O nosso sócio oculto

Sua conta de luz está cara? Pois saiba que metade não vai para as companhias, mas sim para o nosso sócio oculto: o governo.

Bem, nem tudo. Dos R$87 bilhões arrecadados, cerca de R$19 bilhões vão para bancar a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que serve para subsidiar “tarifas sociais”, usinas termoelétricas em lugares isolados como Rondônia (isolados porque as linhas de transmissão passariam por terras indígenas que, como sabemos, são sagradas) e “energias limpas”, como, por exemplo, os subsídios aos painéis solares. O restante é imposto mesmo, principalmente ICMS, que vai para o caixa dos Estados, onde é usado, entre outras coisas, para subsidiar as universidades públicas.

Portanto, sempre que você pensar em reclamar da conta de luz, lembre-se que seu dinheiro está sendo usado com sabedoria.

A demografia joga contra nós

Duas notícias hoje sobre demografia: no Estadão, a diminuição da população do Japão; no Valor, a inflexão da “relação de dependência” no Brasil.

Relação de dependência é a proporção de crianças e idosos (que supostamente não trabalham) em relação à população economicamente ativa. Essa relação vinha caindo desde a década de 60 com a redução da fertilidade, o que diminui o número de crianças. Neste ano da graça de 2019, segundo projeções do IBGE, o aumento do número de idosos ultrapassou a diminuição do número de crianças, fazendo com que a relação de dependência aumentasse. O censo de 2020 servirá para confirmar ou não essa projeção.

O Japão está perdendo população à razão de 500 mil habitantes por ano. Morre mais gente do que nasce porque a população é mais velha, na média. A fecundidade brasileira é um pouco maior que a japonesa (1,7 filhos por mulher contra 1,4 do país asiático) mas, ainda assim, menor que a taxa de reposição populacional, que é de 2,1 filhos por mulher. O Brasil só não está perdendo população porque é bem mais jovem e, portanto, o número de nascimentos ainda supera o número de mortes.

Estamos no auge do nosso chamado “bônus demográfico”, ou seja, o menor número de dependentes em relação à população economicamente ativa. Esse bônus significa que o esforço da população que trabalha é, em tese, menor para aumentar a riqueza do país, pois há proporcionalmente mais gente trabalhando. Pois bem: conseguimos jogar no lixo uma parte importante desse bônus, fabricando a maior recessão da história do País com o maior desemprego da série histórica. Ainda dá tempo de usar essa janela que o bônus demográfico proporciona, mas é preciso correr, pois a janela já começou a se fechar.

Há alguns dias, escrevi sobre a aposentadoria do meu filho recém-formado. Segundo projeções do IBGE, daqui a 40 anos, quando ele estiver se aposentando, a relação de dependência no Brasil será semelhante à do Japão hoje. Daqui a 40 anos, provavelmente o Brasil estará perdendo população como o Japão hoje. Lá, eles têm uma poupança acumulada gigantesca, que os ajuda a não depender tanto da riqueza produzida pelas novas gerações. Para o bem do meu filho, espero que isso seja verdade também para o caso brasileiro.

Os brasileiros da década

Sérgio Moro foi o único brasileiro escolhido pelo Financial Times em uma lista de 50 personalidades que marcaram a década. Na verdade, somente Lionel Messi o acompanha entre os latino-americanos. E não custa lembrar que Messi faz sua carreira na Europa desde os 13 anos de idade. Portanto, o juiz de Curitiba foi o único latino-americano que fez barulho suficiente para que o FT prestasse atenção a esta região esquecida do planeta. Moro ombreia com políticos globais como Obama, Trump, Xi Jiping, Putin, Macron e Merckel, com empresários como Zuckerberg e Bezos, e com esportistas como Lionel Messi e Cristiano Ronaldo. Merecido? Merecidíssimo!

Fiquei pensando em uma lista dos 50 brasileiros mais influentes da década. Além da óbvia escolha de Sérgio Moro, que outros seriam escolhidos? Comecei a minha lista e peço a ajuda de vocês (a ordem é aleatória, na medida em que os nomes me vinham à cabeça).

