Os precatórios e a dívida de São Paulo

Trecho extraído do jornal O Estado de São Paulo

Há alguns dias, publiquei um post sobre projeto de José Serra com o objetivo de desconsiderar o pagamento de precatórios como pagamento de dívidas. Segundo Serra, o precatório não seria uma dívida, porque o Estado paga quando pode, não tem uma data de vencimento, o que caracterizaria uma “dívida de verdade”. Brinquei até, dizendo que ia transformar todos os impostos que devo ao Estado em “precatórios”, e ia pagar quando eu “pudesse”.

Pois bem. Agora ficou clara a intenção de Serra: ajudar seu correligionário, o prefeito de São Paulo. A cidade bateu no teto do endividamento pelo critério de desembolso, e o pagamento dos precatórios da cidade comem uma boa parte desse limite. Solução? Dizer que pagamento de precatórios não é pagamento de dívida, e a mágica acontece: abre-se espaço para mais endividamento.

Serra, como economista, deveria saber que dinheiro não tem carimbo. Se o município desembolsa recursos para pagar precatórios, o dinheiro sai do caixa da prefeitura, qualquer que seja o nome que se dê a esse dinheiro. Essa discussão bizantina faz lembrar os embates sobre se a Previdência tinha déficit ou não: dependendo de como se carimbava receitas e despesas, a Previdência aparecia com déficit ou superávit. O que não mudava em nada o quadro de pura e simples falta de dinheiro.

A defesa que Serra faz dessa “reclassificação” dos precatórios lembra o “gasto é vida” de Dilma Rousseff. Aliás, Serra não passa de uma Dilma de calças em matéria macroeconômica. Ou vice-versa. Segundo Serra, o novo endividamento serviria para atender a tantas necessidades importantes da vida das pessoas. Nenhuma palavra sobre cortar gastos com salários, previdência, subsídios. Isso tudo é muito difícil. Mais fácil é reclassificar os precatórios e fazer mais dívida.

As necessidades da “vida das pessoas” são, por definição, infinitas. É como tentar colocar o mar em um buraco escavado na areia. Governos populistas vão aumentando gastos, aumentando, sempre prometendo atender todas as necessidades da vida das pessoas. É óbvio que isso não tem fim. Ou melhor, tem: o desastre fiscal que vivemos hoje, responsável pela maior recessão da história. Poderia ter terminado em hiperinflação também.

Se o projeto de Serra passar, aumentaremos ainda mais a dívida da cidade. Até, daqui a poucos anos, bater no teto novamente. Em algum momento, haverá um limite. E a solução será uma combinação entre corte de gastos e aumento de impostos. Prepare o seu bolso.

O que é, e o que nos é contado

“Se notabiliza pelas ofensas”.

O Estadão pública o “perfil” do youtuber e deputado estadual Arthur do Val, o Mamãe Falei.

Assisti a muitos vídeos do Mamãe Falei, e em nenhum sequer ouvi ofensas. Ele se notabilizou sim por se “infiltrar” em manifestações mortadelas e mostrar ao vivo e a cores as contradições e ignorância dos manifestantes. Muitas vezes ele sim foi vítima de ofensas e agressões físicas.

O “jornalista” (entre aspas mesmo) destaca uma frase para provar a tese do subtítulo da matéria: “no STF só tem comedor de lagosta FDP”. Bem, de fato, é uma ofensa. É a primeira que ouço do Arthur do Val. E a única apontada pela matéria. Daí a dizer que ele “se notabiliza pelas ofensas” vai uma distância considerável.

Esse é um exemplo de como não se deve tomar a valor de face “perfis” de políticos publicados na imprensa, sejam positivos ou negativos. Por trás de todos eles há interesses dos mais diversos tipos, plantados ou da lavra do próprio “jornalista”. No caso em tela, o interesse parece ser apenas ideológico.

Vá atrás, pesquise, ouça o político de viva voz, acompanhe seus atos. E forme sua própria opinião.

Prerrogativas do Lula

O grupo de WhatsApp Prerrogativas é formado por advogados e juristas “apartidários” que defendem o “direito de defesa”. Já publiquei um post sobre este grupo, e coloco aqui uma notinha sobre o grupo que acompanhou aquele post.

