Quanto vale a vida?

A coluna de hoje da Claudia Safatle no Valor Economico aborda o espinhoso tema dos preços dos remédios.

A indústria farmacêutica sofre do mesmo estigma do sistema bancário. No caso dos bancos, trata-se de condenar o lucro com atividades meramente especulativas, que sugam recursos das atividades produtivas. No caso da indústria farmacêutica, a condenação se refere ao lucro com um artigo que não tem preço: a saúde humana.

Especificamente, a discussão é sobre o limite para a compra, por parte dos governos, de remédios para doenças raras. Como o próprio nome diz, a doença é rara e, portanto, a demanda é muito baixa. Faz sentido que o governo compre esses remédios, em uma espécie de “seguro saúde” universal para quem teve o azar de ser sorteado nessa loteria da vida invertida.

A questão é: qual seria o “preço justo” para esses remédios? A única maneira de testar é através do estabelecimento de um preço-teto e verificar se a oferta do remédio permanece. Mas essa ideia tem dois problemas: 1) o preço-teto, na prática, tabela o preço por cima. Um laboratório que estivesse disposto a praticar um preço menor vai imediatamente subir o preço até o teto. 2) se o preço-teto estiver abaixo do nível economicamente viável para a produção do remédio, o governo e os pacientes ficam sem o remédio.

Mas a coisa é um pouco mais complexa. Novos remédios são fruto de anos de pesquisa. O estabelecimento de “preços justos” para os remédios mais caros pode até funcionar no curto prazo, porque o laboratório já desenvolveu aquele remédio e não vendê-lo significa prejuízo. No entanto, esse processo desencoraja novas pesquisas, pois o retorno econômico de um laboratório é formado por alguns sucessos e por muitos fracassos. Um remédio que cura uma doença rara é caro também porque deve pagar pelos inúmeros fracassos ao longo do caminho da pesquisa.

Chegar a um “preço justo” por meio de debates patrocinados por governos é o mesmo que tentar dirigir um carro por meio de um comitê sentado no banco de trás. Somente quem está com a pele no negócio, sofrendo concorrência e tendo que justificar cada dólar de investimento sabe quanto custa cada decisão sobre os preços dos remédios.

Saúde tem preço sim. Cabe aos governos buscar formas de tornar acessíveis os tratamentos mais caros sem, no entanto, matar a galinha dos ovos de ouro, sem a qual os remédios mais caros sequer existiriam.

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