Já vai tarde

O deputado Tiririca renunciou à vida pública. Anunciou que não vai concorrer a um terceiro mandato. Sai do Parlamento para voltar ao Circo.

Fez um discurso emocionado. Disse que tem vergonha dos deputados (mas não de todos, fez questão de não generalizar, mas já generalizando). Afirmou que sai de cabeça erguida, pois cumpriu com o seu dever, que foi o de votar pelo povo. Pediu aos deputados que pensassem mais no Brasil, no povo pobre, e não nos seus egos. Que deixassem de brigas e de rixas. Chegou a dizer que sua pobre mãe está internada em um hospital público, pois não tem plano de saúde! (Se o salário de deputado + o salário de artista nacionalmente conhecido não é suficiente para pagar uma Prevent Senior para a mãe, então estamos todos perdidos mesmo).

Tiririca foi eleito duas vezes para o Parlamento brasileiro, em ambas com mais de um milhão de votos. Não estou na cabeça de quem votou nele, mas imagino que tenha sido, principalmente, porque estava cansado dos políticos tradicionais, e Tiririca era uma piada bem adequada para o Congresso que temos. Alguns, inclusive, podem ter pensado que, não sendo um político tradicional, poderia, quem sabe, “fazer algo pelo povo”.

Este foi, aliás, o mote do discurso de despedida de Tiririca: ele fez algo pelo povo, povo este esquecido pela maior parte dos parlamentares.

Se eu fosse escolher um exemplo de discurso demagógico, seria este. Discurso de quem não entendeu como funciona a política e acha que tem a solução de todos os problemas do país: basta “não pensar em si mesmo e pensar no povo”.

Certa vez, ouvi Mario Covas dizer que se orgulhava de sua condição de Político. Assim mesmo, com P maiúsculo. O que é um Político? O que é a Política?

Política é a arte da conciliação de interesses divergentes.

Veja: se em uma casa, dentro de uma família, muitas vezes é difícil fazer convergir a opinião sobre um programa a se fazer, sobre o que comer, enfim, sobre tantas coisas, imagine em grupos maiores. Imagine, enfim, em um país, com tantas cabeças com ideias diferentes. E isso porque, em uma casa, não há democracia: pai e mãe mandam, ainda que, com sabedoria, possam escutar os filhos.

Em uma democracia, é preciso se chegar a maiorias. Para isso, o formato consagrado é a existência de um Parlamento, eleito diretamente pelo povo. Estes são os representantes que refletirão as diversas ideias do que é bom ou ruim para o povo.

Tiririca acha que fez um bom trabalho simplesmente porque compareceu a todas as sessões e sempre votou “a favor do povo”. Não entendeu nada. Fazer política não é o mesmo que trabalhar em uma fábrica, onde o operário padrão não falta e encaixa uma peça na outra com perfeição. Fazer política é procurar juntar uma maioria em torno de suas ideias. Conversar, discursar, propor, compor. Estar de corpo presente e apertar um botão nas votações é a menor parte desse trabalho.

Tiririca, na verdade, fraudou o voto que recebeu. Seu único discurso no Parlamento foi este último, em que anunciou sua saída da vida pública. Saída de um lugar onde nunca verdadeiramente entrou. Pois nunca foi um Político com P maiúsculo. Foi somente um puxador de votos, papel a que se prestou com prazer.

Sua pretensão de ter votado sempre com o povo é a mesma de todos os parlamentares: todos acham que estão votando pelo povo. Na verdade, todo mundo acha que suas ideias são as melhores. E é para isso que existe o Parlamento: para o embate entre as melhores ideias de todo mundo. Pretender ser o único que votou sempre “pelo povo” é quase uma pretensão messiânica.

Claro, há bandidos, pessoas ruins. Como as há em qualquer ramo profissional. É da natureza humana. Somos homens, não anjos. A solução para isso não é apelar para que “esqueçam seu ego” e “façam algo pelo povo”. Isso é pedir um super-homem, coisa que não se pede em outras profissões. Coisa que só existe como pretensão em regimes totalitários.

Não melhoraremos a qualidade do Parlamento com super-homens ou com anjos. A solução passa por consertar a estrutura de incentivos perversos vigente. Quanto mais estatais e ministérios e cargos de confiança houver, maior será o toma-lá-dá-cá. Quanto menos dessas sinecuras houver, menor será a atração para políticos que querem se locupletar.

Tiririca se coloca como o homem humilde que tentou fazer alguma coisa pelos pobres, mas foi triturado pela máquina. Na verdade, foi um embuste, um cacareco que se levou a sério, mas não estava minimamente preparado para fazer Política. Já vai tarde.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.