Os problemas do Brasil não são improvisados

Trem lotado. De pé, tento ler o jornal no meu iPad, quando começo a ouvir a voz do Milton Leite narrando os gols do Corinthians. Vem do celular de um rapaz sentado à minha frente. Como vocês sabem, foi uma partida de 9 gols, de modo que aquilo não parava.

Cutuquei o ombro do rapaz e perguntei delicadamente se ele poderia colocar um fone de ouvido. “Se eu tivesse estaria usando”, foi a resposta, um pouco menos educada. Logo em seguida, como se tivesse sido combinado, a voz feminina simpática da gravação que distribui avisos aos passageiros lembra: “A CPTM informa: é proibido o uso de aparelhos sonoros sem fones de ouvido”.

O rapaz não se deu por achado e continuou ouvindo os gols como se nada tivesse acontecido. Em seguida, engatou um game igualmente barulhento.

Trajava terno, e a julgar pela estação onde desceu, o rapaz deve trabalhar em algum escritório da região da Faria Lima. Não é, portanto, analfabeto ou miserável. É, antes, o típico representante da classe C urbana. Um brasileiro, enfim, para quem a lei é boa quando é para os outros, e deve ser ignorada quando contraria seus interesses.

O rapaz do trem é um brasileiro. Lula é um brasileiro. Os problemas do Brasil não são improvisados. Foram construídos com afinco ao longo de gerações pelos brasileiros.

Ora, pois

Se o testemunho do produtor rural fosse verdadeiro, não precisaria de lei para tornar obrigatório o pagamento da contribuição sindical, ora pois.

Pobre América Latina

O Estadão traz a história do pedreiro Juan Rudá, que se senta diante de uma obra o dia inteiro, na esperança de ser contratado.

“Rudá deve votar em Maduro”, diz a reportagem. Para Rudá, a situação da Venezuela é fruto de uma conspiração entre EUA e os atravessadores locais. A família de Rudá vive das esmolas dadas pelo governo chavista.

Rudá vai votar em Maduro, apesar de tudo! Em qualquer país normal, um governo que gerasse uma recessão de metade do PIB em 4 anos seria escorraçado. Na verdade, em qualquer país normal, um governo que tivesse gerado 8% de recessão em dois anos seria escorraçado. No entanto, vemos Lula líder nas pesquisas de intenção de voto!

A tragédia latino-americana não poderia estar melhor descrita. A mistificação ideológica faz com que erros grosseiros de condução macro e microeconômicas se tornem peças de resistência ao imperialismo, que supostamente reage à perda de sua influência por meio de boicotes que geram recessões brutais.

A aliança de uma elite intelectual bocó, que vê imperialismo debaixo da cama, com o interesse de corporações corruptas e com a ignorância do povo fazem o caldo de cultura perfeito para o voto em tipos como Maduro e Lula. Pobre América Latina.

A inflação não está morta

A inflação da Argentina em abril foi de 2,7%. Coincidentemente, a mesma inflação anual do Brasil e a mesma inflação a cada dois dias da Venezuela (segundo estimativas do FMI).

Recentemente, em conversa com um dirigente de um banco, comentando sobre a inflação na Argentina, ele me disse: “não existe isso de inflação estável em 20% ao ano. Ou a inflação está subindo deste patamar, e então é explosiva, ou está caindo para níveis civilizados. 20% não é e nunca será uma inflação estável.”

Eu diria que 6% ao ano já não é estável. Neste patamar os agentes já começam a se proteger de uma inflação futura maior, gerando uma inércia difícil de parar. Não existe isso de “um pouco mais de inflação para gerar um pouco mais de crescimento”. Inflação nunca permitiu crescimento sustentável. Pode ter algum efeito de curto prazo, pelas condições monetárias mais frouxas, mas o efeito de longo prazo é deletério. Basta ver a brutal recessão da qual estamos saindo, mesmo com uma inflação de 6% ao longo de todo o governo Dilma, e de 11% em seu último ano.

A inflação desorganiza a economia. Tira a capacidade de planejamento das empresas e das famílias, que passam a olhar apenas o curto prazo. Hoje estamos em situação muito melhor que Argentina e Venezuela, mas isto é circunstancial. O flerte de boa parte dos candidatos à presidência com práticas não ortodoxas não permite pensar que nosso passado inflacionário ficou definitivamente para trás. Se o Estado brasileiro, aos olhos dos credores, perder a capacidade de pagar a sua dívida, só restará a inflação como remédio.

A moeda de um país é a medida de sua seriedade. O Brasil, apesar de tudo, tem hoje uma moeda que preserva seu valor ao longo do tempo. Espero que não coloquemos essa conquista a perder nas próximas eleições.

Diagnóstico errado

Esboço de um “plano econômico” do PT foi publicado hoje no Valor.

É incrível como, depois de dois anos da mais brutal recessão da história brasileira, os caras vêm com as mesmíssimas ideias que nos levaram para o buraco. Por exemplo, insistir no crédito às famílias como a alavanca que vai “despertar” a economia, em um contexto de alto endividamento.

A ideia de “usar o compulsório” mostra quanto esses caras não entendem como funciona o mercado financeiro. Os bancos não estão emprestando não por falta de funding, mas por falta de tomador! As famílias já estão super endividadas, e não tem mais como tomar empréstimos. Refinanciar para emprestar mais significa aumentar o endividamento das famílias, o que não se daria a um custo baixo. A não ser que os bancos públicos fossem usados para dar crédito “baratinho”, e já vimos onde isso termina.

De como são feitas as notinhas nos jornais

Duas notas políticas de hoje, uma no Estadão, outra no Valor.

Na primeira, Alckmin persegue Temer. Na segunda, Alckmin ignora Temer.

Aprenda: as análises e notas políticas são plantadas nos jornais pelos próprios políticos, de acordo com seus próprios interesses.