O mandato dual do BC

A autonomia legal do BC é um objeto de desejo do mercado financeiro. Há estudos que afirmam que a taxa de juros poderia ser mais baixa de maneira estrutural, dada a garantia de que o BC atuaria de maneira verdadeiramente independente.

Só tenho uma coisa a dizer: cuidado com seus desejos.

Se as ideias do líder do MDB ano Senado “pegarem”, sentiremos saudades do nosso BC apenas informalmente independente.

Eduardo Braga é só porta-voz de um erro muito comum, e que engana grande parte dos brasileiros: a confusão entre o curto e o longo prazos.

No curto prazo, é verdade que a taxa de juros influencia tanto a inflação quanto o crescimento econômico. Taxas mais baixas fazem a inflação e o crescimento subirem, e vice-versa. O problema está no longo prazo.

No longo prazo, uma inflação persistentemente mais alta desorganiza a economia, fazendo com que o crescimento econômico se reduza. Trata-se de um jogo perde-perde. Por isso, os BCs do mundo inteiro olham a inflação, não a atividade. Eles sabem que, descuidando da inflação no curto prazo, estarão condenando o crescimento no longo prazo.

Ocorre que o mundo desenvolvido está enfrentando agora o problema oposto: inflação muito baixa. Por isso, estão tentando desesperadamente dar incentivos para elevar a inflação. Não é, nem de longe, o nosso problema.

Não é verdade que os BCs dos países desenvolvidos olhem para a inflação e o crescimento. Mesmo nos EUA, onde o mandato é dual e não existe meta de inflação, o BC age para manter a inflação sob controle. Em 1980, depois do 2o choque do petróleo, a inflação nos EUA subiu para 12%. O então presidente do Fed, Paul Volcker, não teve dúvida: elevou os juros até 20% para derrubar a inflação, levando os EUA e o resto do mundo para uma recessão. Ou seja, quando a porca torce o rabo, é o controle da inflação que manda.

Dar um mandato dual para o BC é transferir uma tarefa que o BC não tem instrumentos para cumprir. Preservar o poder de compra da moeda através de metas para a inflação e o controle de oferta de moeda está plenamente dentro do escopo do BC. Por outro lado, fazer o país crescer vai muito além de manter “as taxas de juros baixas”. Exige uma série de ações para aumentar a produtividade do país e que estão fora do campo de decisões do BC. Transferir para a política monetária a tarefa de fazer a economia crescer é um “me engana que eu gosto”.

Um BC independente com mandato dual é muito pior do que o atual BC com autonomia operacional. Em se tratando de Brasil, não me espantaria se essa ideia prosperasse.

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