Pois bem. O tal grupo está organizando um torneio de futebol em homenagem aos 74 anos de Lula.

Amigos, todo o “direito de defesa” nasce e morre em Lula. Se Lula não estivesse preso, os outros todos condenados brasileiros poderiam morrer em suas masmorras, ninguém moveria uma palha.

A mais nova estatal brasileira: a história completa

Está aí a história completa da mais nova estatal do governo Bolsonaro.

O que me chamou a atenção foi o fato do Mattar ter procurado um deputado do Partido Novo para brigar na Câmara. Não encontrou nenhum deputado do PSL, partido do governo, para comprar a briga? Pior: Flávio Bolsonaro foi o relator da MP no Senado. O que só confirma a minha hipótese de que Paulo Guedes e sua equipe formam uma ilha de liberalismo em um governo (e partido) que cultivam o corporativismo.

A MP vai para a sanção de Bolsonaro. Vamos ver. Tomara que eu queime a língua.

Só a Caixa baixa juros – já vimos essa história antes

Tabela extraída do jornal Valor Econômico

A Caixa fez um movimento agressivo de redução de juros. Ao contrário de 2012, no entanto, aparentemente não obedeceu a uma ordem do governo, foi uma decisão empresarial. O BB não acompanhou, por enquanto.

Os grandes bancos privados não foram atrás, também por enquanto. A aposta da Caixa é de que taxas de juros menores diminuirão a inadimplência e, portanto, diminuirão as perdas do banco com esses empréstimos, mais do que compensando a queda das taxas. É uma estratégia, que pode dar certo ou errado.

Os grandes bancos só vão se mexer nessa direção se começarem a perder clientes para a Caixa. E,mesmo assim, talvez não se mexam. A estratégia da Caixa pode sofrer do fenômeno de “seleção adversa”: tendem a migrar para a Caixa primeiramente aqueles clientes com mais dificuldades para pagar suas contas. A Caixa fica com os clientes mais arriscados e com uma taxa de juros menor, enquanto os grandes bancos ficam com os clientes menos arriscados e com uma taxa de juros maior. Por que os grandes bancos evitariam este movimento?

Existe um pressuposto por trás desse movimento da Caixa que, desconfio, está equivocado: o de que as pessoas não pagam seus saldos devedores no cheque especial e no cartão de crédito porque os juros são muito elevados. O que de verdade acontece, na minha opinião, é que as pessoas que acumulam dívidas no cheque especial e no cartão é porque são descontroladas financeiramente. Juros menores somente abrirão mais espaço para essas pessoas gastarem mais, não pagar suas dívidas. No final, haverá dívidas maiores e a mesma dificuldade de pagamento.

O nível dos juros do cheque especial não está lá à toa, serve para compensar este risco. Se os grandes bancos não estão seguindo a Caixa, é bom ficar de olho: esses grandes bancos são sobreviventes em um país que já viu tudo quanto foi crise e que transformou o sistema bancário brasileiro em um imenso cemitério. Eles sabem fazer conta, mais do que um “forasteiro” que teve experiência somente com bancos de investimento, como é o caso do presidente da Caixa, Pedro Guimarães. Não estou dizendo que não possa dar certo, só estou alertando para um potencial rombo criado por essa estratégia, e que será pago pelo meu, pelo seu, pelo nosso. Como sempre.

Subsídios never die

Texto extraído do jornal O Estado de São Paulo

Subsídios never die.

Subsídios sempre nascem com um bom propósito. Pode ser o de estimular uma determinada região (ex. ZF Manaus), uma determinada indústria (ex. automobilística) ou simplesmente aliviar as dores do povo (alimentos, gasolina).

O problema dos subsídios é sua própria definição: sustentar uma atividade econômica que, por si só, seria insustentável. A esperança é que se torne sustentável após um certo tempo, mas isso raramente acontece. Quando muito, os lucros incorporados pelos agentes privados com os subsídios tornam-se a razão de ser daquela indústria.