  • Dilma Rousseff: com suas políticas desastradas, acelerou a queda do PT.
  • Deltan Dalagnol: juntamente com Sérgio Moro, ajudou a derrubar a quadrilha que assaltou a Petrobras – Jair Bolsonaro: soube aproveitar o vácuo deixado na política brasileira e foi eleito contra todas as chances
  • Neymar: o jogador da década no Brasil, em um período de entressafra de craques.
  • Joaquim Barbosa: o juiz que colocou na cadeia metade do establishment político brasileiro no episódio do Mensalão
  • Roberto Jefferson: o primeiro político que fez delação sem ser premiada, e deu origem à investigação que seria conhecida como Mensalão.
  • Guido Mantega: o ministro da economia mais longevo da história do Brasil foi também aquele que demonstrou, com fatos, o que não funciona em economia, usando o Brasil como cobaia
  • Guilherme Benchimol: transformou uma corretora obscura, a XP, no maior desafio aos bancos no campo dos investimentos.
  • Janaína Paschoal: liderou a parte técnica do processo de impeachment
  • Michel Temer: o homem certo no lugar certo na hora certa
  • Eduardo Cunha: liderou politicamente o processo de impeachment
  • Fernando Haddad: aumentou em R$0,20 o preço das passagens de ônibus em São Paulo em junho de 2013, o que se tornou o estopim das maiores manifestações de rua da história do País. A política nunca mais seria a mesma depois daqueles R$0,20.
  • Frederico Trajano: transformou a Magazine Luiza em um concorrente de peso no novo campo do comércio eletrônico, fazendo com que as ações da empresa se valorizassem mais e 2.500% desde a sua abertura de capital em abril/2011.
  • João Amoedo: fundou o Novo, um partido diferente na geleia real da política brasileira
  • Gabriel Medina: campeão mundial de surf, abriu caminho para uma safra de campeões que podem trazer medalhas para o País nas olimpíadas.
  • Eike Batista: protagonizou a ascensão e queda do Brasil grande da era petista
  • Felipe Neto: independentemente de suas ideias políticas, personificou o poder das redes sociais junto à nova geração.
  • Lula: sem ter exercido um único cargo sequer na década, foi a referência política do período, como um fantasma a assombrar todos os cálculos. Chegou ao 2o turno preso em uma cela de Curitiba.

Listei 18 nomes, faltam 32. Vocês me ajudam?

Quando vamos aprender a fazer política?

Pedro Fernando Nery se notabilizou pela intransigente e bem embasada defesa da reforma da Previdência. Pode procurar em seus muitos artigos, tuítes e no seu livro, escrito em parceria com o também especialista Paulo Tafner, uma linha sequer defendendo a “economia” gerada pela reforma. Enquanto Paulo Guedes e o mercado financeiro insistiam na “reforma do 1 trilhão”, Nery sempre focou na injustiça do sistema, um dos maiores, senão o maior, mecanismos de concentração de renda do País.

Muitos se espantam de como uma reforma do porte da aprovada, que de fato vai economizar algo mais próximo de 1 trilhão do que dos 400 bilhões da reforma frustrada do Temer, foi aprovada em menos de um ano sem uma única manifestação contrária nas ruas. O que eu vou dizer carece de comprovação teórica ou empírica, é mais um feeling pessoal: acredito que o sucesso da tramitação se deu pelo deslocamento do eixo das discussões para a justiça social da reforma, ao invés de ficar girando no eixo meramente fiscalista. E esse deslocamento é mérito, entre outros, de Pedro Nery.

Essa longa introdução serve para chamar a atenção para o artigo de Nery, hoje, no Estadão, em que o autor repercute estudo do IPEA que mostra que os mais pobres perderam renda neste ano, apesar de o brasileiro médio ter recuperado renda. Ou seja, não é que todos enriqueceram mas os pobres enriqueceram menos. Os pobres, de fato, ficaram mais pobres.

Nery defende a constitucionalização do Bolsa Família e sua extensão para as crianças pobres. A primeira vez que ouvi alguém defender a constitucionalização do BF foi Aécio Neves na campanha eleitoral de 2014. Escolado pelo uso eleitoreiro que o PT fez do programa nas eleições anteriores, Aécio propôs que o BF tivesse caráter constitucional justamente para tirar essa bandeira do PT, para que o partido não pudesse dizer que só o PT garantia a existência do BF.

Nery não entra em considerações partidárias, mas diz essencialmente a mesma coisa. Ele propõe a constitucionalização para que o programa realmente funcione, tal como a Previdência funciona, sem que seja necessária a boa vontade do governo de plantão. E eu complemento: precisamos, a exemplo da reforma da Previdência, reconhecer o caráter concentrador de renda em que vivemos, e propor remédios permanentes para esse modelo. O preço de não fazê-lo é entregar de mão beijada uma bandeira óbvia para os partidos de esquerda. Ao constitucionalizar o BF, não deixamos o PT falando sozinho sobre justiça social.

