A lama em que nos encontramos

Pedro Cafardo é editor-executivo do Valor Econômico.

Hoje, Pedro comete uma coluna mais ou menos assim:

– O liberalismo tomou conta do governo brasileiro. E isso é bem-vindo, dado que o Estado brasileiro está falido e não consegue mais cumprir com suas obrigações.

– No entanto, seria bom olhar para o que está acontecendo lá fora: Trump e até a liberal Alemanha estão mudando as regras do jogo e protegendo suas indústrias “estratégicas”.

– Pausa na coluna para a descrição da “experiência” e do “orgulho” de voar em uma aeronave da Embraer na África do Sul. Uma “emoção”.

– Depois de demonstrar, com essa “experiência”, o quanto a Embraer é “estratégica” para o Brasil, o articulista volta a falar da tal “onda antiliberal” no mundo e como o Brasil, com o novo governo, está na contramão.

– Por fim, questiona se este seria o melhor momento para vender as estatais brasileiras. Afinal, se a joia da tecnologia brasileira foi vendida por “míseros” US$ 5 bilhões, quanto valeriam as outras joias?

Vou começar a descascar a partir desse “míseros” na frente dos 5 bi. O editor-executivo do Valor, o maior jornal de finanças do país, não sabe o que é valuation de uma empresa. Trata seus acionistas como um bando de idiotas, que não sabem fazer contas, e estivessem vendendo o “patrimônio brasileiro” a preço de banana. Segundo Cafardo, o Estado brasileiro precisa intervir, impedindo que os acionistas façam essa besteira. Afinal, só o Estado sabe o quanto realmente vale esse “orgulho nacional”.

O final dessa história já sabemos: sem condições de competir no mercado global, em determinado momento a Embraer fecharia fábricas, demitindo milhares de empregados. Clamores se levantariam para que o governo “fizesse alguma coisa” para preservar os empregos e subsídios seriam dados para manter uma empresa zumbi, sem condições de sobrevivência.

Protegemos indústrias ao longo de décadas e os resultados estão aí para quem tem olhos para ver. Queremos fazer o que supostamente estão fazendo agora EUA e Alemanha, sem ter antes colocado as condições para a acumulação de capital físico e humano, coisa abundante nos dois países. O resultado é o crony capitalism, uma corruptela do capitalismo. Aliás, não deixa de ser curioso um editor do Valor elogiando a política de Trump no que ela tem de mais imbecil.

Por fim, de maneira marota, Cafardo dá um salto quântico no artigo, passando para a venda das estatais. O único link possível entre os dois casos, Embraer e estatais, é o seu valor estratégico. Mas o colunista não cita o valor estratégico, mesmo porque é difícil defender que, por exemplo, os Correios tenham algum valor estratégico. Cafardo vai pela linha do valor da venda: a Embraer, joia da tecnologia nacional, foi vendida por míseros 5 bilhões. Seria este o momento de vender as estatais? Como se o Estado brasileiro estivesse nadando em dinheiro e tivesse escolha. E, pior, como se as empresas estatais, continuando nas mãos do Estado, pudessem algum dia valer mais.

A coluna de Pedro Cafardo tem sua utilidade. Quando um editor-executivo do maior jornal de finanças do país comete um artigo desse naipe, tomamos consciência da lama em que nos encontramos.

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