O problema dos subsídios diretos a bens de consumo é ainda pior: as pessoas ajustam seus orçamentos àquele nível de preços, e a volta à normalidade é muito dolorosa. Quando esse subsídio já dura duas gerações então, como no caso dos combustíveis no Equador, a coisa torna-se irreversível.

Brincamos de subsidiar combustíveis aqui no Brasil durante alguns poucos anos, utilizando o orçamento da Petrobras, o que já foi suficiente para abrir um rombo multibilionário no balanço da empresa, perto do qual o roubo descoberto pela Lava-Jato é troco de pinga. A empresa até hoje está tentando se recuperar vendendo ativos. O fim dos subsídios aqui resultou na famigerada greve dos caminhoneiros.

No caso do Equador (e também da Venezuela), o subsídio é patrocinado pelo Estado. Acabou o dinheiro, o Equador fez um acordo com o FMI e eliminou os subsídios no âmbito desse acordo. Ao contrário da Venezuela, no entanto, a economia do Equador é vinculada ao dólar. É mais ou menos como a Grécia, não dá pra brincar de desvalorizar e hiperinflacionar a moeda, pois o país não tem soberania monetária (não manda na própria moeda).

Resta saber quanto tempo o país aguenta: ao contrário da Grécia, não há um arcabouço institucional externo que torne mais caro sair da moeda do que se manter nela. A Grécia teve que fazer ajustes draconianos para se manter no Euro, mas a alternativa era pior. Para os equatorianos, a alternativa de desvincular-se do dólar pode não parecer tão ruim assim. Foi o que pensou a Argentina em 2001, quando abandonou a paridade oficial com o dólar ao invés de fazer a lição de casa. Deu no que deu.

A lição é sempre a mesma: as “bondades” de governos populistas acumulam distorções na economia, que acabam cobrando o seu preço mais cedo ou mais tarde. A economia é uma ciência humana, o que não quer dizer que não tenha leis. Ninguém desafia a lei da oferta e da demanda impunemente.

Vontade de privatizar

Salim Mattar reclama da burocracia para privatizar. Não conseguimos sequer vender o excesso de ações do Banco do Brasil que estão nas mãos da União. O BNDES se enrolou na burocracia e não vai conseguir vendê-las. No entanto, somos rápidos na criação de estatais: o atual governo já criou uma, a NAV Brasil, que vai herdar as atividades (e funcionários) da Infraero. Era para ter zero estatais no setor aéreo, agora temos duas.

Collor acabou com a Siderbras e privatizou a Usiminas.

Itamar Franco privatizou a CSN e a Embraer.

FHC privatizou a Vale e todo o sistema Telebras.

Perto de CSN, Embraer, Vale e Telebras, privatizar os Correios não parece ser um desafio especialmente difícil. Tenho fé de que o governo mais privatista da história vai conseguir.

O ambientalismo da Vila Madalena

Jeffrey Sachs, renomado economista americano e diretor de um departamento de sustentabilidade da ONU, concede longa entrevista hoje no Valor. São muitos as pérolas que poderiam ser destacadas, mas acho que o trecho abaixo resume bem a bolha onde esse pessoal vive.

Segundo Sachs, é questão de pouco tempo para que “as pessoas” se perguntem de onde está vindo o alimento que comem, e rejeitem soja que tenha vindo de áreas desmatadas da Amazônia.

Não vou nem entrar no mérito do que se considera “Amazônia” no critério da ONU. Deve ser tudo que estiver acima da Barra da Tijuca. A questão é outra: assumir que a imensa maioria da população global, que não tem onde cair morta, vai olhar para a embalagem do produto e verificar se é “desmatamento free”.

Nos mercados descoladas da Vila Madalena ou do Leblon, é comum encontrarmos produtos “orgânicos”, cultivados sem (ave-maria cruz-credo) agrotóxicos. Obviamente, muito mais caros do que os produtos “comuns”. Ora, se as pessoas, por pura limitação econômica, não se recusam a ingerir comida “envenenada”, que dirá sobre a preservação das árvores da Amazônia.

Esse pessoal vive na bolha dos 0,1% mais ricos da população, onde a comida é farta e pode ser escolhida com critérios “corretos”. No mundo real, a Índia está comemorando o fim da defecação a céu aberto, conforme notinha também reproduzida aqui.

