O nó do ensino de qualidade

Minha filha, que cursa o 2o colegial de uma escola técnica, idealizou um projeto de complemento escolar em escolas públicas, com o objetivo de preparar alunos do ciclo fundamental para os vestibulares de escolas técnicas. Juntou alguns amigos, conseguiu a adesão de uma escola estadual, e começou a dar aulas de reforço aos sábados.

Seu primeiro impacto foi se deparar com a falta de interesse dos alunos. Ninguém compareceu no 1o dia e a direção da escola teve que promover exaustivamente a iniciativa para que meia dúzia de gatos pingados aparecessem nas aulas. Ela não entende porque os alunos não aproveitariam uma oportunidade de melhorar seu desempenho acadêmico e, assim, ter mais chance nos vestibulares das boas escolas. Ela aprendeu que não bastam os recursos. É preciso que haja incentivo.

A loteria da vida importa muito para o sucesso escolar e profissional das pessoas. Isto não é novidade e foi mais uma vez constatado por uma regressão simples entre nota do ENEM e características socioeconômicas dos vestibulandos, conforme matéria de hoje no Estadão.

Agora, correlação é uma coisa, causalidade é outra bem diferente. O pesquisador entrevistado toca em um ponto importantíssimo para a explicação desse fenômeno: a influência dos pais e dos colegas na escola. Viver em um lar onde os pais têm curso superior (e, portanto, maior renda) faz com que os filhos tomem como natural o caminho para um curso superior. É desses fatos da vida, como casar e ter filhos. A correlação se dá com a renda porque ensino superior está correlacionado com renda superior. Mas o fator exemplo tem também uma influência enorme. E não só isso. O incentivo dos pais nessa direção é fundamental. As histórias de pessoas com poucos recursos que conseguem vencer a barreira da renda normalmente contam com uma família que soube incentivar o estudo e fez o filho apontar alto, mesmo com os pais não tendo curso superior.

O pesquisador entrevistado afirma que, mesmo com escolas públicas de qualidade, o problema não estaria solucionado porque o estímulo familiar é indispensável. Não poderia concordar mais. As escolas podem ser de excelente qualidade. Se a família de onde vem o aluno não dá valor a isso e não aponta metas altas para os seus filhos, aquilo mitigará o problema, mas não será a panaceia que resolverá tudo.

Não há solução fácil de curto prazo. Escolas públicas de qualidade e cotas sociais podem mitigar o problema de famílias pouco focadas na formação de seus filhos. A esperança é de que, ao longo de gerações, com os investimentos em educação básica, mais indivíduos desfavorecidos pela loteria da vida possam ultrapassar esta barreira e formar famílias que incentivem seus filhos. Trata-se de um processo que demanda gerações, se as políticas públicas forem na direção correta. E este é um grande “se”.

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