Explicações simplistas

Você é convidado a escrever uma breve análise sobre alguma notícia recém-saída do forno. São só cerca de 150 palavras, então você precisa caprichar bem, porque são os seus 15 minutos de fama. Daí, você comete essas duas “análises” publicadas hoje no Estadão.

Na primeira, o título leva a crer que a economia explica a queda da violência. Afinal, de 2017 para cá, a economia se recuperou de dois anos de recessão. Só pode ser piada. Até o próprio autor não acredita muito no que afirmou, pois faz a ressalva de que os crimes continuam caindo em 2019, com um cenário de estagnação. Como se 2019 estivesse muito diferente de 2017 e 2018. É do balacobaco. Observando o gráfico abaixo, vemos que durante a década passada, com crescimento econômico muito maior, não houve queda significativa da violência, a não ser no ano de 2004, que comentaremos a seguir. Pelo contrário, a violência continuou a subir até 2014, ano do início da recessão. Então, as conclusões não conversam com os dados.

A segunda “análise” se refere ao Estatuto do Desarmamento, baixado por Lula em dezembro de 2003. De fato, os crimes em 2004 apresentaram uma queda significativa, mas depois, aos poucos, voltaram a subir, ultrapassando o pico anterior em 2012, continuando a subir a partir daí. Com o mesmíssimo Estatuto em vigor. Portanto, parece pouco lógico que o Estatuto tenha tido efeito permanente sobre a violência, se é que houve algum. Para tirar alguma conclusão, seria necessário ter estatísticas sobre assassinatos realizados com armas legais e não legais. Desconfio que a imensa maioria é resultado de ação com armas não legais, que não são alcançadas pelo Estatuto. Mas é só uma desconfiança, não há dados para concluir nada. A favor do segundo artigo, pelo menos o autor reconhece que houve iniciativas virtuosas que podem ter levado ao resultado alcançado.

Essas duas análises só demonstram o quanto se pode distorcer dados para corroborar qualquer narrativa. Uma análise mais cuidadosa (e não precisa ser lá muito cuidadosa, como vimos acima) mostra que tudo não passa de uso de correlações espúrias para provar teses pré-concebidas.

A grande verdade é que não há uma explicação simplista para a queda do número de assassinatos no ano passado, como “a economia” ou “o estatuto do desarmamento”. Deve ter sido uma conjugação de fatores, muitos deles fora do campo de visão dos analistas. Mas sempre haverá demanda por explicações simplistas, pois o ser humano é um bicho em busca de explicações, que não suporta o “aleatório”. Enquanto for assim, as narrativas continuarão vivas e em boa forma.

Teoria do Gás

O procurador mineiro é um exemplo acabado do que eu costumo chamar de “Teoria do Gás” das finanças pessoais. Esta teoria diz o seguinte: assim como um gás dentro de um recipiente, os seus gastos sempre ocuparão todo o seu orçamento, até forçar as paredes e o recipiente explodir. E, importante: isso INDEPENDE do tamanho do recipiente ou do orçamento.

O procurador diz uma frase-chave, que corrobora a Teoria do Gás: “eu não tenho origem humilde, não estou acostumado com limitações”. É isso. É muito difícil para qualquer pessoa baixar o padrão de vida. Pode parecer chocante que alguém verbalize isso ganhando 24 mil por mês, mas essa é uma realidade que afeta qualquer pessoa, independentemente de quanto ganhe.

Isto não significa, obviamente, que o procurador não deva baixar o seu padrão de vida, em uma situação de penúria das finanças públicas. Todo brasileiro está apertando o cinto, e não há porque os procuradores não fazerem o mesmo.

O segredo é “suavizar” o nível de consumo ao longo da vida. Ou seja, não consumir tudo hoje, guardar um pouco para o tempo de vacas magras, que sempre virá. Há duas vantagens nessa abordagem: construímos uma reserva de emergência e acostumamo-nos com um padrão de vida um pouco inferior àquilo que nossa renda permitiria, o que torna mais fácil a adaptação aos tempos piores.

Normalmente as pessoas fazem o inverso: vivem ACIMA de sua renda, tomando dívida para isso. Quando chega o tempo das vacas magras, além de terem dívidas ao invés de uma reserva de emergência, estão acostumadas a um padrão de vida superior, tornando muito mais difícil a adaptação. Por isso vemos tanta gente que, apesar de ganhar muito bem, está quebrada.

O português nosso de cada dia

O problema do 02 é que ele escreve mal. Não sei se algum dia prestou o ENEM, mas sua redação não teria uma nota das melhores. E não por motivos ideológicos.

