Avaliação de riscos

Muitos são os sentimentos que brotam de uma tragédia como a de Brumadinho. Mas uma palavra se destaca nas análises que li até o momento: punição.

O resumo é basicamente o seguinte: se tivesse havido punição no caso de Mariana, Brumadinho não teria ocorrido. Os responsáveis teriam pensado duas vezes antes de deixar a coisa chegar onde chegou.

Permitam-me discordar.

Em primeiro lugar porque, mesmo que as penas fossem muito duras, cerca de três anos depois da tragédia de Mariana não haveria ninguém preso. Lembrem-se de que nosso sistema de justiça é amigo de quem pode pagar bons advogados. E a Vale certamente pode. Recursos dos recursos dos recursos estariam sendo interpostos, discussões infindáveis sobre a responsabilização deste ou daquele e outras chicanas estariam sendo usadas para livrar da punição quem sabe usar o sistema judiciário brasileiro, uma verdadeira fábrica de impunidade, com raras e honrosas excessões.

Agora, mesmo que o judiciário brasileiro fosse um exemplo de rapidez e justiça, duvido que isso teria algum efeito relevante sobre as atitudes que levaram a Brumadinho. Explico.

Imagine-se você como diretor da Vale, tendo que tomar decisões sobre as barragens. Se você tomar as decisões erradas, centenas de vidas serão ceifadas, um desastre ambiental de dimensões cósmicas ocorrerá, a empresa poderá 20% do seu valor, provavelmente uma parte relevante de sua remuneração será cortada e você terá que passar pela vergonha de admitir erros em cadeia nacional de rádio e TV. Difícil imaginar que alguém pense: “bem, tudo certo. Como eu não vou ser preso, vamos continuar fazendo a coisa errada”.

Veja, não estou defendendo que não haja punições. Deve haver por uma questão de justiça. Mas achar que isso, colocar os diretores na cadeia, será suficiente para evitar novas tragédias, parece-me ingênuo.

Qualquer pessoa avalia os riscos de suas decisões. Nós estamos fazendo isso o tempo inteiro. Quando decidimos atravessar a rua fora da faixa, ponderamos o risco de sermos atropelados em função do benefício de andar menos. De vez em quando, o risco não compensa. Parece-me pouco provável que os responsáveis pela decisão de manter a barragem de Brumadinho tenham dado de ombros para a possibilidade de centenas de mortes, desastre ambiental etc e tenham seguido com um procedimento arriscado, mas se houvesse a ameaça de prisão não teriam seguido em frente. O “downside”, mesmo sem a pena de prisão, já é suficientemente grande.

O que provavelmente aconteceu é que houve uma falha da avaliação do risco. Foi colocado sobre a mesa de quem tomou a decisão um panorama que subestimou os riscos. Este panorama seria considerado para decisão mesmo que houvesse a perspectiva de punição com prisão dos envolvidos. Pessoas atravessam fora da faixa, subestimando o risco de serem atropeladas. Quer maior punição do que a própria morte?

Novamente, que se aumentem as penas e que se punam os responsáveis, por uma questão de justiça. Mas evitar novas Brumadinhos passa por uma avaliação mais adequada dos riscos envolvidos no sistema de barragens. Quando um avião cai, a indústria aérea procura aprender com aquela tragédia, para que o sistema seja aperfeiçoado. Foi assim que chegamos a um índice realmente baixo de acidentes aéreos. É isso o que de melhor podem fazer a empresa e as autoridades competentes.

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