Raymond Aron, em sua espetacular obra “O Ópio dos Intelectuais”, relata justamente a oposição que os revolucionários de esquerda faziam aos programas social-democratas de mitigação da miséria. Segundo os revolucionários, o proletário, ao ver mitigada a sua dor, estaria menos propenso a “fazer a revolução” que mudaria definitivamente o modo de produção. Lula, que sempre achou essa história de revolução uma grande bobagem, adotou o programa da social-democracia e o usou como ninguém para fins de perpetuação no poder. Enquanto isso, ficamos chamando o BF de “esmola”, o mesmo termo usado pelos revolucionários de esquerda. Quando vamos aprender a fazer política?

Vale a pena contribuir para o INSS?

Meu filho formou-se em medicina. Disse a ele para que pensasse sobre a possibilidade de começar a contribuir para o INSS. Afinal, quanto mais cedo começar, melhor será a aposentadoria lá na frente. Ele então me perguntou: “mas vale a pena mesmo? O sistema não está quebrado? Que garantia eu tenho de que vou receber meu dinheiro lá na frente? Não é melhor guardar o dinheiro e fazer a sua própria aposentadoria?”

Perguntas todas muito pertinentes. Fui fazer um cálculo simples, assumindo as seguintes premissas:

  • Idade atual: 25 anos
  • Idade da aposentadoria: 65 anos
  • Contribuição: 20% do salário mensal
  • Taxa de juros real durante a vida ativa: 3% ao ano
  • Taxa de juros real na aposentadoria: 2% ao ano

Com essas premissas, o INSS vale a pena se meu filho viver além dos 83 anos de idade. Se morrer antes, teria valido a pena juntar o dinheiro.

Bem, adivinhar a idade da morte não é a menor das dificuldades neste tipo de cálculo, mas não é a única. As premissas de taxas de juros reais também são difíceis de fazer, e o resultado final depende muito disso. Mas acho que a principal incerteza veio de uma objeção que ele fez: “e quem me garante que essas regras não vão ser modificadas lá na frente de novo?” É, ninguém garante. Quer dizer, na verdade, é garantido que essas regras SERÃO mudadas lá na frente de novo, pois o sistema ainda está desequilibrado, e tende a ficar pior com o envelhecimento da população.

Tenho certeza de que esta dúvida não é só do meu filho, mas de toda essa geração que está entrando agora no mercado de trabalho. Como o INSS é um sistema “pay as you go”, depende da entrada de novos contribuintes. Se estes começarem a faltar, poderemos começar a enfrentar dificuldades para pagar as atuais aposentadorias. E com a tendência de termos cada vez menos empregos registrados, a decisão de contribuir para o sistema fica cada vez mais na mão do jovem profissional.

Sem querer soar alarmista, pois não é o caso por enquanto, mas toda essa discussão sobre a Previdência, ao mesmo tempo que alertou para a necessidade de poupar para a aposentadoria, aumentou a desconfiança no sistema por parte das novas gerações, que podem se recusar a financiar um sistema quebrado. O sistema de capitalização que o Guedes propôs era o reconhecimento de que isso tenderia a acontecer. O sistema atual tem como base a “solidariedade” inter-geracional: só funciona se as novas gerações toparem continuar pedalando a bicicleta.

O capitalismo fofinho

Lido profissionalmente com investimentos há mais de 25 anos. Coisa de 15 anos atrás, viraram moda os chamados “fundos de sustentabilidade empresarial”. Por “sustentabilidade empresarial” entende-se a “sustentabilidade corporativa, baseada em eficiência econômica, equilíbrio ambiental, justiça social e governança corporativa”, segunda a definição da BM&F, que criou em 2005 um índice chamado ISE para acompanhar o desempenho de empresas “fofinhas”, no dizer da manchete do Valor Econômico.

Pois bem. O índice ISE rendeu 10,5% ao ano desde a sua criação. Nesse mesmo período, o IBrX, que é um índice amplo que reflete o desempenho da bolsa como um todo, rendeu 11,8% ao ano. Como o IBrX reúne tanto empresas fofinhas quanto as maldosas, podemos concluir que estas últimas renderam bem mais nesse período. O resultado podemos ver 14 anos depois: os fundos de Sustentabilidade Empresarial são marginais na indústria de fundos. Aposto que você nunca tinha ouvido falar.