O caso do tuíte-bomba é exemplar. A diferença de interpretação do texto é esta: Carlos faz uma constatação, que ele acha que deveria levar à conclusão de que devemos ter paciência, enquanto a interpretação geral é de que ele incitava a um golpe contra as instituições democráticas.

Tanto seu tuíte deu margem a esse tipo de interpretação que uma fã bolsonarista (veja acima), insuspeita portanto, acha isso “muito grave”, e afirma que “por vias democráticas é o único jeito” para alcançar o sucesso. Ao que Carlos responde “óbvio!”. A esta altura, ele já deveria ter percebido a m… que fez.

O que deu origem a essa interpretação foi o uso da expressão “por vias democráticas”. Se ele tivesse começado, por exemplo, com um “Em uma democracia”, a repercussão seria mínima, se é que haveria alguma. O “por vias democráticas” passa a ideia de que há outras vias. “Em uma democracia”, por outro lado, dá como certo de que este é o regime, não há outro. E o pior é que o restante do tuíte só reforça a ideia de que “outras vias” deveriam ser buscadas. Afinal, é tudo muito lento, e somos dominados pelos mesmos de sempre.

Carlos se notabilizou pelos seus tuítes sem sentido, da mesma forma que Dilma pelos seus discursos destrambelhados. A fala e a escrita de qualquer pessoa bebem da sua organização mental. Ouvir Dilma falar ou ler os tuítes de Carlos informam muito sobre os seus respectivos mundos mentais. Alguns ainda tentam encontrar nos tuítes do 02 algum sentido oculto, como se fosse uma mensagem cifrada para os Illuminati. Bobagem. São simplesmente mal escritos.

No fim, Carlos, ao invés de vir a público humildemente pedir desculpas, como faria qualquer pessoa civilizada, põe a culpa na imprensa. Como se as pessoas, incluindo a sua fã bolsonarista, não soubessem interpretar um texto e precisassem, para isso, do auxílio de jornalistas. Se o primeiro tuíte pode ser creditado à sua inabilidade para escrever, o segundo não deixa margem a dúvidas sobre o seu caráter.

11/09

No dia 11/09/2001 eu trabalhava no Citibank. Cheguei pela manhã no escritório e começou um burburinho sobre um “acidente” em uma das Torres Gêmeas em NY. Parecia ter sido um avião de pequeno porte, de algum barbeiro dos ares.

Entrei em uma reunião de rotina matinal. Alguns minutos depois, o diretor da área, americano, entrou na sala, lívido, gritando “terrorist atack!”, “a Boeing crashed into the building!”. Ele falava português, mas aquela notícia ele só conseguiu dar em sua língua materna.

Fomos todos para a mesa de operações, onde havia TVs, e ficamos horas em pé, mesmerizados com aquelas cenas.

Isso foi o que ficou na minha memória daquele dia. E você? Onde você estava? Do que você se lembra?

Monopólio da Caixa

São tantos os absurdos que vemos por aí que não dá para acompanhar todos. O monopólio da Caixa na gestão do FGTS é um deles.

A Caixa cobra 1% ao ano para gerir o fundo. Um por cento! Para um fundo de mais de meio trilhão de volume! Faça uma concorrência qualquer no mercado, e choverá bancos dispostos a fazer o mesmo serviço por um centésimo desse valor.

Esse 1% ao ano é um imposto escondido, que arrecada R$ 5 bilhões por ano. A Caixa teve lucro de R$13 bilhões em 2018, recorde histórico. R$ 5 bilhões foram devidos a essa tungada no dinheiro do trabalhador. Ou seja, para fazer o seu trabalho “social”, a Caixa usa dinheiro do próprio trabalhador. Tira de um bolso sem fazer alarde e devolve para o outro bolso com banda e fanfarra. No meio, uma burocracia indemissível.

A Caixa não é o problema em si. A Caixa é só o sintoma do problema. Um problema que tem um nome: estado-dependência. A Caixa existe somente para dar a sensação de que o Estado está tomando conta de “sua gente”. Não importa que o dinheiro usado seja tungado do mesmo trabalhador que está sendo “ajudado”. O que importa é que a Caixa continue existindo para “diminuir as desigualdades do país”. O brasileiro merece a Caixa.

PS: acabo de ler em outra matéria que o total de subsídios para o programa Minha Casa Minha Vida para a baixa renda é de R$2,7 bilhões para 2020. Metade da taxa de administração paga para a Caixa “cuidar” do FGTS. O que está errado não está certo.

Lobby do funcionalismo público

Nas três esferas do poder, o total de funcionários públicos representa cerca de 9% da população economicamente ativa (dados de 2016). O número já é uma barbaridade em si, mas vá lá.

