O “ultraliberalismo”

Sou fã do Cláudio Adilson, acho que é um dos melhores economistas do Brasil. Tendo dito isso, seu artigo de hoje no Estadão parece ter sido mais influenciado por suas opiniões políticas do que pelo rigor que sempre marcou o seu trabalho.

O artigo começa com uma falácia, acusando os “ultraliberais” de defender a ineficácia de ações governamentais sem que haja crescimento econômico anterior. A começar do uso do termo “ultraliberal”, que se presta bem a dividir os liberais entre os malvados e aqueles que têm bom coração, que seriam “liberais”, mas com consciência social.

Mas a principal falácia está em colocar a discussão “em tese”, como se estivéssemos discutindo sobre uma folha em branco, quando na verdade temos um histórico gigantesco de políticas de bem-estar social há décadas. Ou seja, o Brasil até hoje não foi governado por “ultraliberais”, possui políticas de bem-estar social às pencas (aposentadoria, saúde universal gratuita, educação gratuita da creche à faculdade), e mesmo assim, depois de décadas dessas políticas, somos um dos países mais desiguais do mundo. Algo está errado, não?

Em seu artigo, Cláudio Adilson condena o uso de políticas redistributivas com base na “taxação dos ricos”, dizendo que a literatura econômica já mostrou serem ineficientes. Também condena o Bolsa Família em seu atual formato. O que Cláudio Adilson defende são as chamadas “políticas pré-mercado”: o Estado deveria proporcionar educação e saúde de qualidade para a população mais pobre, para que tivessem as mesmas chances que os mais ricos. Sério? Por que não pensamos nisso antes???

O Brasil hoje já oferece educação e saúde universais de graça para a população mais pobre. A qualidade, como sabemos, deixa muito a desejar. Por que? É esta pergunta que economistas como Cláudio Adilson deveriam estar gastando o seu tempo e seu espaço na imprensa para responder, e não repetindo obviedades acacianas.

Cláudio Adilson termina o seu artigo atacando o governo, supostamente formado pelos “ultraliberais” sem coração. Parece ter sido esse o objetivo desde o início: marcar uma distinção entre os “liberais esclarecidos” e os brucutus que estão no ministério da Economia. A mim me parece (e já escrevi isso aqui) que é só uma questão de ênfase no discurso: colocar o combate à desigualdade como um objetivo explícito de política pública, para tornar mais palatável as reformas necessárias do Estado brasileiro. No final do dia, brucutus e esclarecidos defendem basicamente as mesmas coisas

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