Moro na salmoura

A reportagem do Estadão foi bem esperta. Ao cobrir os rumores de que Bolsonaro estaria pensando em recriar o Ministério da Segurança Pública, foi entrevistar Alberto Fraga. Mas quem é Alberto Fraga, além de um obscuro ex-deputado condenado duas vezes em primeira instância por receptação de propina no governo do DF? Fraga é amigão do peito de Bolsonaro e já emplacou a indicação do atual PGR.

E o que nos diz Fraga? Que Moro não entende nada de segurança pública. Vindo do amigo de todas as horas do capitão, essa não é uma afirmação qualquer. É a senha para começar o ataque frontal a Sérgio Moro, vindo de dentro do Palácio.

Obviamente, seria uma traição a Moro, que largou uma carreira bem sucedida no judiciário para embarcar em um projeto político.

Alguns dirão “bem-feito, quem mandou confiar no #elenão?” Eu diria “que pena”, pois é o governo que perderá um grande quadro. Não faltarão empregos bem-remunerados para o juiz da Lava-Jato.

E para aqueles que vão dizer que é melhor não se precipitar, que ainda não foi tomada nenhuma decisão, só o fato do presidente ter se reunido com os secretários da segurança pública sem a presença do chefe da pasta já indica um esvaziamento. A menção à possibilidade de divisão da pasta pelo próprio presidente e as declarações de Alberto Fraga são apenas os complementos naturais da fritura.

E qual foi o pecado de Moro? Aparentemente, ser mais popular do que Bolsonaro. O presidente e seu entorno veem inimigos até debaixo dos pratos, e Moro é uma ameaça real à sua perpetuação no poder apesar de não ter feito um único movimento sequer nessa direção. Pelo contrário. Sua participação no Roda Viva foi uma ode à lealdade ao chefe. Mas a popularidade, sabe como é…

Reportagem do Globo indica que, ora vejam só, Alberto Fraga seria um nome cogitado para o novo ministério. Trocar o juiz da Lava-Jato por um condenado da justiça seria tudo o que este governo não precisa agora. Mas, no termômetro da lealdade, que é o que realmente importa em um governo onde a proteção da família vem à frente do combate à corrupção, Alberto Fraga é imbatível.

Claro, no final tudo não passará de “ataques da extrema-imprensa”, que é a forma de Bolsonaro se livrar dos problemas criados por ele mesmo. O general Augusto Heleno já afirmou no Twitter que “mentem” aqueles que dizem que Bolsonaro está pensando em recriar a pasta da Segurança. A reunião com os secretários de segurança sem a presença do ministro e as próprias palavras do presidente em entrevista devem ser só ilusão de ótica.

Moro continuará onde está hoje, mas a fritura deixará as suas marcas. O primeiro-amigo do presidente não afirma sem consequências que o ministro da Justiça não entende nada da pasta da qual é titular. Moro está avisado: qualquer movimento suspeito será punido com a perda do cargo. E movimento suspeito pode ser absolutamente qualquer coisa.

O general Augusto Heleno tuitou também que confiemos no capitão. Criticá-lo seria encomendar a volta da esquerda em 2022. Ora, se tem alguém encomendando a volta da esquerda é o próprio governo, ao detonar seus aliados mais próximos e ficando cada vez mais isolado com seus fantasmas. É questão de tempo (se é que já não começou) para que as redes bolsonaristas comecem a atacar Moro e sua suposta deslealdade.

Sérgio Moro é um dos pilares desse governo, o outro é Paulo Guedes. Sem Moro, o governo Bolsonaro perde um dos, senão o principal, avalista de sua credibilidade. O convite a Sérgio Moro talvez tenha sido a jogada política mais genial de Bolsonaro, e o fato de Moro ter aceito seu convite a sua maior sorte. Espero sinceramente que o capitão não a desperdice.

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