A tal da Frente Parlamentar em Defesa do Serviço Público representa 46% da Câmara! Ou seja, a Câmara dos Deputados não passa de um grande lobby dos funcionários públicos! Como eles chegaram lá em eleições livres?

A única reforma política que deveria estar sendo discutida é aquela que devolve ao cidadão que não é funcionário público o poder sobre as decisões do parlamento. O resto é para inglês ver.

A visão econômica do procurador

Em tese, Augusto Aras foi indicado para PGR por ser um sujeito com visão moderna da atividade econômica, não xiita, que iria destravar as obras necessárias para retomar o crescimento. Isso seria o bastante para compensar suas tendências esquerdistas e anti-lavajatistas.

Pois bem. Em abril deste ano, o futuro PGR assinou nota técnica do MPF, recomendando a franquia mínima de bagagem, uma iniciativa que fecha as portas para as companhias aéreas low-cost e, na prática, agrava a concentração de mercado neste segmento econômico. O presidente C&A para a nota técnica e vetou o artigo, no que fez muito bem.

Esta nota técnica não é de anos atrás, de modo que se poderia dizer que o futuro PGR “mudou de ideia”. Não. A nota é de abril deste ano.

Já li varias vezes por aqui que não devemos nos precipitar. Afinal, é preciso ver como Augusto Aras vai operar no dia a dia. Só será possível julga-lo pelos seus atos na PGR, não pelo seu passado. Com esse raciocínio, absolutamente qualquer um pode ocupar cargos no governo. Por exemplo, quando Mozart Ramos surgiu como nome para o ministério da educação, houve um barulho ensurdecedor nas redes. Ninguém lhe deu o benefício da dúvida, não ouvi ninguém dizendo “bem, vamos ver como ele opera”. Seu passado o condenou.

De onde concluo que o acerto ou erro na indicação de pessoas não se dá pelo currículo, mas pelo aval de Bolsonaro. Se o capitão falou, tá falado. Contestar é torcer contra o Brasil e querer a volta do PT.

“Esperar pelos atos do PGR” é uma falácia. Sempre haverá narrativas convenientes à mão para justificar seus atos, quaisquer que sejam. No limite, será sempre perseguição da mídia.

Então, ficamos assim: teremos um PGR com simpatias à esquerda, garantista e com visão paleozóica da atividade econômica. Mas, não vamos nos precipitar: as pessoas podem mudar radicalmente, mesmo aos 60 anos de idade.

Teto de gastos: uma explicação

A amiga Katia Izumida me pede para explicar o conceito de teto de gastos de maneira simples. Como essa deve ser uma dúvida de mais pessoas, afinal trata-se de um assunto muito técnico, vou tentar aqui.

Gosto de pensar no orçamento federal nos mesmos termos do orçamento doméstico. Afinal, é tudo dinheiro que entra e dinheiro que sai.

No nosso orçamento, uma grande parte é engessado. As despesas com escola, com o convênio de saúde, com o supermercado, com luz, água e gás, com aluguel ou prestação do apartamento, gastos com transporte, enfim, com as coisas essenciais, normalmente mexemos muito pouco, se é que mexemos.

Aí você tem uma outra categoria de gastos, que não são necessariamente menos essenciais, mas que podem ser adiados. Roupas, restaurantes, viagens. A gente pode adiar essas coisas, mas não muito. Quem aguenta ficar muito tempo sem uma roupa nova? Ou sem viajar ou se divertir de alguma maneira? São os falsos adiáveis, coisas com que um dia você vai precisar gastar.

O orçamento das pessoas, geralmente, é em grande parte formado pelo primeiro tipo de gasto, que são “incompressíveis”. Mais do que incompressíveis, eles se expandem no tempo. Queremos sempre algo melhor no supermercado, uma escola melhor para os filhos, um convênio melhor (na verdade, o preço do convênio aumenta sem ficar melhor rsrsrs).

Enquanto as receitas estão aumentando, tudo bem. O problema é quando param de aumentar ou cessam de uma vez por conta de uma demissão, por exemplo. Aí, os gastos “incompressíveis” vão tomando conta do orçamento e expulsando os gastos adiáveis. Só que tem uma hora que a coisa estoura! Como eu disse, é muito difícil ficar sem comprar uma roupa ou sem se divertir durante muito tempo.