Ambos os textos retirados do jornal O Estado de São Paulo

A China precisa alimentar mais de 1 bilhão de pessoas (e o Brasil mais de 200 milhões) do jeito que der. Quando todos os habitantes do planeta puderem consumir duas mil calorias por dia, daí talvez possamos começar uma discussão sobe “conscientização”. Aliás, os plantadores de soja conseguem fornecer proteínas para esse mundaréu de gente com um impacto ambiental bastante limitado, dado o tamanho do desafio.

Em outro ponto da entrevista, Sachs afirma que quem está contra as ações para conter as mudanças climáticas só está pensando no dinheiro. Pode ser. Mas eu diria que o grande problema dessas ações é combinar o jogo antes com aqueles que NÃO TEM dinheiro. Esses é que, no final do dia, teriam que pagar, com suas próprias vidas, pelas políticas ambientalistas.

Lições de macroeconomia

Nesses 3 tuítes, talvez tenhamos o conjunto da obra mais bem acabado dos equívocos mais comuns em macroeconomia, e que levam a políticas públicas desastrosas. Vejamos:

1) O governo NÃO TEM capacidade de definir o quanto arrecada. O tamanho da arrecadação depende de dois fatores: crescimento econômico e capacidade de aumentar carga tributária. O crescimento econômico não depende da vontade do governo (voltaremos a este ponto no item 2) e a capacidade de aumentar impostos existe mas só até certo ponto. Basta ver a imensa repulsa da sociedade brasileira, hoje, ao aumento de QUALQUER imposto. Portanto, assumir que o governo pode arrecadar o quanto quiser é uma premissa temerária, para dizer o mínimo.

2) Quando o governo gasta, está DESTRUINDO VALOR, não criando valor. Para gastar, o governo precisa arrecadar ou endividar-se. Ao fazer isso, está transferindo renda de uma parte da sociedade para a outra, com o pedágio da máquina governamental no meio. O resto é ilusão de ótica. Se o tal “multiplicador keynesiano” existisse, não existiria país pobre no mundo, era só o governo gastar como se não houvesse amanhã. Incentivos de curto prazo cobram o seu preço a longo prazo, não existe crescimento econômico “de graça”. Os anos Dilma deveriam servir como exemplo.

3) O governo emite títulos em sua própria moeda fiduciária, é verdade. Mas a moeda deixa de ser fiduciária (confiável) se o governo abusa desse poder. Não à toa, a moeda passa a ser um mero papel pintado em países que não respeitam regras macroeconômicas básicas.

4) O governo NÃO DEFINE as taxas de juros de sua dívida. Este talvez seja o erro mais primário de todo o raciocínio. A taxa de juros é definida pelo credor. Se este não quiser rolar a dívida por aquela taxa, vai sair do País. Existem efetivamente agentes econômicos que não têm essa prerrogativa, e são reféns da dívida pública. Mas mesmo estes vão preferir rolar sua dívida no overnight do que prefixar a uma taxa que considerem baixa demais. E nenhum governo consegue se sustentar rolando sua dívida no overnight, a não ser em ambientes hiperinflacionários. Mas ninguém quer hiperinflação, confere? A esse propósito, a Argentina acabou de dar calote na sua dívida emitida em sua própria moeda. A Rússia fez o mesmo em 1998. Por que? Onde estão os “financiadores na taxa determinada pelo governo”?

Acho que o denominador comum de todos esses erros está na confusão entre curto e longo prazo. O governo tem, de fato, capacidade de se endividar, criar dinheiro, criar impostos e estimular a economia no curto prazo. Mas essas coisas todas têm um custo, a ser pago no longo prazo. O problema é que um dia o longo prazo chega. E, como diria o conselheiro Acácio, as consequências vêm depois.

O preso de Schrödinger

Quando cumprir 100% da pena, Lula vai querer continuar preso até que reconheçam sua inocência.

Será o único solto preso do país.

Como diria a saudosa, não acho que quem ficar preso ou ficar solto, nem quem for preso nem for solto, vai ficar preso ou solto. Vai todo mundo ficar preso.