Hoje esse movimento voltou com tudo, na sigla ESG (Environmental, Social, Governance). No mercado internacional de investimentos há uma cobrança cada vez maior, por parte de investidores institucionais, pela aderência aos princípios ESG. Na avaliação de investimentos, não conta somente a performance, mas também esta aderência.

Falta, no entanto, combinar com os russos. No caso, os investidores finais, que são as pessoas físicas que vão, no final do dia, receber menos pelos seus investimentos em nome dos princípios ESG. Há uma lenda urbana que diz que as empresas politicamente corretas têm rentabilidade maior no longo prazo. Não é o que vimos aqui no Brasil com o ISE e não é o que mostram os estudos acadêmicos a respeito. A comparação com alimentação orgânica é irresistível: a “consciência social” custa um dinheiro que poucos podem pagar.

Claro que tudo pode não passar de um discurso sob medida para roubar as bandeiras da esquerda antes que esta tome o poder e implemente mudanças que não sejam meramente cosméticas. Os próprios CEOs alertam para essa possibilidade. E é absolutamente esperado que seja isso mesmo. Afinal, por mais que a consciência social pese, é ao anúncio de lucros que os preços das ações reagem. Os investidores continuam agindo com os bolsos, ainda que o discurso seja politicamente correto.

O artigo diz que Milton Friedman teve um ano difícil, pois supostamente as empresas estariam buscando outros paradigmas além da geração de lucros. Eu diria que, fosse Milton Friedman vivo, estaria dizendo “me deem um almoço de graça, que eu lhes darei um capitalismo sem lucros”.

Remuneração injusta

Professor da minha “alma mater”, a Poli-USP, escreve hoje artigo sobre o baixo teto salarial vigente nas universidades públicas paulistas. Segundo o articulista, o teto salarial paulista é 58% menor que o teto das universidades federais, o que seria injusto e estaria prejudicando a atração de novos talentos.

Daí você vai lendo e os detalhes vão aparecendo. Existe uma turma que ganha acima do teto, formada basicamente por aposentados e alguns procuradores. O autor chama os aposentados de “servidores”, quando, na verdade, já não servem na universidade. É o vício: uma vez servidor, sempre servidor. Esse grupo, que perfaz espantosos 10% do total de docentes da USP, são somente aqueles que recebem acima do teto. Tem os aposentados que recebem abaixo do teto mas, mesmo assim, recebem salário integral depois de aposentados.

Outro ponto que me chamou a atenção são os “procuradores”. O que faz um procurador na folha de pagamento da universidade? Um não, 14! Confesso minha ignorância. Mas esse grupo também recebe acima do teto. E aí nota-se uma ponta de despeito por parte do articulista, pois existiriam procuradores com “menos de 20 anos de serviço” ganhando acima do teto! Aqui, o vício do servidor público aparece em todo o seu esplendor: o problema dos procuradores não é a sua eventual falta de produtividade ou a sua competência, mas tão somente o seu tempo de serviço. Daí decorre que a remuneração dos professores deveria seguir o mesmo critério: quanto mais antigo, maior deveria ser o salário. Produtividade e competência ficam em segundo plano. (Sim, eu sei que, para atingir o topo da carreira, o professor deve prestar concursos internos, então não é só tempo de serviço. Mas não foi esta a “reclamação” do articulista).

É interessante que a isonomia salarial é sempre evocada para aumentar salários, nunca para diminuir. Por que o salário do professor federal seria o justo e não o do professor estadual? Esta questão de “justiça” é muito fluida em um país em que um quinto da população vive abaixo da linha da miséria. A questão que se coloca é QUANTO a universidade pode pagar. Assim como todo ano tem réveillon, podemos contar todo ano com uma matéria sobre as agruras financeiras das universidades paulistas. Vai tirar dinheiro de onde? Aumentando o ICMS que incide sobre a cesta básica dos desdentados? Cortar aposentadoria ninguém quer, então…

O articulista afirma que o teto dos professores federais era 29% maior em 2011, e hoje é 58% maior. Ocorre que os governadores de São Paulo foram menos irresponsáveis que os governos petistas nesse período, os quais aumentaram despesas como se não houvesse amanhã. Qual salário está “errado” para a realidade fiscal brasileira?