O que fazemos com nosso orçamento, neste caso? Podemos, por exemplo, comprimir as despesas “incompressíveis”: compramos coisas mais baratas no supermercado, mudamos as crianças de escola, rebaixamos o convênio médico. Podemos também vender bens ou nos endividar. Claro que vender bens e endividar-se não resolve o problema, somente o adia. O problema somente será resolvido quando a receita for maior que a despesa.

O orçamento doméstico tem um teto de gastos natural, dado pela receita que temos. Mas isto é uma grande armadilha: aumentar as despesas acompanhando o aumento das receitas fará qualquer ajuste no futuro ser muito mais doloroso. A família se acostuma com um certo padrão de vida e, caso a receita caia abruptamente, a adaptação é muito difícil. O ideal é utilizar qualquer aumento de receita para fazer um pé-de-meia para um eventual tempo de vacas magras. Há duas vantagens nesta postura: a primeira é ter esta poupança. A segunda é viver com um padrão de vida um pouco menor do que a receita permitiria, o que torna uma eventual adaptação menos dolorida.

O governo caiu nessa armadilha com as quatro patas. Houve um aumento de receitas espetacular no grande ciclo das commodities (de 2003 a 2007). O que fez o governo, em todos os níveis? Aumentou despesas como se não houvesse amanhã. E quando falamos de governo, é bom lembrar que boa parte das despesas é “incompressível” por força de lei. Ou seja, os gastos “incompressíveis” são incompressíveis mesmo. Nada neste mundo consegue comprimi-los. Está escrito na lei e, para eliminar gastos incompressíveis é preciso mudar a lei. O resultado disso é que os gastos “adiáveis” são comprimidos até desaparecerem. Estes são os chamados “gastos discricionários”, aqueles para os quais não há uma lei forçando a mão do presidente. Para estes gastos, o executivo pode contingenciar, ou seja, deixar de gastar.

A lei do teto de gastos veio para tentar barrar o aumento desenfreado das despesas. Na verdade, é mais suave do que a lei que deveria existir e realmente resolveria o problema, que é gastar menos do que se arrecada. O governo está rodando com déficit! Em outras palavras, mesmo com o teto de gastos, a situação continua a se deteriorar! Este é o resultado de anos de aumento irresponsável de despesas.

O governo, assim como as famílias, pode vender bens (privatizar) ou se endividar para cobrir o rombo do orçamento. Mas a capacidade de se endividar termina quando os credores decidem que terminou. Isso não acontece da noite para o dia. No início, as taxas de juros cobradas sobem. Aos poucos, os credores dispostos a rolar a dívida vão diminuindo. Até que ocorre uma crise da dívida. Se você não sabe o que é isso, dê uma olhada na Argentina hoje.

Ao contrário do orçamento doméstico, os governos têm à mão a alternativa de imprimir o dinheiro com que pagam as suas dívidas e suas compras. Só que isso é uma ilusão: esse dinheiro sem lastro acaba perdendo o valor e, no final, não passa de papel pintado que ninguém quer. A isso chamamos de inflação.

Então, Katia, resumindo:
– O governo elevou despesas ao longo dos anos, com base em receitas crescentes. Quando as receitas caíram, descobrimos que as despesas são “incompressíveis”. Resultado: déficit nas contas e aumento da dívida.
– A lei do teto de gastos procura diminuir o ritmo de aumento das despesas. Trata-se de uma terapia suave, se comparado com o que deveria ser realmente feito, que é eliminar o déficit.
– A gritaria toda está nos gastos “adiáveis”, quando o problema real está nos gastos “incompressíveis”. Aí estão as vacas sagradas.

Isso tudo porque estamos falando somente do rombo primário, ou seja, sem considerar o pagamento de juros da dívida. A dívida acumulada por décadas de irresponsabilidade é tão gigantesca, que o pagamento dos juros é um capítulo à parte. E, mesmo que a dívida desaparecesse do dia para a noite (um calote, por exemplo), não teríamos nossos problemas resolvidos, pois ainda gastamos mais do que arrecadamos. Quem iria nos emprestar dinheiro para continuar a farra?

Brexit, a batalha final

Um primeiro-ministro como Boris Johnson foi a melhor coisa que podia acontecer para o Reino Unido nesse momento.

Era necessário um primeiro-ministro que colocasse de maneira selvagem todas as cartas na mesa, para forçar todas as posições. E o que vimos é que o parlamento britânico está longe de estar pronto para o Brexit. Muito longe.

Um acordo com a UE envolve resolver a quadratura do círculo: uma fronteira de Heidegger entre as duas Irlandas. Não tem solução. Portanto, não tem Brexit, a não ser que seja sem acordo. Boris Johnson colocou exatamente isso na mesa, e saiu derrotado. Ou seja, não tem Brexit.