise?

Já escrevi aqui sobre a reivindicação dos professores das universidades estaduais paulistas de poderem ganhar acima do teto constitucional, que é o salário do governador. Não vou aqui entrar no mérito da justeza da reivindicação. Meu ponto é apenas financeiro.

Leio estupefato, em reportagem no Valor de hoje, a afirmação dos docentes de que tal reajuste não afetará financeiramente as contas do Estado, pois o repasse continuará sendo o mesmo: 9,57% do ICMS.

Fiquei estupefato porque, para mim, as universidades paulistas estão em crise financeira, sem condições de tocar obras e, até, de pagar o 13o salário de servidores, conforme podemos observar nas manchetes abaixo.

Se estão em crise financeira, como arrumarão dinheiro para pagar aumentos salariais que sequer estavam previstos no orçamento???Agora, ficamos sabendo que a USP está trabalhando com superávit, e que este reajuste deve poder ser pago com o orçamento já aprovado de 2020. O mesmo deve estar acontecendo com as outras duas universidades, pois não se fala mais em “crise financeira”.

Então, fica aí a lição: quando você ouvir falar em “crise financeira” das universidades, saiba que é fake news. Quando interessa, tem dinheiro sobrando.