A Lava-Jato sobe a rampa

A Lava-Jato vai subir a rampa do Palácio do Planalto no dia 1º de janeiro.

Depois de ter derrubado um presidente, desorganizado o sistema político da Nova República e eleito um presidente, nada mais natural do que a Lava-Jato ir para o centro do poder político.

No entanto, é natural também que se questione a conveniência de que uma operação que mexeu com interesses tão arraigados no sistema político tenha o seu maior símbolo envolvido diretamente com esse sistema.

A questão é justamente essa: Moro estaria colocando a sua isenção em dúvida ao ter aceitado o convite de Bolsonaro? A sua atuação como juiz teria, de alguma maneira, sido influenciada pelo seu sentimento anti-PT, compartilhado com Bolsonaro? A operação Lava-Jato estaria finalmente mostrando a sua cara?

A mulher de César deve parecer honesta além de ser honesta, isto é verdade. Por outro lado, vivemos uma situação em que os críticos da mulher de César a criticarão independentemente do que ela faça. Ou seja, a mulher de César é considerada desonesta e não adianta nada parecer honesta.

Moro julgou e condenou Lula. Este é o fato que o torna suspeito. Afinal, como pode alguém condenar Lula, o ser humano mais inocente que já passou por esta Terra? Óbvio que a única explicação possível é de que há interesses escusos envolvidos. O fato de Moro ter aceitado o convite de Bolsonaro somente reforça esta narrativa, não a cria. Ou alguém imagina os petistas falando algo do tipo: “é, o Moro não aceitou o convite, então o Lula deve ser culpado mesmo”. Se e quando Moro fosse indicado para uma vaga no STF, a acusação seria a mesma.

Pois bem. Quão prejudicial para a Lava-Jato é este reforço da narrativa petista? Os resultados alcançados pela operação ficam comprometidos? Parece-me pouco provável. Às vezes nos perdemos na narrativa política e esquecemos que a operação Lava-Jato é técnica: é necessário percorrer várias etapas no processo, colher indícios e provas, fazer audiências e interrogatórios, montar uma peça de acusação que sobreviva ao escrutínio de três desembargadores em 2ª instância e, eventualmente, em instâncias superiores. Cada um acredita no quer ou no que lhe convém, mas é preciso um grande esforço para acreditar que todo este aparato esteja a serviço da causa antipetista. E a ida de Sergio Moro para o governo não muda uma vírgula essa situação, para pior ou para melhor.

Não é o primeiro lance controvertido e ousado do juiz-símbolo da Lava-Jato. O mais famoso foi o levantamento do sigilo telefônico do papo cabeça entre Lula e Dilma, e que impediu a nomeação do ex-presidente como ministro da Casa Civil. Atuando na zona cinzenta da lei, Moro impediu a potencial paralização da operação. O juiz de Curitiba já mostrou que não tem medo de assumir riscos calculados quando se trata de combater a corrupção. Ele sabe que não há outro modo de enfrentar crimes cometidos nas altas esferas governamentais. A sua entrada no ministério de Bolsonaro é mais um desses lances ousados, com o mesmo objetivo de sempre.

O que aterroriza o sistema político (e o PT é apenas a voz mais estridente, mas não a única) é que, ao contrário da cantilena habitual dos políticos que assumem ministérios e presidências, o combate à corrupção não é da boca para fora. Moro não assumiria o posto para deixar tudo como está. Pode ser que fracasse, mas não será por falta de tentar. E talento para isso já mostrou que tem de sobra.

A reforma dos sonhos

Este é o resumo do projeto de reforma da Previdência proposto por Paulo Tafner e Armínio Fraga, e que foi entregue a Paulo Guedes na 2a feira. Tafner é um dos maiores especialistas em previdência do Brasil e Armínio dispensa apresentações.

Este projeto economizaria R$1,2 trilhão aos cofres públicos em 10 anos e, de quebra, melhoraria o índice de Gini da previdência em 16% (o índice de Gini mede a desigualdade de renda). Para se ter uma ideia, o projeto do Temer, antes de ser aguado no Congresso, economizaria R$800 bi.

Se aprovado, este projeto significaria um choque de tal monta nas expectativas, que a redução dos juros e a apreciação do câmbio decorrentes dariam um impulso incrível ao crescimento econômico.

Sonhar não custa nada.

O nó do ensino de qualidade

Minha filha, que cursa o 2o colegial de uma escola técnica, idealizou um projeto de complemento escolar em escolas públicas, com o objetivo de preparar alunos do ciclo fundamental para os vestibulares de escolas técnicas. Juntou alguns amigos, conseguiu a adesão de uma escola estadual, e começou a dar aulas de reforço aos sábados.

Seu primeiro impacto foi se deparar com a falta de interesse dos alunos. Ninguém compareceu no 1o dia e a direção da escola teve que promover exaustivamente a iniciativa para que meia dúzia de gatos pingados aparecessem nas aulas. Ela não entende porque os alunos não aproveitariam uma oportunidade de melhorar seu desempenho acadêmico e, assim, ter mais chance nos vestibulares das boas escolas. Ela aprendeu que não bastam os recursos. É preciso que haja incentivo.

A loteria da vida importa muito para o sucesso escolar e profissional das pessoas. Isto não é novidade e foi mais uma vez constatado por uma regressão simples entre nota do ENEM e características socioeconômicas dos vestibulandos, conforme matéria de hoje no Estadão.

Agora, correlação é uma coisa, causalidade é outra bem diferente. O pesquisador entrevistado toca em um ponto importantíssimo para a explicação desse fenômeno: a influência dos pais e dos colegas na escola. Viver em um lar onde os pais têm curso superior (e, portanto, maior renda) faz com que os filhos tomem como natural o caminho para um curso superior. É desses fatos da vida, como casar e ter filhos. A correlação se dá com a renda porque ensino superior está correlacionado com renda superior. Mas o fator exemplo tem também uma influência enorme. E não só isso. O incentivo dos pais nessa direção é fundamental. As histórias de pessoas com poucos recursos que conseguem vencer a barreira da renda normalmente contam com uma família que soube incentivar o estudo e fez o filho apontar alto, mesmo com os pais não tendo curso superior.

O pesquisador entrevistado afirma que, mesmo com escolas públicas de qualidade, o problema não estaria solucionado porque o estímulo familiar é indispensável. Não poderia concordar mais. As escolas podem ser de excelente qualidade. Se a família de onde vem o aluno não dá valor a isso e não aponta metas altas para os seus filhos, aquilo mitigará o problema, mas não será a panaceia que resolverá tudo.

Não há solução fácil de curto prazo. Escolas públicas de qualidade e cotas sociais podem mitigar o problema de famílias pouco focadas na formação de seus filhos. A esperança é de que, ao longo de gerações, com os investimentos em educação básica, mais indivíduos desfavorecidos pela loteria da vida possam ultrapassar esta barreira e formar famílias que incentivem seus filhos. Trata-se de um processo que demanda gerações, se as políticas públicas forem na direção correta. E este é um grande “se”.